Vamos pôr os detalhes de parte por agora e olhar para o essencial. E o essencial aqui é verificar se a perspetiva de rating político dos dois principais líderes partidários portugueses é positiva ou negativa. As entrevistas de António Costa à Renascença e de Passos Coelho à SIC esta semana são reveladoras: o primeiro-ministro socialista, que perdeu umas eleições e ganhou um Governo, deu-se ao luxo de dizer que não sonha com uma maioria absoluta nas próximas legislativas; o ex-primeiro-ministro social-democrata, que contra todos os prognósticos venceu as últimas legislativas, tem de justificar-se sobre uma eventual demissão pós-autárquicas. Só por aqui se vê quem está a crescer e quem está a lutar pela sobrevivência.

Mas mesmo este raciocínio pode ser enganador, uma vez que Passos e Costa de certa forma inverteram posições. Quem esteve no fio da navalha a tratar da sua sobrevivência política e a fazer pela longevidade da “geringonça” foi António Costa. Parecia que a Passos bastaria esperar pela implosão da solução governativa. Apesar de parecer agora que é o laranja a estar no fio da navalha — e que a sua liderança está condenada –, é demasiado cedo para vaticinar a queda de Passos Coelho, que também já deu provas suficientes de resiliência. No entanto, os dois líderes empatam num critério: nenhum deve ser subestimado.

O duelo à lupa: Costa nunca se engana, Passos raramente tem dúvidas

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Com os dados que temos hoje — e tudo pode mudar de repente –, o socialista pode mesmo levar até ao fim este mandato apoiado no Bloco de Esquerda e no PCP. E o líder do PSD pode manter-se aos comandos do partido mesmo se perder as autárquicas. A perceção, no entanto, é que Passos está no fim da linha e que Costa emerge acima de uma oposição pouco eficaz.

Não é difícil explicar porque chegou Passos Coelho a esta situação de desvantagem relativa, depois do resultado eleitoral de 2015, que tinha sido impensável seis meses antes. Baseou toda a sua estratégia em premissas erradas, o que só pode ser de estranhar num político com a sua experiência. A entrevista de Assunção Cristas ao Público é a chave para perceber qual era o principal erro da estratégia falhada do líder do PSD: “Em agosto, Passos via o risco de haver legislativas antes das autárquicas”, revelou a presidente do CDS para explicar porque não a apoiou para Lisboa.

Pedro Passos Coelho parece ter baseado toda a manobra do PSD na aposta de que a “geringonça” ia cair, que o défice era impossível de cumprir, que a economia ia afundar, ou que a recapitalização da Caixa ia esbarrar em Bruxelas — se fosse considerada ajuda de Estado — e que uma eventual abertura da CGD a capital privado liquidaria a coligação. Falhou em tudo. Passos caiu no erro de António José Seguro, que clamava contra o Governo PSD/CDS e reclamava por mais tempo e por mais dinheiro, um argumento que morreu no dia em que a troika voltou para a casa. Destas premissas nasceu o discurso da catástrofe previsível ou da chegada do Diabo, que António Costa usou com habilidade contra o líder do PSD, tal como esta usara contra Seguro o argumento do “mais tempo e mais dinheiro”.

No futuro, não aproveitará a Passos ter razão quanto à forma como o Governo fabricou este défice, ou sobre os juros da dívida se não voltar ao poder. E o problema que a direita devia estar a discutir era como voltar ao poder, porque sem regressar ao Governo resta-lhe apenas pairar como o “papão” da austeridade — porque Passos também ainda não conseguiu contrariar essa ideia, nem dar ideia do que seria a sua governação nas novas circunstâncias. O que o PSD e o CDS deviam estar a discutir era como obter uma maioria absoluta, porque sem maioria absoluta dificilmente voltarão a governar.

Pondo de parte toda a incompetência do PSD relacionada com o processo autárquico — que já tinha sido um desastre em 2013 —, basta a António Costa que Passos invoque a desgraça iminente para se insuflar: os pequenos e grandes sucessos do Governo tornam-se fantásticos à luz do discurso do líder social-democrata.

Resultado? Mesmo com uma governação cheia de incidentes, com uma série de incertezas associadas — as expetativas sobre a resistência da “geringonça”, as dúvidas sobre o rating preso por arames apenas numa agência de notação e os juros da dívida — António Costa dá uma entrevista a dizer que não tem “sonhos de maioria absoluta”. É um contraste político enorme em relação ao PSD, que deixa instalar-se a ideia de que a direita não vai voltar a governar tão depressa. Costa dá-se a um luxo ainda maior, que é dizer que se tiver maioria absoluta tentará negociar, na mesma, acordos com o Bloco e o PCP.

Pode ser cinismo, mas é bem feito. O primeiro-ministro não pede maioria para não melindrar os parceiros, para que não se sintam descartáveis. E vai mais longe. Tenta sossegá-los com a possibilidade de uma nova “geringonça” mesmo sem ter essa necessidade para viabilizar o Governo na Assembleia da República — solução que inteligentemente os dois partidos rejeitaram de imediato.

A legislatura ainda não chegou a meio e ainda é cedo para fazer previsões, que em Portugal são exercícios demasiado arriscados de adivinhação a longo prazo. Mas, neste momento, são maiores as probabilidades de Costa fazer oito anos de mandato do que Passos de manter a liderança do PSD em 2018. Claro que tudo muda. Sabemos como o Diabo por vezes aparece sem se fazer anunciar sob as mais variadas formas e disfarces.