O Governo está “prestes a fechar acordo” no Novo Banco, disse Mário Centeno, mas este processo não fica por aqui. O Governo de António Costa definiu como linha vermelha não prestar quaisquer garantias públicas sobre o valor de ativos, mas o fundo Lone Star, que em janeiro sinalizou disponibilidade para encontrar “formas criativas” de chegar ao mesmo resultado — a partilha de riscos — deverá ficar não com 100% mas com 75% do banco. Isto até que o Fundo de Resolução (atual dono do Novo Banco, detido pelos bancos mas que fica na esfera pública) venda os restantes 25%, se não os perder até lá. E o Estado não irá nomear qualquer administrador, apesar da participação acionista significativa, uma das questões mais controversas de todo este longo processo.

Faz sentido ter 25% de um banco e não ter, sequer, alguém na administração?

Esta é uma das questões que tem causado maior perplexidade nos círculos financeiros mas, também, nos partidos (incluindo no próprio PS, já que João Galamba colocou em questão o facto de não haver “algum tipo de controlo sobre o que é feito” na instituição). Vale a pena recordar que, até quando houve a recapitalização de bancos como o BCP e o BPI, em 2012/2013, foram colocados administradores nomeados pelo Estado — apesar de não ter havido qualquer capital injetado (apenas um empréstimo, as famosas CoCo). Aqui, trata-se mesmo de um acionista, com capital, que fica sem direito de voto e sem qualquer administrador ou membro de uma comissão de fiscalização ou de auditoria.

Segundo a Renascença, que citou fontes dos partidos que ontem se reuniram com o Governo na terça-feira, o negócio prevê a criação de um Comité de Monitorização, com poderes especiais sobre informação geral de crédito, imparidades e contas do Novo Banco, mas sem acesso a informação individual. Não é claro que importância é que um organismo deste género, por sinal com pouco mais informação do que aquela que é pública, poderia ter no acompanhamento das atividades diárias do Novo Banco.

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Contudo, a intenção da Lone Star é a de manter António Ramalho — nomeado pelo Governo para presidente-executivo em substituição de Eduardo Stock da Cunha — à frente da instituição, faltando saber se esta questão vai ou não ficar contratualizada. E, além de Ramalho, há outros administradores, cuja aprovação pelo BCE ainda está pendente, e cuja permanência é incerta.

Ao Público e à Rádio Renascença, Mário Centeno disse, contudo, que não ter administrador não significa que o Estado não terá qualquer poder na gestão do banco, sem explicar como. A TSF noticiou, nesta tarde de quinta-feira, que o Estado vai ficar com uma espécie de “veto dourado” de qualquer ativo do Novo Banco que possa ser vendido, evitando que haja vendas “ao desbarato”, segundo a rádio.

Lucro com os 25% que ficam no Fundo de Resolução?

O Estado (em rigor, o Fundo de Resolução) deverá ficar com 25% de uma instituição como se fosse um mero investimento financeiro, um “parceiro silencioso” sem voto na gestão. Ou seja, em teoria, pode vir a lucrar caso venha a ser vendida a um valor mais elevado. Além disso, o Governo sublinha que quem paga as perdas do Fundo de Resolução são os bancos.

A maior parte parte do dinheiro usado para criar o Novo Banco a partir da resolução do Banco Espírito Santo — 3.900 milhões de euros — foi emprestado pelo Estado. E o Fundo de Resolução tem de reembolsar o Estado, além de assumir outras contingências que venham a ser decididas em tribunal contra a resolução do BES. Um ponto importante na clarificação dos encargos futuros dos bancos foi o prolongamento do pagamento dos empréstimos concedidos pelo Estado ao fundo por 30 anos, uma boa notícia para a banca nacional, segundo a Moody’s.

Não se conhecem ainda os moldes exatos do acordo, mas especialistas da área financeira ouvidos pelo Observador na quarta-feira concordam que é improvável que o Estado venha a beneficiar de qualquer valorização. Porquê? Porque é provável que a posição de 25% seja reduzida (parcialmente ou quase totalmente) se surgirem necessidades de capital no futuro.

O Jornal Económico noticiou esta quarta-feira que a Lone Star propõe, neste âmbito, “um mecanismo de compensação” em caso de necessidade de aumento de capital — o que fará com que o Estado seja o primeiro a ser chamado para reforçar os capitais. Em concreto, segundo esta notícia do Jornal Económico, está-se a precaver “prejuízos futuros”, caso “em que os 25% do Estado serão chamados a suportar as primeiras perdas para, se necessário, garantir o rácio de solvabilidade mínimo”.

Se houver essas necessidades adicionais de capital, além destes mil milhões previstos, há que ter em conta que o Fundo de Resolução não pode injetar mais dinheiro — a menos que haja uma resolução do Novo Banco. Assim, a sua contribuição acontecerá, provavelmente, via redução da participação. Alternativas, segundo o Expresso, seriam a passagem da participação para outra entidade pública ou a venda em bolsa, em coordenação com a Lone Star.

Como é que o Estado fica a receber zero pelo Novo Banco?

Os 75% do Novo Banco vão ser entregues à Lone Star a troco de uma recapitalização de mil milhões de euros — 750 milhões agora e 250 milhões até 2020, segundo os detalhes do acordo que estão a chegar à imprensa, depois dos encontros do Governo com os partidos. Não haverá encaixe para o Fundo de Resolução, no imediato. Porém, quando o Fundo de Resolução vier a vender os seus 25%, o dinheiro que conseguir realizar com essa venda irá abater aos 4,9 mil milhões que foram injetados no Novo Banco quando da criação da entidade.

Contudo, como escrevemos na resposta anterior, pode haver necessidades adicionais de capital — além dos mil milhões previstos — se forem reconhecidas mais imparidades. Os bancos alertaram para as regras europeias que limitam novos investimentos do Fundo de Resolução no Novo Banco — uma nova injeção levaria a uma nova resolução. É este efeito que pode fazer com que a posição do Estado seja diluída no capital do Novo Banco, perdendo o potencial para ganhos futuros.

Contudo, o Público noticiou esta quinta-feira que esteve, ou poderá ainda estar, em cima da mesa a hipótese de o Fundo de Resolução garantir um ganho financeiro com esses 25%, mesmo que a posição venha a ser reduzida. Teremos de esperar pelo fim da negociação e pelo anúncio oficial da transação.

O fator decisivo, para definir se é ou não necessário aumento de capital, é a quantidade de imparidades que possam vir a ser reconhecidas (e as necessidades de capital que isso implicar). A Lone Star tem um incentivo natural para reconhecer imparidades e estreitar a posição do Estado, dessa forma, mas algumas notícias apontam que o acordo prevê que não se alterem os critérios de avaliação de ativos (e registo de imparidades). Contudo, “não sei até que ponto isto poderá ser eficaz” na prática, disse um especialista.

O que é melhor para as contas públicas?

A opção pela participação acionista em vez da garantia explica-se, sobretudo, pelos impactos nos cálculos do défice que poderiam resultar da assunção de risco por parte do Estado. Em tese, uma garantia pública dada a um privado só é reconhecida no défice quando e se for executada, mas como explicou o Instituto Nacional de Estatística ao Observador, a garantia pública pode ser reconhecida logo que for dada, se existir uma grande probabilidade de ser acionada.

Venda do Novo Banco. Qual pode ser o impacto nas contas públicas?

A Lone Star pediu uma garantia pública da ordem dos dois mil milhões de euros para cobrir perdas ainda não previstas na carteira de ativos mais problemáticos do Novo Banco, e que está identificada no chamado side bank (banco paralelo). O Governo recusou e avançou-se com a alternativa de o Estado vir a partilhar os riscos, mantendo uma participação minoritária na instituição. Segundo o INE, esta solução será neutra do ponto de vista das contas do Estado, desde que não exista uma intervenção (por exemplo, uma recapitalização) no momento da venda.

No entanto, esta avaliação pode mudar se houver um reconhecimento de responsabilidades financeiras adicionais por parte do Estado, ainda que com uma participação de 25%. E essa é uma matéria que não está ainda clarificada, até porque a informação vinda a público sobre as negociações refere, ainda, uma garantia do Fundo de Resolução, que é uma entidade pública, além de um mecanismo que coloca o acionista público na primeira linha da assunção de perdas futuras.

Em que é que uma garantia pública seria melhor? A Lone Star teria de a pagar

O Governo não aceitou prestar garantias públicas sobre uma parte dos ativos do Novo Banco (ativos de qualidade questionável que valem mais de oito mil milhões). Segundo o que foi noticiado, estar-se-ia a falar de uma garantia que, no máximo, representaria perdas de dois mil milhões de euros. Quando a Lone Star comprou bancos na Alemanha, o método escolhido foi o das garantias. Mas aqui não será assim.

Quando se fala em garantias, a melhor coisa que se pode esperar é que não sejam exercidas, ou seja, que o Estado sofra um impacto nulo. Contudo, há uma questão: uma garantia pública teria sempre de ser remunerada, ou seja, a Lone Star teria de pagar por ela.

Um dos especialistas ouvidos pelo Observador acredita que este fator poderia não ter relevância porque seria “descontado” no negócio entre a Lone Star e o Estado. Mas outra fonte acredita que não seria bem assim: a Comissão Europeia obriga sempre a que as garantias públicas sejam remuneradas. Isso viu-se no plano italiano para a limpeza dos ativos problemáticos da banca daquele país.

Alguns bancos portugueses emitiram dívida com garantia do Estado, desde 2009, e pagaram por essa garantia. No caso em mãos, os custos associados teriam de ser calculados em função do perfil de risco do soberano (o Estado português) e as condições de mercado atuais, mas o valor poderia ser significativo. Um dos especialistas ouvidos pelo Observador considera que seria provável um valor na ordem de 1,25% (ao ano), o que numa garantia sobre dois mil milhões de euros de ativos poderia significar um encaixe de 25 milhões de euros por ano.

O valor a pagar pela garantia, ainda que significativo, não seria relevante caso a garantia fosse exercida de forma significativa. Mas seria alguma coisa, já que assim o Estado acaba por responder por parte das possíveis perdas e não recebe nada por isso.

Que “outros compromissos” é que a Comissão Europeia vai exigir?

A comissária europeia da Concorrência aceitou a possibilidade de o Estado ficar como acionista minoritário no Novo Banco, ao contrário da venda da totalidade do capital que tinha sido negociado com a Comissão Europeia, no quadro de resolução do Banco Espírito Santo. Mas Margrethe Vestager deixou um aviso. As autoridades nacionais terão de assumir outros compromissos. Mas quais?

Bruxelas admite que Estado mantenha parte do capital do Novo Banco se assumir outros compromissos

A comissária não disse e os serviços de imprensa da DG Comp têm respondido às perguntas com um “estamos neste momento em contacto com as autoridades portuguesas”.

Mas a partir das reuniões que o Governo teve esta semana com os representantes dos partidos, e nas quais participou também o ex-secretário de Estado dos Transportes do Governo PSD- CDS, Sérgio Monteiro, agora consultor para a venda do Novo Banco, é possível perceber que condições estão a ser negociadas a três — Governo, Comissão Europeia e Lone Star –, com o Banco de Portugal a intervir a nível técnico. De acordo com as informações recolhidas pela Rádio Renascença junto dos partidos, estão em causa o fecho de mais 55 balcões, a saída adicional de 400 colaboradores, números que as autoridades portuguesas tentam suavizar na reta final das negociações.

A venda de ativos, por exemplo, os seguros, e o abandono de mercados internacionais — sabe-se que a Lone Star quer ficar em Espanha — são outras condições, mas aquela que dará mais que falar é o impedimento do parceiro público, ainda não se sabe se é o Estado ou o Fundo de Resolução, de nomear administradores para o Novo Banco.

E o Parlamento pode travar a venda do Novo Banco?

Com base na informação disponível, a resposta mais provável é “não”. Esta operação será feita ao abrigo das regras de resolução bancária europeias que foram transpostas para o Regime Geral das Instituições de Crédito e tem como quadro um acordo entre as autoridades portuguesas e a Comissão Europeia que determina a venda.

Só no caso da transação envolver alguma responsabilidade financeira acrescida por parte do Estado, que implique pedir uma autorização para fazer mais despesa ou para aumentar as responsabilidades financeiras, é que o Parlamento será chamado a votar. E o Governo tem afastado esse cenário, sobretudo depois de os partidos mais à esquerda terem endurecido o discurso contra a alienação do Novo Banco, com o Bloco de Esquerda e o PCP a afirmarem que iam fazer tudo para travar a operação, incluindo avançar com a apreciação parlamentar de uma decisão, se ela tiver que ser materializada através de um decreto-lei. Foi, aliás, o que fizeram para inviabilizar a descida da taxa social única paga pelas empresas, como compensação pelo aumento do salário mínimo.

O ministro das Finanças, Mário Centeno, veio esta quarta-feira reconhecer que o Governo tem vindo a trabalhar num quadro em que não está prevista a necessidade de aprovação parlamentar. Ainda que a venda do Novo Banco não necessite de aprovação, será certamente alvo de forte discussão no Parlamento com audições dos principais responsáveis, e quem sabe no futuro, com uma comissão parlamentar de inquérito.