O caso, insólito, causa surpresa e só se explica com a necessidade de escoar produto. A cerca de centena e meia de concessionários que a marca Fiat detém em Itália veio a público queixar-se de práticas pouco éticas da parte da Fiat Chrysler Automobiles (FCA), a qual, segundo os revendedores, terá colocado na rede e facturado às empresas cerca de 6.000 carros novos, maioritariamente Tipo e Ducato, sem que estes tenham sido pedidos pelos stands.

A notícia foi avançada pela Automotive News Europe, acrescentando que os concessionários terão tomado conhecimento da introdução destes automóveis na rede de forma inadvertida e sem qualquer tipo de aviso, no final de Fevereiro.

“Fomos facturados com um número considerável de viaturas Tipo, que não pedimos. Além disso, vêm com as especificações erradas para o nosso mercado, o que as torna particularmente difíceis de vender”, afirmou, em declarações reproduzidas pela mesma publicação, um concessionário. Queixando-se, inclusivamente, de já ter ” entre mãos um excesso de unidades Tipo”.

Já um outro concessionário, que tal como o anterior terá recusado identificar-se, com receio de represálias, acusou no entanto, e de forma clara, a Fiat de lhe ter facturado, “de um momento para o outro, mais de 5.000 viaturas Tipo”. Isto apesar das vendas do modelo, no presente ano, “não irem além das 4.000 unidades por mês”.

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FCA não comenta, UCIF critica

A Automotive News Europe terá tentado, sem sucesso, obter uma reacção por parte da FCA. Mas a publicação não deixa, ainda assim, de recordar o facto de que, com esta transferência, o grupo italo-americano de ter-se livrado de cerca de 90 milhões de euros em carros, que passaram a ser responsabilidade e encargo dos concessionários. Contudo, desde que o fabricante decidiu despachar estas 6.000 unidades para a rede, as relações entre as duas partes ter-se-ão tornado particularmente tensas, acrescenta a mesma fonte.

De resto, a própria associação dos concessionários automóveis da Fiat em Itália, UCIF, ter-se-á já manifestado contra a medida, com o seu chairman, Carlo Alberto Jura, a afirmar, em carta enviada à FCA, que a imputação das viaturas foi “inoportuna”, uma vez que os concessionários já possuem grandes quantidades do modelo Tipo. Em alguns casos, em número suficiente para os próximos oito a nove meses. Sendo que os revendedores defendem que um stock para um mês e meio, dois meses, é suficiente.

Contactado pela Automotive News, Carlo Alberto Jura terá declinado tecer qualquer comentário, quando confrontado com a carta que terá enviado

O mais fraco trimestre do ano

Com esta medida, a FCA conseguiu aumentar o número de viaturas entregues no primeiro trimestre de 2017, cuja suposta venda é também contabilizada nos resultados financeiros do grupo. Os quais são assim engordados em cerca de 90 milhões de euros.

Sergio Marchionne

Ainda antes desta transferência, o próprio CEO da FCA, Sergio Marchionne, reconhecia, num encontro com accionistas, que o primeiro trimestre havia sido “difícil”, sublinhando que o grupo já havia previsto que “seria o mais fraco do ano”.

A UCIF aconselhou já os revendedores a pedirem ao fabricante incentivos extra, de forma a conseguirem vender os carros não pedidos. Não deixando de recomendar aos seus associados para que alertem a FCA de que este tipo de medidas é uma violação clara dos contratos de franchise e que, no futuro, devem recusar-se a assumir quaisquer veículos que possam vir a colocados na rede, sem que tenham sido solicitados.

Fiat Itália reconhece que “prática ocorreu”

“Facturar carros aos concessionários sem que estes os tenham pedido não é uma prática comum em Itália”, comentou Plinio Vanini, dono da Auto Torino, o maior grupo de revenda automóvel de Itália que, com as suas 13 marcas, incluindo duas da FCA, Alfa Romeo e Jeep, vendeu 21.000 viaturas, só no último ano.

Mas numa carta a que a Automotive News terá tido acesso, o director de Vendas da Fiat para Itália, Pietro Nardi, já terá reconhecido que, “em alguns casos, esta prática ocorreu”.

Recorde-se que a Itália é o mais importante mercado da Europa para a FCA, absorvendo cerca de 44% da totalidade dos carros novos transaccionados pelo grupo italo-americano no Velho Continente. Quanto às vendas da marca Fiat em Itália, representam cerca de 59% do total de unidades transaccionadas na Europa.