Foram mais de quatro horas de audição na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, que Armando Vara tinha pedido para responder às acusações de quem tem sido alvo enquanto gestor da CGD, entre 2005 e 2007. O período coincide com o envolvimento do banco do Estado em algumas das operações mais polémicas: desde os créditos que causaram prejuízos à Caixa, passando pelo envolvimento na guerra no BCP e pela OPA (Oferta Pública de Aquisição) da Sonae sobre a PT. Em pano de fundo, está sempre o nome daquela “pessoa em que está a pensar”.

Sócrates deu ordens na Caixa?

Armando Vara foi confrontado com uma notícia recente do jornal Sol que revela escutas a conversas entre o antigo gestor e o ex-secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, que alegadamente provam a intervenção do antigo primeiro-ministro nos negócios da Caixa.

Vara não se revê no que classifica de resumo das conversas escutadas, no quadro da Operação Marquês. Mas acaba por admitir que teve uma conversa com Laurentino Dias sobre um negócio que interessava ao Governo na altura, o autódromo do Algarve, quando já era administrador do BCP. Depois de ter dito que nunca tinha discutido questões da Caixa com membros do Governo, admite que este foi um caso único. E a referência a interferências do chefe, o então primeiro-ministro José Sócrates? “Nunca me lembro de ter chamado chefe àquela pessoa em quem está a pensar”.

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E falou ou não com José Sócrates sobre questões da Caixa? Armando Vara disse não se lembrava de conversas, depois de ter afirmado de forma categórica que nunca discutiu assuntos do banco com membros do Governo. Perante a insistência dos deputados do PSD e CDS, acaba por dizer: “Na minha memória não está nada em relação à Caixa com o Engº Sócrates”.

“Alguém acredita que não tem memória do que falou com Sócrates sobre a Caixa? Não, nem eu”, afirmou o deputado social-democrata, Hugo Soares.

Vale do Lobo. Promotores de confiança e um bom negócio

O empreendimento de luxo no Algarve que está a ser investigado na Operação Marquês, na qual Armando Vara foi constituído arguido, foi um dos temas que dominou a audição. Armando Vara assume a defesa do projeto de Vale do Lobo e sublinha que a Caixa não só não irá perder dinheiro, como poderá ganhar. Começando por enumerar os promotores do projeto, todos eles constituídos arguidos na Operação Marquês — Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa e Hélder Bataglia — e o seu passado profissional, sublinha que “não havia razão para duvidar que tinham capacidade para avançar com o projeto”.

O ex-administrador da Caixa acabou por revelar, a pedido dos deputados, que a Caixa entrou com empréstimo de 197 milhões de euros à promotora do projeto, tendo ainda entrado com suprimentos de 30 milhões na qualidade de acionista. E os promotores? Entraram com dez milhões de euros.

Vale do Lobo assentava “como uma luva nos projetos prime que queríamos para a Caixa”, assinalando que o empreendimento era disputado por outros bancos. Vale do Lobo “não é um buraco”. Destaca a avaliação feita aos ativos de 400 milhões de euros, que entretanto se desvalorizam, mas que agora estão”sempre a valorizar”.

“Estou certo que poderá ser vendido no mínimo pelo que a Caixa lá meteu, ou até mais”.

E questionado sobre a venda de um terreno, Vale de Santo António, à gestora do Vale do Lobo por parte de sociedades que tinham como acionistas os promotores do empreendimento, em várias operações que valorizaram os ativos de 180 mil euros até 25 milhões de euros, Vara lembra que muita gente ganhou dinheiro com estes negócios: a venda de terrenos com licença para urbanizar.

E então o que correu mal? A crise financeira, a queda do Lehman Brothers e da AIG, e a crise económica.

E a guerra no BCP? A Caixa não participou

A Caixa nunca participou na guerra do BCP, assegurou Armando Vara. O ex-gestor garante que não teve conhecimento dos acontecimentos que levaram à proposta de Santos Ferreira, à data presidente da Caixa, para a administração do banco privado.

E o assalto ao BCP? “Dá jeito dizer que havia um grupo organizado “para tomar de assalto o BCP. “É uma versão que não corresponde à realidade. Foi tudo muito rápido. (—). Sempre pensei que a Caixa foi isenta”. Sobre a sua ida para a administração do banco privado diz que achou que valia a pena o desafio. Vara assegura ainda que a administração da qual fez parte (e à qual teve de renunciar por causa do caso Face Oculta) proibiu a concessão de crédito para a compra de ações do BCP e que o banco executou os acionistas endividados quando as garantias (as ações) desvalorizaram.

OPA sobre a PT. O que teria acontecido à Sonae se tivesse ganho?

Armando Vara era administrador da Portugal Telecom, em representação da Caixa, em 2006 quando a Sonae lançou a oferta pública de aquisição (OPA) sobre a operadora. Esta operação, chumbada pelos acionistas da PT (Caixa e BES incluídos) está também sob a suspeita na Operação Marquês por alegados pagamentos ao então primeiro-ministro, José Sócrates.

Vara diz que a decisão de votar contra a OPA foi tomada no conselho de administração da Caixa, com base em pareceres das casas de investimento. E assinala que a gestão da PT definiu um preço a partir do qual teria de recomendar a venda. Esse valor não foi alcançado, diz. E a proposta da administração da Portugal Telecom, então liderada por Henrique Granadeiro (também visado na Operação Marquês) “era melhor para os acionistas”. O ex-gestor deixa ainda uma pergunta:

“O que teria acontecido ao Grupo Sonae se tivesse ganho a OPA com o turbilhão que veio a seguir (a crise financeira de 2008)?” E responde: a Sonae já tinha um grande endividamento e ficaria com mais 11 mil milhões de euros de dívida, para concluir: “Se calhar até foi uma decisão sensata.”