Um teste soviético com armas nucleares em Semipalatinsk e Öskemen no Cazaquistão, em 1956, fez mais de 600 doentes por contacto com radiação altamente perigosa, mas o caso foi encoberto por Moscovo, desvendou esta quinta-feira New Scientist. De acordo com os relatórios encontrados por Kazbek Apsalikov, diretor do Instituto de Medicina Radioativa e Ecologia, e enviados àquela revista científica, este foi um desastre nuclear quatro vezes mais devastador que Chernobyl em termos de número de casos de doença aguda provocados por radiação nuclear.

O mesmo relatório revela que Moscovo soube da contaminação radioativa que assolou as cidades do Cazaquistão através de três expedições científicas aos locais do teste pelo Instituto de Biofísica de Moscovo. No entanto, a decisão da União Sovética foi manter o caso em silêncio e continuar os testes nucleares para observar as consequências da submissão a níveis tão elevados de radiação. Semipalatinsk tornou-se então num campo de testes até 1960. Aquando da dissolução da União Soviética, a imprensa começou a escreveu sobre o estado de saúde dos residentes nessas cidades do Cazaquistão provocados por esses testes. Vinte e seis anos mais tarde, sabe-se agora que um dos testes foi quatro vezes mais devastador que o acidente nuclear de Chernobyl.

A capa do relatório. Créditos: Institute of Radiation Medicine and Ecology.

No documento, marcado pela União Soviética como “top secret”, é afirmado que em setembro de 1956, um mês após o teste nuclear em causa, as doses de radiação em Öskemen eram de 1,6 milirems por hora. Este é um valor cem vezes superior à taxa apontada como segura pela Comissão Internacional de Proteção Radiológica. Um mês depois, e após testes ao solo, comida e fezes de alguns residentes, outra expedição científica notava que, nas cidades próximas aos locais dos testes, as consequências eram ainda piores.

Estes dados são consistentes com um mapa publicado em 2002 por Konstantin Gordeev, cientista do Instituto de Biofísica de Moscovo, onde é vista uma nuvem a cobrir Znamenka e Öskemen a 24 de agosto de 1956, precisamente na data em que o relatório revela ter havido um teste nuclear de consequências “severas”. Uns anos antes, a 12 de agosto de 1953, as imagens também mostram uma nuvem em Karaul que, segundo uma das expedições de 1956, continuava a provocar “consequências críticas para a saúde” da população passados três anos. Quando teve acesso a estes dados, em meados dos anos 50, Moscovo montou uma clínica especial — o Dispensário Anti-Brucelose Nº4 — para encontrar quem tinha sido afetado pela radiação. Foram registadas 100 mil pessoas. O nome foi escolhido para encobrir o que estava a acontecer.

Em 1991, com a queda da União Soviética, a clínica transformou-se no Instituto de Medicina Radioativa e Ecologia. O relatório, agora descoberto pelo diretor, contabiliza 638 pessoas “hospitalizadas com envenenamento radioativo”. O acidente de Chernobyl provocou 134 envenenamentos. O documento não especifica quantas das pessoas atingidas em 1956 morreram, mas diz que os residentes deixaram de ser envenenados quando pararam de comer alimentos locais e começaram a ingerir alimentos importados.

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