Um número de 70 mil mortes por tuberculose em 2016 no Brasil protegeram a estratégia de combate à doença no Brasil dos cortes orçamentais do Governo brasileiro no orçamento da Saúde no ano corrente, segundo uma especialista brasileira.

“A manutenção do nosso orçamento tem a ver com a prioridade que o Governo brasileiro tem dado ao combate à tuberculose, que no Brasil ainda é um problema de saúde pública. Tivemos 70 mil casos de tuberculose em 2016”, explicou Denise Arakaki, membro do Programa Nacional brasileiro de Controlo de Tuberculose, em declarações à Lusa à margem do 4.º Congresso Nacional de Medicina Tropical que decorre em Lisboa.

“Vamos executar tudo o planeámos para 2017, não houve restrições orçamentais para a nossa patologia”, disse a especialista, explicando que o país, embora esteja a reduzir o número de casos de morte por infeção com o bacilo de Koch, ainda está na lista da OMS dos países com alta incidência de tuberculose e de tuberculose associada ao VIH.

“Na região das Américas, o Brasil contabiliza 33% de todas as mortes por tuberculose na região. O combate à tuberculose no Brasil é por isso estratégico, quer a nível global quer ao nível regional. Por isso, é que o Governo brasileiro tem mantido o combate à tuberculose como uma das suas prioridades”, acrescenta Arakaki.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A meta fixada pelas Nações Unidas para o planeta é acabar virtualmente com a tuberculose, levando-a a uma incidência de 10 casos de morte por 100 mil habitantes (10/100.000) em 2035. O Brasil regista atualmente uma incidência de 34/100.000 casos, mas há regiões no país em que a incidência chega aos 100/100.000 casos, como é o caso da região de Manaus, que é a capital da Amazónia. “Esta é uma incidência muito alta, comparável a alguns países africanos e do leste europeu”, reconhece a responsável brasileira.

Por outro lado, diz Arakaki, “O Brasil é composto de muitos brasis”. “Temos áreas em que a incidência é bastante baixa, semelhantes à de Portugal, cerca de 20/100.000 casos, e temos estados parecidos com o perfil africano dos 100/100.000 casos, e ainda focos populacionais com incidências muito maiores”.

“Fizemos vários estudos que nos apontam para a necessidade de trabalhar com pacientes que estão contaminados com o VIH ou têm já Sida. Essa é uma população prioritária. Outra é a população encarcerada. Há prisões no Brasil em que a incidência chega a 300/100.000 casos, o que nos mostra que a tuberculose está a conseguir disseminar-se livremente nas prisões brasileiras”, alerta.

Pior ainda é o que mostra um estudo recente sobre algumas bolsas de pobreza no Brasil, que revelou uma incidência de 350/100.000 casos na favela da Rocinha no Rio de Janeiro.

“O nosso desafio para os próximos anos é imenso. A nossa redução terá que resultar de um esforço enorme e a um ritmo muito mais acelerado. Se nada for feito, chegaremos a 2035 com 25 mortes por 100 mil habitantes, acima, por exemplo, da incidência atual em Portugal”, diz a responsável brasileira. “Sabemos onde estão os nossos problemas. Agora é altura de arregaçarmos as mangas e de trabalhar com essas populações para conseguir que o bacilo não se dissemine nestas populações, que são já tão sofridas”, acrescenta.

O programa de combate à tuberculose encontra-se numa fase particularmente ativa, com várias frentes abertas, desde logo na área da co-infecção associada ao VIH. “Apesar de termos um programa de combate à SIDA referenciado mundialmente, um terço das pessoas que morrem por tuberculose no Brasil, morrem por causa do VIH”, diz Denise Arakaki.

O tratamento, diz a responsável, está disponível, o sistema está pronto, mas não está a conseguir que os pacientes entrem no serviço a tempo ou que não abandonem o tratamento.

A tarefa é vasta: “Queremos aumentar ainda mais a disseminação do diagnóstico, baseado no teste rápido. Fazer com que os pacientes infetados sejam colocados no sistema nacional de saúde num prazo máximo de sete dias e fornecer o tratamento antirretroviral assim como o tratamento para a tuberculose e, finalmente, garantir que as pessoas sem recursos recebam a proteção social adequada”, considera Arakaki.

A natureza dessa proteção, precisamente, será o tema principal de uma reunião do programa brasileiro de Controlo de Tuberculose agendada para a próxima semana. “Vamos discutir qual a proteção social adequada para a tuberculose, assim como que tipo de incentivos a garantir, cestos de alimentos, transporte gratuito, etc., enfim, há um longo caminho a ser vencido”, concluiu Denise Arakaki.