Música, teatro, poesia, workshops e um concerto de Jorge Palma. Tudo espalhado por vários “palcos”, numa programação distribuída ao longo de quase cinco horas. Bancas de “street food”, gelados e até postos de água e casas de banho assinaladas. Os jardins do Palácio de São Bento, a residência oficial do primeiro-ministro — onde viveu Salazar –, podem até estar abertos ao público todos os domingos (desde o ano passado), mas o 25 de Abril, como diz António Costa, é “um dia especial, um dia de festas”. E é por isso que neste dia feriado o recinto se transforma num autêntica zona de festival. Não de verão, que ainda não é tempo dele, mas talvez de primavera.
Os cabeças de cartaz, neste caso, não são tanto Jorge Palma ou o artista plástico Vhils, mas são sobretudo o primeiro-ministro, governantes e deputados socialistas que, em vez de estarem nos bastidores, se confundem entre os “festivaleiros” de cravo numa mão e gelado na outra. E que são frequentemente solicitados para selfies ou apenas cumprimentos. Aqui não há críticas à governação porque quem foi à festa fê-lo porque aceitou o convite do primeiro-ministro para celebrarem juntos a liberdade. Aqui há sobretudo “espírito de abril”, como diz ao Observador Dália Figueiredo, que veio de Linda-a-Velha com o marido com o objetivo específico de “celebrar o 25 de Abril junto de outras pessoas contentes e empolgadas”. Em anos anterior iam ao desfile na Avenida, este ano resolveram ir conhecer São Bento.
É o segundo ano que António Costa abre as portas dos jardins da sua casa, assumindo o papel de anfitrião que não consegue dar dois passos sem ser abordado, mas para muitos dos participantes é uma estreia. E o entusiasmo é idêntico ao de quem vê o seu ídolo ao vivo pela primeira vez — sobretudo entre os mais novos (que estavam em grande número).
Os jardins de São Bento transformaram-se numa espécie de festival de verão, com vários "palcos", street food e até WC assinalados pic.twitter.com/fy2ZYZ3XuD
— Rita Dinis (@DinisRita) April 25, 2017
André Vilar, de 11 anos, sai de perto da mãe e dá uma pequena corrida quando vê que o primeiro-ministro está mesmo ali ao lado. Tira uma fotografia, cumprimenta António Costa e volta no mesmo passo apressado para junto da mãe, com um grande sorriso no rosto e a atrapalhação de quem conseguiu o que queria e vai fazer “inveja” aos amigos. “Consegui!”, diz. “Fiquei entusiasmado de o ver assim ao vivo, é melhor ao vivo do que na televisão, ele é o meu preferido“, diz ao Observador, explicando que “também gostava de Passos Coelho”, mas este é que é o “preferido”.
O entusiasmo das crianças foi uma constante durante toda a tarde. Antes, o grupo musical infantil Cant’arte, que juntava crianças de várias escolas de Almada, Pragal, Costa da Caparica e Sobreda, já tinha gritado “António, António!” num entusiasmo que, a ser de alguma forma combinado, foi pelo menos visivelmente eufórico. Muitos aplausos e até gritos com algum histerismo, foi assim que os mais novos reagiram quando, depois de terminarem a atuação a cantar “Grândola, Vila Morena”, Costa se chegou para a fila da frente para cumprimentar o grupo coral.
Seriam essas mesmas crianças a furar depois por diversas vezes o pequeno mar de gente que rodeava o anfitrião para ir à caça de autógrafos e selfies com o primeiro-ministro. António Costa lá escrevia “António” no papel que lhe era dado, admitindo que só não fazia uma dedicatória mais personalizada porque senão “não saíamos daqui”. E seguia em frente, quase sempre ladeado de Carlos César — também bastante solicitado para as fotografias –, ou Ferro Rodrigues, ou ainda a mãe, Maria Antónia Palla, que chegaria bem a tempo de ouvir a leitura de poemas de Manuel Alegre.
Depois de cantarem Grandola, Vila Morena, crianças gritam "António, António" assim que avistam o primeiro-ministro pic.twitter.com/OkRIyY5aym
— Rita Dinis (@DinisRita) April 25, 2017
Quando são os netos que pedem aos avós para ir celebrar a liberdade
Conceição Videira, de 66 anos, e Matilde, de 12, avó e neta, acabaram de conseguir uma fotografia com António Costa e estão satisfeitas. Missão cumprida. É a primeira vez que visitam os jardins de São Bento. Costumam passar o feriado de Abril no largo do Carmo, mas desta vez a neta convenceu a avó a fazer um programa diferente. “Eu vinha na mesma, vou sempre para a rua neste dia, mas ela quis vir comigo”, conta Conceição, que trabalhava no Quartel do Carmo na altura da revolução e por lá viveu de perto não só o 25 de Abril, como o 11 de Maio, o 25 de Novembro.
Viveu “tudo com muita emoção” e isso desponta uma certa “inveja” na neta mais velha. “Gosto muito da história de Portugal e gostava de ter vivido no tempo da minha avó“, conta ao Observador, explicando porque é que quis sair à rua para celebrar a conquista da liberdade.
Caso semelhante é o de Maria Deolinda e da neta Diana, de 15 anos. A diferença é que, ao contrário de Matilde, Diana não teve “coragem” de ir pedir uma fotografia ao primeiro-ministro. Mas vontade não lhe faltava. Há uns anos que ela convence a avó a sair de Vila Franca, onde moram, para acompanhar ou o primeiro-ministro ou o Presidente da República no dia 25 de Abril. Já tinham estado na Assembleia da República — onde estava “muita gente” — e no ano passado já tinham ido, também a pedido da neta, a Santarém acompanhar a visita de Marcelo Rebelo de Sousa. “Eu vejo na net onde as coisas vão acontecer e peço à minha avó para vir comigo”, conta.
A avó, que diz que a neta é bastante “politizada”, prefere dar mais importância à individualidade dos governantes do que ao peso dos partidos, mas a jovem confessa que prefere a cor política de António Costa. “Do PSD é que não gosto”, diz prontamente. Então e de Marcelo? “Marcelo é diferente, todos gostam”.
Entre a poesia de Alegre, uma doação de Vhils e a prática de Costa na arte da colagem
A programação incluía várias atividades, desde teatro de Marionetas a atuação das Cantadeiras do Redondo, a leitura de poesia passando por um workshop de colagem de Vhills. António Costa fez questão de espreitar todos os palcos e deu até uma ajuda na arte da colagem no mural. Talvez por ser uma arte que domina, a de colar coisas que por si só não combinam muito bem. Ou talvez não. “É um talento nato?”, perguntam os jornalistas. Mas Costa responde antes que é “um talento praticado”. Pelo menos no mural de Vhils, parece ter passado no teste.
António Costa participa num workshop de Vhils, uma das atividades desta tarde nos jardins da residência oficial do primeiro-ministro pic.twitter.com/goqYhySBUC
— Rita Dinis (@DinisRita) April 25, 2017
Outra das maiores atrações da tarde, além do concerto de Jorge Palma, era a leitura de poemas de Manuel Alegre (pelo próprio e por convidados distintos), numa celebração dos 50 anos de “O Canto e as Armas”. Orlando Almeida e Maria Amélia, um casal que veio não de muito longe para festejar a liberdade, esperava sobretudo ver Manuel Alegre entoar os seus poemas, assim como Jorge Palma cantar as suas canções. Costa não era a atração principal — “não é nossa postura ir falar com ele”, dizem, enquanto esperavam à sombra pelo momento de poesia.
O embaixador Seixas da Costa foi um dos primeiros a ler, mas não sem antes elogiar o primeiro-ministro por ter “escolhido um poeta para a pasta da Cultura”. Referia-se a Luís Filipe Castro Mendes, atual ministro, que seguir-se-ia no momento da leitura. “A voz da poesia é sempre a voz da liberdade”, disse, antes de o próprio Manuel Alegre ter feito um ponto prévio para agradecer ao primeiro-ministro por ter “percebido o sentido poético e cultural do 25 de Abril”.
A poesia, a par do som dos pavões, foi o barulho de fundo de grande parte da festa. Pelo menos até o artista plástico Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils, ter inaugurado a escultura que fez especificamente para a ocasião: a sua representação de Abril, que doou à residência oficial do primeiro-ministro. António Costa agradeceu não só a Vhils, como a todas as gerações que marcaram presença na “festa”, pedindo-lhes que “fizessem de cada dia um novo 25 de Abril”.
E até, claro, chegar o momento de Jorge Palma se sentar ao piano e começar a tocar. Segundo números da “organização” — o gabinete do primeiro-ministro –, estiveram cerca de 4 mil pessoas na “festa”.