A venda do Novo Banco, que deve concretizar-se esta semana, está a causar mais uma convulsão nos partidos de esquerda que apoiam o Governo: o Bloco de Esquerda diz que vai tentar fazer tudo para travar a operação no Parlamento — tem dito que o Lone Star, o comprador, é um “fundo abutre” — e o PCP não descarta essa possibilidade. A direita remete o apoio à solução para a esquerda. No entanto, segundo apurou o Observador, é possível concluir o processo de alienação do banco que restou do BES sem haver a necessidade de uma aprovação na Assembleia da República pela maioria dos deputados. No mínimo, Bloco e PCP podem levar o tema a debate, que será duro, o que não terá mais do que consequências políticas.

A necessidade de um ato legislativo dependerá do formato da transação e, em grande medida, das responsabilidades ou contingências futuras que o Estado pode assumir em resultado desta operação. A atribuição de uma garantia pública, como chegou a ser pedido pelo fundo americano Lone Star, para cobrir futuras perdas do Novo Banco, teria provavelmente de passar pelo Parlamento, que tem de autorizar os limites para os compromissos financeiros do Estado. Mas esta solução parece ter sido afastada, a favor de um outro modelo de partilha de risco em que o Estado fica parceiro minoritário.

A operação em si não deverá envolver atos legislativos, a não ser que o acionista público — e ainda não se sabe se será o Fundo de Resolução ou outra entidade — seja chamado no futuro a assumir mais custos ou encargos com o Novo Banco. E aí pode ter de pedir autorização parlamentar, como aconteceu na resolução do Banif (uma solução que foi viabilizada pelo PSD contra os partidos da esquerda). Qualquer necessidade de intervenção legislativa, será colocada no quadro do Orçamento do Estado e dos limites anuais definidos por este documento, admitiu uma das fontes ouvidas pelo Observador. Questionado sobre o tema, o Ministério das Finanças não respondeu até agora.

Dito isto, o tema da venda do Novo Banco passará sempre pelo Parlamento, pelo menos no que diz respeito ao debate político, a audições de responsáveis e, quem sabe no futuro, a uma nova comissão parlamentar de inquérito (todos os bancos intervencionados foram alvo de uma).

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O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, já veio lembrar que “o Parlamento tem poderes de escrutínio sobre todos os atos do Governo”, deixando, ainda assim, uma ressalva importante: o governo “tem uma competência própria, de natureza administrativa”. Lido de outra forma: é o Governo que tem competências nesta matéria.

Bruxelas admite que Estado mantenha parte do capital do Novo Banco se assumir outros compromissos

O que mudou em relação ao que estava previsto inicialmente é que a venda incidirá sobre uma participação maioritária e não sobre a totalidade do capital do Novo Banco, possibilidade está contemplada no regime geral das instituições de crédito. Na prática, a esfera pública deixará de ser responsável por 100% do NB e passará a ficar com uma fatia de 25%, uma condição que tem de ser aprovada pela Comissão Europeia com quem foi negociada a alienação da totalidade do banco.

Neste caso, Bruxelas manda muito mais do que o Parlamento português e poderá exigir várias condições: desde uma reestruturação mais profunda, até à venda de ativos, passando pela partilha de poderes entre o Estado e os privados. E esta será seguramente uma matéria delicada para o Governo convencer os parceiros à esquerda, porque a direção da concorrência europeia (a DG Comp) estará a exigir que a entidade pública abdique de indicar alguém para administração do Novo Banco, apesar de se manter acionista, com 25%.

Bloco e PCP: fazer tudo “para travar a operação”

Delegações de deputados do PSD, CDS, PCP e BE reuniram-se esta terça-feira com o Governo em quatro encontros separados com responsáveis diferentes. O PSD e o CDS encontraram-se com uma equipa que incluía o ministro das Finanças para dar informação sobre o processo (mas não estava presente o governador do Banco de Portugal, como nas reuniões que antecederam a resolução do Banif, em dezembro de 2015). O Bloco de Esquerda encontrou-se com Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e com o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix (não foi possível apurar com quem se encontrou o PCP). O encontro foi convocado na segunda-feira à tarde, confirmando uma informação que tinha sido veiculada no domingo pelo comentador da SIC, Marques Mendes.

O Bloco de Esquerda vai “utilizar todos os instrumentos legais para tentar travar a operação” de venda do Novo Banco. Em declarações ao Observador, a deputada Mariana Mortágua afirma que já conhece a solução do Governo, até porque o partido se reuniu com o Governo ao início da tarde, e que o Bloco “tudo fará para a levar ao Parlamento”.

O parceiro do Governo no Parlamento volta a estar do outro lado da barricada, mantendo a oposição à venda do Novo Banco. Independentemente do modelo do negócio que está a ser firmado entre o Governo e o fundo americano Lone Star e da forma como ele será apresentado publicamente (ainda não se conhece se será necessário um ato legislativo, por exemplo), a decisão do Bloco passará sempre por trazer a decisão ao Parlamento.

Estaremos contra. Usaremos todos os instrumentos que pudermos, nomeadamente a apreciação parlamentar, para travar esta operação”, diz Mariana Mortágua sobre a solução que foi apresentada pelo Governo.

Essa é também a vontade do PCP. No entanto, e como explicou o deputado comunista Miguel Tiago ao Observador, o caminho é estreito: não é possível travar a operação sem garantir a nacionalização do Novo Banco, já que isso significaria condenar o banco à liquidação.

Cenário um: o Governo acerta o acordo com o Lone Star e formaliza a venda do Novo Banco através de um ato legislativo. Formalmente, qualquer grupo parlamentar poderia pedir a apreciação parlamentar do diploma com o objetivo de impedir o negócio — veja-se o que aconteceu com o chumbo da redução da TSU para as empresas, por exemplo. Mas este dossier é mais complexo: o PCP nunca apresentaria uma apreciação parlamentar onde defendesse apenas o fim do negócio. O texto comunista teria de ter um segundo ponto onde o partido propunha a nacionalização do banco, porque parar a operação sem sugerir um caminho alternativo significaria a liquidação do banco. Ou seja, uma condição nunca sobreviveria sem a outra.

Nunca vamos concordar com a venda do Novo Banco, mas não contribuiremos para o processo de destruição do banco“, assegura Miguel Tiago. Sabendo que o PSD “faria tudo para deitar o Governo abaixo”, a esquerda sabe que não pode dar um passo em falso, raciocina o deputado comunista.

Carlos César, presidente e líder parlamentar do PS, já antecipou a jogada dos sociais-democratas. Esta tarde, numa declaração aos jornalistas, o socialista deixou uma provocação: “Será que o PSD teve uma conversão tardia ao comunista e agora advoga a nacionalização do Novo Banco?”. O arranjo aritmético que permitiu chumbar a redução da TSU dificilmente se repetirá.

Depois, há um segundo cenário. Miguel Tiago admite que, em teoria, o PCP pode vir a apresentar um projeto-lei que garantisse a nacionalização do Novo Banco. No entanto, concede, este diploma teria provavelmente o mesmo desfecho que o projeto de resolução apresentado pelos comunistas em fevereiro, onde recomendavam ao Governo que mantivesse o banco na esfera pública: seria chumbado.

Posto isto, e mesmo admitindo que restam poucas hipóteses de travar o negócio com o Lone Star no Parlamento, o deputado comunista garante que “o PCP não abdicará de nenhum instrumento” que assegure a nacionalização do Novo Banco. “Todos os instrumentos estão em cima da mesa”, afirma o comunista.

António Costa, por sua vez, revelou esta terça-feira, na Madeira, que o Governo tem a expectativa de concluir a venda do Novo Banco até ao final desta semana. “É essa a expectativa que temos”, respondeu o socialista, citado pela agência Lusa.

Primeiro-ministro espera venda do Novo Banco até ao final da semana

Para a direita, a maioria que apoie a solução

Segundo uma fonte oficial do PSD, “o Governo solicitou um encontro com o propósito de fornecer informação sobre o processo de venda do Novo Banco. Caberá, naturalmente, ao Governo esclarecer em concreto sobre a informação que deseja comunicar publicamente”, afirmam os sociais-democratas. O PSD explica apenas que o Governo não pediu ao seu grupo parlamentar para suportar a solução encontrada, dando a entender que, se for necessário, o PS terá de garantir a viabilidade da decisão que vier a ser tomada através da solução governativa:

O PSD esclarece apenas que não foi solicitado pelo Governo ao PSD qualquer apoio para a decisão que pretende tomar, e que o Governo, como é por demais sabido, dispõe de maioria parlamentar para suportar as suas escolhas políticas mais importantes.”

O CDS, que levou os deputados Cecília Meireles e João Almeida ao encontro com o ministro das Finanças, também divulgou a reunião com Mário Centeno, mas não revelou o conteúdo quase nos mesmos termos dos sociais-democrata. “O CDS confirma a participação numa reunião solicitada pelo Governo, sobre o Novo Banco com caráter meramente informativo”. Ou seja, o Governo também não procurou o apoio dos democratas-cristãos, que remetem qualquer tipo de apoio à decisão para a maioria de esquerda: “Quanto ao tema concreto tratado, o Governo dispõe de uma maioria parlamentar de apoio da qual o CDS não faz parte”.