Ponto prévio: este texto é apenas sobre futebol. Também já faz falta. Ponto.

Há pouco mais de um ano, andava tudo na dúvida a comentar a misteriosa lesão de Júlio César. É bluff? Está mesmo lesionado? Dará para jogar? A dúvida ficou dissipada logo no aquecimento, quando Ederson subiu à frente de todos. Era o dia dele, daquele garoto com cara imberbe que tinha nas mãos a sorte ou o azar do campeonato. Agarrou-a com unhas e dentes e saiu com um smile como o que tem tatuado atrás da orelha, assim como o outro miúdo que teve nesse dia a sua prova de fogo: Lindelöf. Defenderam a baliza do Benfica até ao final da temporada, com dez vitórias em dez jogos e apenas cinco golos sofridos. Um registo de campeão que projetou os encarnados para o título.

Hoje também havia uma dúvida. E Jonas? Mais uma vez, não era bluff. Tinha de encontrar-se outro para decidir o dérbi entre os rivais. Terminou o jogo, olhámos para a ficha de jogo (com algumas novidades, como as titularidades de Paulo Oliveira, Jefferson ou Cervi) e foram os mesmos do ano passado, Ederson e Lindelöf: o brasileiro ainda colocou as contas do título em risco mas o sueco mostrou o que é isso de ter sangue gelado e empatou de livre direto.

Ficha de jogo

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Sporting-Benfica, 1-1

30.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Artur Soares Dias (Porto)

Sporting: Rui Patrício; Schelotto, Coates, Paulo Oliveira, Jefferson; William Carvalho, Adrien; Gelson Martins (Joel Campbell, 88’), Bruno César (Podence, 80’), Alan Ruíz (Bryan Ruíz, 65’) e Bas Dost

Treinador: Jorge Jesus

Suplentes não utilizados: Beto, Rúben Semedo, Ricardo Esgaio e Castaignos

Benfica: Ederson; Nélson Semedo, Luisão, Lindelöf, Grimaldo; Fejsa, Pizzi; Salvio (Carrillo, 74’), Cervi, Rafa (Raúl Jiménez, 58’) e Mitroglou (Filipe Augusto, 80’)

Treinador: Rui Vitória

Suplentes não utilizados: Júlio César, Samaris, André Almeida e Zivkovic

Golos: Adrien (5’, g.p.) e Lindelöf (66’)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Alan Ruíz (65’), Mitroglou (76’), Raúl Jiménez (81’) e Luisão (90+2’)

Os dois treinadores reconheciam antes do encontro que é difícil surpreender o adversário nesta altura, porque as equipas, por mais que fora do terreno andem sempre em divórcio, conhecem-se demasiado bem em campo. E até andavam aos parzinhos: Adrien com Pizzi, William com Rafa, Fejsa com Alan Ruíz. Mais um bocado e dava casamento. Por isso, a grande missão era encontrar o segredo que mudasse esta tendência. E havia um, o maior: jogar no erro adversário.

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Bola para mim, bola para ti, bola para mim e asneira: Ederson, o guarda-redes que nos juniores até marcou um golo de uma baliza à outra, provou a razão de estar na baliza e não na frente e deu um toque a mais que Bas Dost aproveitou da melhor forma para desviar e ser carregado. Ah pois, killer instinct não se vê apenas nos golos e o avançado cheirou qualquer coisa e arrancou um penálti. Soares Dias nem um amarelo deu ao guardião. Esteve mal.

Adrien, o senhor eficácia dos 11 metros, não perdoou. E Alvalade explodiu aos cinco minutos com a vantagem prematura no encontro. Tão prematura que era preciso recuar dez anos para se ver algo do género, pelo inevitável Liedson (2’). Se os leões já partiam com menos pressão, porque a verdade é que tinham “só” uma questão de honra em jogo, agora poderiam estar ainda mais à vontade.

À vontade, mas não à vontadinha. Porque se é verdade que o Benfica, até agora, nunca tinha ganho depois de começar em desvantagem, também é preciso ter em conta que mostrou sempre ser temível nas transições. Era assim que lá ia dando uns abanicos no jogo, sempre pelos corredores laterais – quando o forte é mesmo pelo centro. O Sporting reagia, também pelos corredores laterais – e esse é mesmo o seu forte. Por isso, a sorte estava no lado verde e branco.

O jogo estava aberto, mas fechava-se rápido. Havia velocidade, mas uma falta pelo meio travar males maiores. Podíamos continuar as frases umas atrás das outras, tropeçamos inevitavelmente numa vírgula e/ou num “mas”. Para se ter uma ideia, e apesar das faenas que Gelson Martins ia conseguindo fazer quando partia no 1×1 com bola controlada, o Sporting não voltou a fazer um remate à baliza de Ederson. E o Benfica somente o fez em cima dos 45 minutos, quando Grimaldo aproveitou um livre descaído sobre a esquerda para perguntar a Rui Patrício se estava ali para jogar ou como espetador.

As gotas de transpiração superaram largamente os pingos de inspiração. Mas, até ao intervalo, mexidas só mesmo nos bancos. Literalmente. Com Jorge Jesus a ir quase até ao meio-campo dar indicações e com Rui Vitória a esbracejar com uma cadência acelerada em protesto com algumas decisões de Soares Dias (que ficarão para os analistas, sobretudo num lance entre Schelotto e Grimaldo).

A segunda parte começou com mais Sporting, fruto de algumas mexidas posicionais que recuaram a primeira fase de construção e davam mais amplitude para as saídas rápidas de Gelson Martins (muito rápidas) e Alan Ruíz (só mais ou menos rápidas). Anormalmente, o Benfica, que em 29 jornadas nunca tinha sofrido um golo numa transição, estava a colocar-se a jeito. Anormalmente, Bas Dost, que em 26 jogos levava 28 golos, não colocou a bola a jeito na baliza do adversário. E assim se esfumaram duas oportunidades flagrantes: primeiro num cabeceamento a rasar a trave (48’), depois num remate a rasar o poste (53’).

Rui Vitória percebeu o que se estava a passar e quis fazer um dois em um: ter mais poder de fogo na frente e recuar William para junto dos centrais. Vai daí, lançou Raúl Jiménez para o lugar de Rafa e juntou o mexicano a Mitroglou na frente. Aos 60’, o grego, na área, conseguiu arranjar espaço mas o remate saiu à figura de Patrício. Cinco minutos depois, a história foi outra – Lindelöf, num fantástico pontapé de fora da área num livre direto, fez mesmo o empate.

O técnico do Benfica tinha passado para cima do jogo com as mexidas (melhor, a mexida – Carrillo entrou mas apenas para levar uma monumental vaia). Quer a prova disso? William falhou 12 passes no segundo tempo. E Pizzi, que tinha andado mais discreto na metade inicial, passou a liderar nas recuperações e nos passes certos. Depois, foi cauteloso: parecendo ouvir os cânticos que vinham da bancada e que diziam “E o Benfica é campeão”, lembrou-se que continuaria a depender apenas de si para ganhar o título em caso de empate e decidiu, bem, trancar o meio-campo com Filipe Augusto. Podence e Campbell ainda entraram mas o resultado estava feito.

Nota final: e agora, provavelmente, vai-se falar mais de temas laterais ao jogo do que propriamente do futebol em si. É o que temos. Ponto.