Esta crónica não é sobre Bas Dost. E até podia ser: o holandês deu a vitória ao Sporting em Braga com um “hat-trick” na segunda parte. Mais: Dost chegou aos 31 golos em 28 jogos na liga — sendo dele 50% dos 62 golos do Sporting esta época. Mais ainda: está agora a somente dois de Messi na disputada da Bota de Ouro.

Esta crónica é sobre Podence. E ele nem titular foi; só entrou aos 27′ quando Alan Ruiz se lesionou e teve que sair.

Jesus voltou-se para o banco. Podia ter chamado o outro Ruiz, Bryan — ao longo da época, em vários ocasiões o treinador trocou de homónimos nos jogos. Mas Jesus pediu a Podence que aquecesse. Uma mão-cheia de sprints em pouco mais de um minuto, o tempo de Ruiz sair, e entrou. A frio. Mas foi a “acendalha” de que o Sporting precisava: quando os outros não assumiam o jogo, ele assumia. Desavergonhadamente. À direita ou mais à esquerda, tantas vezes pelo centro, livre, foi o melhor.

Uma confidência: há dias um amigo, o jornalista Hugo Tavares da Silva, perguntava-me algo, desafiando-me a matutar “fora da caixa”: se o futebol não tivesse balizas — e, logo, golos –, quem seria o melhor jogador do mundo? Respondi: Modric, Silva, Pjanic, Isco ou Verratti. Podence não é como eles. Talvez nunca o seja. Mas numa coisa é-lhes idêntico: o futebol é mais apaixonante (mais ainda) quando a bola lhe toca as botas, pé número 38 de” Cinderela”.

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O futebol não era para ele. Na teoria, não. Pela altura ou falta dela, não. Em relação ao “matulão” Dost, por exemplo, tem 34 centímetros a menos. Mas Podence é (e citando aqui Alberto Caeiro em “O Guardador de Rebanhos) “do tamanho do que vejo [ou melhor: do que ele, Podence, vê] e não do tamanho da minha altura”. O que não tem em verticalidade, tem em técnica: de receção, de passe, de drible, de visão, de aceleração. E é confiante. Acima de tudo, confiante. O futebol não era para ele. Mas ele fê-lo seu por direito e talento.

Quanto a golos no jogo, o primeiro surgiu quando Podence ainda o via sentado no banco. Aos 13’, Battaglia cruzou à direita, Rui Fonte recebeu a bola na pequena área, antecipou-se a Coates, rodou e chutou, mas à barra. Depois, na recarga, Horta vinha embalado de trás, ninguém o importunou, e o médio bracarense rematou forte e rasteiro para o primeiro golo da tarde na “Pedreira”.

O Sporting (apesar de pegar no jogo e se aproximar mais da baliza do que o Braga) tardava em reagir. Fê-lo de penálti, à meia-hora. O central Rosic derrubou Podence dentro da área — ou o derrubava, ou este isolar-se-ia na direção da baliza. Na conversão, Marafona adivinhou o lado, o direito, Adrien tentou colocar a bola rentinha ao poste, mas tanto colocou que esta saiu ao lado da baliza. Esta época, em quatro tentativas, Adrien falhou metade. E aquele penálti nem seria para o capitão, como Jesus confirmaria depois do jogo: “Queria que o Bas Dost marcasse . Primeiro, porque marca bem. Depois, porque a equipa corre por um objetivo que é individual [Bota de Ouro]. Contra o Benfica queria que fosse o Adrien, hoje queria o Bas.”

O Sporting sentiu o toque. Podence não. E empurrava, em vão, o Sporting para a frente. Mas quem chegou ao golo antes do intervalo até foi o Braga: aos 40’, Horta dribla Schelotto, cruza para a pequena área, Stojiljkovic desvia para dentro da baliza do Sporting, festeja, mas foi sol de pouca dura. O árbitro Nuno Almeida anulou. E bem. O sérvio estava “plantado” na área, dois palmos à frente de Coates e Paulo Oliveira.

Após o recomeço, aos 49’, mais um penálti e de novo a favor do Sporting. Mas a falta de Baiano sobre Gelson é fora da área. Aqui, Nuno Almeida errou. Ao contrário de Adrien, Bas Dost não falhou: Marafona para a esquerda, bola para a direita, e o Sporting empatava o jogo. O holandês chegava aos 31 golos, tantos quantos em três épocas de Wolfsburg.

O cronómetro avançava e, com o avançar, decrescia o futebol em qualidade e ocasiões de golo. Tudo, e o “tudo” aqui são golos, estava guardado para os derradeiros 15 minutos. Logo aos 75’, Podence acelerou pelo centro, aos adversários deixava-os um a um para trás sem que estes tão pouco a ele chegassem, desmarcando depois Marvin Zeegelaar à esquerda. De holandês para holandês, Zeegelaar cruza para a área, Dost surge nas costas de Goiano, o lateral do Braga não consegue cortar, e o ponta-de-lança do Sporting só tem que desviar de cabeça para a baliza à guarda de Marafona: 1-2 e reviravolta.

Feito? Longe disso. Logo em seguida, aos 75’, Paulo Oliveira “meteu água” – o que não tira mérito à boa exibição que teve –, Pedro Santos ganhou-lhe um ressalto na área, cruza à direita para Rui Fonte, que deu um passo atrás — ou terá sido Coates que deu um à frente cedo demais –, livrou-se com isso da marcação que tinha e rematou para o empate. E Fonte, que foi formado a meias entre Alcochete e a academia do Arsenal, até é “freguês” do Sporting ou vice-versa: fez o seu terceiro golo ao clube que o dispensou quando chegou a sénior.

Tal como até aqui – e o aqui é o minuto 85 – era Podence quem mais acreditava que o Sporting venceria. O tempo escasseava, mas ele acreditava. E voltou, uma vez mais pelo centro, a apanhar o Braga em contra-pé, a acelerar, a dar vantagem numérica ao Sporting: cinco vs. quatro. Entregue que foi a bola a Dost, pouco depois do meio-campo, o holandês entregou-a mais à direita em Gelson e correu na direção da área. Gelson, esse, desmarcou depois Ezequiel Schelotto, e foi o argentino a cruzar, longo e para o poste mais distante. Lá distante, esquecido pelos centrais do Braga, estava Dost, que cabeceou à vontade para o 2-3 e a vitória do Sporting.

No final do jogo Podence atirou de chofre, na flash interview, antes mesmo de algo lhe ser perguntado: “Queria, não só da minha parte como do grupo, dedicar esta exibição e vitória ao mister. Ele passou um momento muito complicado [a morte do pai, Virgolino]. Claro que não é por acontecimentos como este nas nossas vidas que temos de dar mais; temos de dar sempre mais em todos os jogos. Mas tínhamos uma motivação extra porque é sempre mau um dos nossos passar por isto.”

És maior do que a tua altura e até do que o que vês, puto.