Foi um elemento externo ao debate parlamentar nacional que acabou por deitar água na fervura que ia em crescendo nos últimos debates quinzenais. As polémicas declarações de Jeroen Dijsselbloem sobre os povos do sul fizeram com que quase todas as bancadas aproveitassem a exposição do plenário para atirar ao presidente do Eurogrupo. O tom do debate tornou-se muito menos crispado, mas para isso também terá contribuído que desta vez o interlocutor direto de António Costa não tivesse sido Pedro Passos Coelho, mas sim o líder parlamentar do PSD. Mas vamos a um resumo pelos pontos principais de mais uma ida de António Costa ao Parlamento.

O efeito-Dijsselbloem

O primeiro a trazer o assunto ao debate foi o próprio primeiro-ministro que, de manhã, já tinha feito declarações sobre a polémica afirmação do presidente do Eurogrupo e ainda ministro das Finanças holandês, mas não desperdiçou a oportunidade de voltar ao tema no Parlamento para criticar alguém “que se diz trabalhista, mas teve uma atitude sexista, racista, xenófoba e ofensiva para os portugueses”. Depois foi o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, a dizer que pouco importava a família política de origem (Dijsselbloem é socialista), porque este tipo de “declaração é impróprio, indigno e inaceitável”. Costa à carga para acrescentar que, “com Dijsselbloem à frente do Eurogrupo, o euro está condenado“. Para Catarina Martins, do BE, as declarações foram “preconceituosas” e “insultuosas” e por parte de Jerónimo de Sousa, do PCP, também mereceram “repúdio“. Todos, num uníssono, a pedir a saída do homem mais polémico do momento. Resultado: o tom do debate esteve uns bons decibéis abaixo do último, por exemplo.

Mas não foi o único motivo. A crispação maior tem vindo do confronto entre o primeiro-ministro e o presidente do PSD. Mas neste debate, em que eram os partidos a escolher os temas e não o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho ficou sentado e calado, sem fazer qualquer intervenção durante as duas horas de debate. Aliás, até saiu antes do debate terminar.

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Caixa: os balcões e a “privatização geringonçada”

Já estava prometido, sobretudo pelos partidos que apoiam o Governo socialista no Parlamento, que o tema ia voltar em força a mais um debate quinzenal e assim foi. Mas desta vez o ângulo foi o do plano de reestruturação da Caixa Geral de Depósitos e o pré-anunciado fecho de balcões do banco público pelo país. Luís Montenegro lançou a provocação: “Estou à espera que Carlos César, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e Carlos César perguntem ao Governo qual é o critério do encerramento de balcões da CGD”. E também ele questionou Costa sobre esses mesmos critérios. Costa pôs-se de parte e garantiu que “o Governo não interferirá na vida do dia-a-dia da Caixa, seja para decidir a quem concede crédito, seja para decidir a política de pessoal, seja para decidir se abre um balcão nesta terra ou naquela outra terra”.

Mas a esquerda voltaria à carga, com Catarina Martins a perguntar a Costa se o Governo “aceita as reestruturação da Caixa” ditada pelo BCE e que, no seu entendimento, “ataca os interesses” dos portugueses. Jerónimo de Sousa também pegou no tema para dizer que o problema do banco público não está “no número de balcões”, mas sim “na forma como foi gerida a carteira de crédito, e nos créditos concedidos a amigos, sem nenhumas garantias, e negócios ruinosos. É isto que tem de ser evitado, e não a redução de postos de trabalho”. Heloísa Apolónia, dos Verdes, ainda insistiu num ponto: haverá despedimentos. Aos dois, António Costa respondeu com garantias sobre aquilo que pretende para a Caixa: “Um banco 100% público”, com uma ” gestão independente e profissional”. E sobre os despedimentos, fruto do plano de reestruturação do banco, disse que “o plano aprovado pelo Governo não prevê despedimentos” e que “despedimentos coletivos, involuntários, não haverá”. No entanto, explicou que “haverá redução do pessoal” por duas vias: “Reformas, sem substituições do cargo” e “rescisões amigáveis de trabalhadores”. Costa acrescentou, sobre os despedimentos, que os próprios sindicatos admitem que “há na Caixa pessoas com interesse” em aderirem a este tipo de programa.

No PSD, o tema ainda atacou a recapitalização negociada pelo Governo socialista. Montenegro disse que “está já em marcha a primeira emissão de 500 milhões de euros e que, apesar de não haver conversão em capital, são emissões perpétuas”, dirigidas a grandes investidores, e chamou-lhe “uma capitalização à esquerda. Às esquerdas. Se fosse feita por nós, pelo PSD, levantavam-se todas as vozes a dizer ‘está em curso uma privatização da Caixa’. Agora não é isso que está em curso, é uma privatização geringonçada da CGD, é a nova realidade que o PS, o PCP e o BE apoiam neste Parlamento”. Mais tarde, no debate, o PSD havia de ainda ouvir uma provocação do comunista Jerónimo de Sousa: “Quem havia de dizer que o Governo que encerrou 109 agências, em que se reduziu 2.300 postos de trabalho na CGD, tem moral agora para vir dizer que se ameaçam postos de trabalho? Ainda bem que o PSD está tão preocupado como nós”.

Reavaliação de ativos das empresas

Assunção Cristas levava preparada uma questão sobre aquilo que diz ser “uma borla fiscal” que o Governo está a oferecer às empresas, como a EDP, não só com o Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), mas também com o programa de reavaliação de ativos — que permite às empresas reduzir a fatura fiscal futura, pelo pagamento antecipado de impostos”. Cristas recorreu as contas recentemente apresentadas pela EDP para dizer que a empresa teve uma vantagem de 20 milhões com o PERES e 174 milhões com a reavaliação de ativos. E quis saber: “Qual foi o valor de perda de receita para o Estado com esta medida?” E também quantas empresas recorreram a ela, deixando a suspeita de que o programa só se aplica às maiores. Na resposta, Costa disse que depois fará chegar os números à líder do CDS, mas também disse que o programa surgiu para “apoiar as empresas a criar condições de capitalização”, admitindo que as empresas “beneficiaram em diferentes graus”.

PS dá a mão para Costa fazer um desafio sobre florestas

O tema foi introduzido no debate quinzenal pela bancada socialista, pela deputada Júlia Rodrigues, e permitiu a António Costa a deixa para pedir um “consenso mais alargado possível na Assembleia da República” para a reforma florestal. O assunto ocupou a reunião do Conselho de Ministros Extraordinário de terça-feira, em Sintra, e o primeiro-ministro queria apresentar no Parlamento esse desafio. Explicou que o plano passa por avançar com o cadastro do território, criar as “bases para valorização económica da floresta”, “reforçar as zonas de intervenção florestal”e “criar de entidades de gestão florestal”. O tema não suscitou grande adesão, exceto da deputada dos Verdes, Heloísa Apolónia, que acusou o Governo de querer “chutar tudo para as autarquias”, Mas Costa disse que a ideia é “passar para as autarquias locais o que elas podem fazer melhor, mantendo no Estado o que o Estado pode fazer melhor”.