Anunciado em 2009 com lançamento previsto para 2010, acabando por ser adiado indefinidamente, “Syberia III”, a segunda sequela da aclamada série do autor de Banda-Desenhada belga Benoît Sokal ficou muitos anos na gaveta da expectativa de media e jogadores, todos com a ânsia de saber quando veria a luz do dia. Depois de muitas atribulações e de alguns anos de atrasos, o jogo chegou finalmente ao mercado no passado dia 20. Mas os problemas não ficaram por aqui.
Lançado para as consolas da atual geração e para o PC, foi neste suporte que houve mais problemas — nós não fomos exceção. Vários dias antes do lançamento oficial, foi impossível jogar “Syberia III“. Mais de 15 minutos para carregar ao início, gaguejos durante todo o jogo e a dessincronização entre vozes e imagens, os problemas técnicos do jogo valeram críticas muito vocais tanto da comunidade como da imprensa. Valeu à Microïds, a histórica produtora francesa e criadora desta série, a atenção dos seus developers que se desmultiplicaram entre e-mails para encontrar soluções para os problemas técnicos que tornaram o lançamento do jogo num quase-desastre.
Problemas técnicos resolvidos, chegou então a hora de conhecer a continuação da história de Kate Walker, a advogada norte-americana e protagonista de “Syberia”, na sua viagem cheias de mistérios, autómatos e steampunk pela paisagem russa.
“Syberia III” não foi desenvolvido para receber novos jogadores que nunca tenham conhecido qualquer jogo da série antes. Dados os treze anos que separam “Syberia II” e “III”, o mínimo expectável é que exista uma compaginação suficiente para não alienar qualquer jogador que pegue neste jogo sem conhecer o resto da história. Mas “Syberia III” parte do pressuposto que todos os jogadores estão suficientemente familiarizados com o enredo e que não precisam de criar grande enquadramento do que antecede a história — e este é um grande erro de produção.
A outra estranheza deste “Syberia III” é o quanto pesou na produção a sua presença em quase todas as consolas da atualidade. Sendo um dos melhores exemplos de jogos de aventura (os chamados point’n’click adventures, quase naturalmente dependentes do uso do rato), a mudança de tónica e a “perda” da relevância do rato e do teclado, substituídos de forma bizarra pela quase obrigatoriedade de usar um comando. Aliás, não é só o uso do comando que é estranho, é o clima de excessiva complicação que rodeia grande parte dos puzzles que pouco contribuem para a qualidades da narrativa e dos mistérios.
Encontrar uma sequela para uma grande série não é tarefa fácil, e se o cinema tão popularmente nos tem demonstrado isso os videojogos seguem a passos largos esta dificuldade. Onde “Syberia” sempre se superou foi nas componentes artísticas, sejam pela soberba criação artística deste mundo com laivos steampunk pelo lápis e a mente de Sokal, além da sua escrita emotiva e coesa, e que fizeram de “Syberia I” o primeiro jogo de muitos que me levaram às lágrimas. “Syberia III” parece estar uns furos abaixo da qualidade narrativa dos seus antecessores, mas mantém o mesmo brilhantismo artístico que Sokal nos habituou. E menos do que isso seria inaceitável.
O voice acting é quase falhado. Se na versão inglesa a prestação de Sharon Mann no papel de Kate Walker volta a ser exímia, o mesmo não se vê com os restantes atores, que parecem desajustados para os personagens que estão a interpretar. Na versão francesa e original (e que se percebe pelo sincronismo dos lábios) todos os atores estão em melhor empatia com os personagens mas a qualidade da interpretação de Kate é de longe inferior à prestação de Mann na versão inglesa.
O elemento final que compõe esta tríade de estrato artístico de “Syberia III” é a composição musical, que voltou a ficar a cargo do premiado compositor israelo-americano Inon Zur e que é o melhor complemento para o mundo e a história de Benoît Sokal.
Depois de tantos anos à espera de “Syberia II”, de atrasos e mudanças de planos, esperávamos que o resultado final estivesse num patamar idêntico aos anteriores e que continuasse com todo o brilho e interesse a história de Kate Walker na sua viagem pela tundra russa. Mas algo aconteceu neste treze anos e parte da linha condutora e da alma que compõem a série perdeu-se. O que recebemos — e deixando de parte os problemas técnicos já resolvidos — foi apenas uma leve centelha da chama criativa de Sokal, distante do arrebatador impacto emocional que o resto da série possui.
“Syberia III” não é um mau jogo, mas podia ser bem melhor. Ou então deixa-nos uma leve impressão que o final melancólico mas perfeitamente resolvido de “Syberia II” poderia ter sido a conclusão final desta saga.
Ricardo Correia, Rubber Chicken