Enquanto inspeciona uma das dezenas de máquinas que garantem o processo de produção da empresa de cerâmicas Dominó, em Condeixa, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, não deixa de reparar que as enormes “geringonças” são de origem italiana: de uma empresa líder de mercado no setor. “São do país de onde vem a concorrência”, regista o comunista. João Oliveira não o fez, mas a comparação surge com relativa facilidade: também o PCP enfrenta a concorrência na sua área política de um partido que, até ver e desde as últimas eleições, é líder de mercado à esquerda: o Bloco de Esquerda, liderado por Catarina Martins.

A questão torna-se inevitável porque surge no dia em que a coordenadora do Bloco aproveitou uma ação de campanha em Espinho para exigir ao Governo socialista que proceda à revisão dos escalões de IRS e introduza reformas laborais já no próximo Orçamento do Estado para 2018. Isto no dia em que arrancavam as jornadas parlamentares dos comunistas em Coimbra: o Bloco de Esquerda está a fazer marcação ao PCP, ocupando a agenda mediática com temas caros aos comunistas?

À saída da empresa, e depois da visita às instalações da fábrica, João Oliveira ainda resistiu à primeira pergunta sobre as palavras da coordenadora do Bloco de Esquerda. Mas, perante a insistência dos jornalistas, deu troco ao Bloco:

Não vou fazer comentários sobre temas que outros grupos parlamentares decidiram encavalitar nas jornadas parlamentares do PCP”.

Preferindo não comentar as propostas de Catarina Martins, o líder parlamentar comunista não resistiria a lembrar o “histórico” do PCP nestas matérias, nomeadamente “em matéria de condições de trabalho e de vida, relacionadas com as férias, os horários de trabalho e o cumprimento e verificação dos direitos dos trabalhadores, particularmente através da contratação coletiva”. Para bloquistas ouvirem.

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João Oliveira não ficaria por aqui. O objetivo da visita à fábrica de cerâmicas, explicaria no fim o líder parlamentar comunista, era provar que com outra política económica o setor produtivo português e a economia do país teriam novo fôlego. Desta vez, no entanto, o destinatário era outro e chamava-se António Costa. O comunista defendeu, à cabeça, que uma política bancária apontada ao crédito e ao investimento nas pequenas e médias empresas seria um instrumento importante para a recuperação e desenvolvimento destes setores. O argumento seguinte era claro: a nacionalização do Novo Banco.

“Se o Novo Banco se mantivesse no setor público bancário poderia ser um outro instrumento” importante no apoio a estas empresas, argumentou o comunista. Assim como a Caixa Geral de Depósitos, que, como banco público, devia ter uma política de crédito mais acessível às unidades do setor produtivo. Era uma crítica, ainda que implícita, à forma como o Governo socialista tem gerido o dossier da Caixa mas também o processo de venda do Novo Banco.

A escolha da Dominó foi intencional: a empresa de Condeixa, que está em processo de reestruturação depois de nos anos da crise ter perdido cerca de 25% do valor de faturação, como explicou durante a visita Alberto Henrique, administrador para área da indústria, enfrenta obstáculos à competitividade que a deixam em desvantagem face aos concorrentes internacionais. Desde logo, os custos energéticos que tem de suportar e que pesam mais do que os custos com a mão de obra — uma área cara aos comunistas.

Traçado o cenário, João Oliveira defendeu, mais uma vez, o controlo público das empresas de energia: “Se o país tivesse na sua mão empresas dos setores energéticos, nomeadamente do setor da energia, podia dar oportunidades às empresas de produzirem noutras condições”, argumentou João Oliveira.

Atualmente, a Dominó tem cerca de 175 trabalhadores, com um salário médio de 700 euros. A maioria tem contratos sem prazo, mas trabalham por turnos, de segunda a sábado, por entre o calor e barulho intensos dos fornos e das máquinas que vão repetido os movimentos mecânicos nas instalações da fábrica. Depois do período mais intenso da crise, a empresa está em recuperação desde 2013 e atingiu, nos dois últimos anos, resultados perto do zero. O caminho, ainda assim, foi duro, revelou Alberto Henrique aos jornalistas que acompanhavam a visita. “Obrigou-nos a um processo de adaptação à nova realidade. Houve necessidade de redução de pessoas, mas só daquelas que se quiseram reformar“, salvaguarda o administrador.

O caminho de recuperação que tem pela frente ainda é longo, mas há sinais para ter otimismo. Foi isso que fez notar João Oliveira, no final da visita à empresa de cerâmica. “Constatámos aqui enormíssimas potencialidades produtivas do nosso país do ponto de vista industrial que, com uma outra política económica, poderiam traduzir em muito mais produção de riqueza”. Era o recado para António Costa.