O filme de aventuras na selva foi, durante bastante tempo, uma alínea muito popular do filme de aventuras geralmente considerado. Rodado muitas vezes em modalidade série B, interpretado por atores e atrizes de segundo plano ou por antigas “estrelas” em rota de carreira descendente, com as selvas africanas, latino-americanas ou asiáticas recriadas em estúdio e recurso a imagens de exteriores e de animais de arquivo, mesmo assim este subgénero dava muito pano para mangas de aventuras remotas e exóticas. Que podiam decorrer em várias latitudes e envolver tribos, animais fantasiosos e tesouros velhos de séculos, ou pegar nesse tema clássico que são as cidades ancestrais perdidas.

[Veja o “trailer” de “A Cidade Perdida de Z”]

O novo filme do realizador americano James Gray (“Nas Teias da Corrupção”, “Nós Controlamos a Noite”, “A Emigrante”) tem um título que não se podia anunciar mais suculento: “A Cidade Perdida de Z”, adaptando o livro homónimo de David Grann. Ainda por cima, baseia-se (embora tomando bastantes liberdades) numa história verdadeira. A do cartógrafo, militar e arqueólogo inglês Percy Fawcett, que viveu entre meados do século XIX e o início do século XX, e desapareceu com o filho Jack na selva amazónica em 1925, durante mais uma exploração em que procurava encontrar os restos de uma cidade a que deu o nome de “Z”, onde teria prosperado, há milénios, uma civilização relativamente sofisticada, e que poderia ainda ter ligações à mítica El Dorado.

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[Veja a entrevista com o realizador James Gray]

Nestes tempos em que o filme de aventuras está praticamente extinto e foi substituído por superproduções de ficção científica estereotipadas e por filmes de super-heróis feitos em comité, “A Cidade Perdida de Z” faz figura de anacronismo bem-vindo, já que narrativas de cariz colonial e imperial em paragens distantes povoadas por tribos primitivas, deixaram de ser bem vistas e arriscam a fúria dos bem-pensantes e dos politicamente corretos. Infelizmente, “A Cidade Perdida de Z” não está à altura das expectativas de quem legitimamente ansiava por um “jungle movie” à moda antiga, mesmo que a aventura fosse mais de desbravamento geográfico e pesquisa arqueológica do que de descoberta e conquista.

[Veja a entrevista com Charlie Hunnam]

Até se perdoa a James Gray ter podado os aspectos mais excêntricos da personalidade de Percy Fawcett (era um mitómano que afirmava ter visto animais fantásticos nas suas viagens amazónicas, e a importância que teve no mapeamento da região foi muito menor do que o filme mostra), para o transformar num indivíduo que, mais do que querer tirar dividendos comerciais, de prestígio pessoal ou honrar o império com a sua fixação na descoberta da cidade de Z, pretende fazer história e limpar o nome de família, degradado pelo pai, que se arruinou ao jogo, e afirmar-se perante os céticos (sobretudo os da Real Sociedade de Geografia para que trabalhou e a que pertenceu) que o gozaram e duvidaram dele. O que se não perdoa é a modorra introspetiva e a convencionalidade formal que o realizador instala num filme que pedia ou um gesto épico, ou um rasgo de loucura. Afinal, o que está em causa é a obsessão de uma vida.

[Veja a entrevista com Robert Pattinson]

“A Cidade Perdida de Z” não é carne nem é peixe. Existe num meio-termo chocho, numa terra de ninguém bem-comportada, entre o “jungle movie” aventuroso clássico, levado por um sopro heróico, e a jornada obsessiva, febril e desmesurada a paragens inexploradas, ao estilo herzoguiano de “Aguirre, a Cólera de Deus” ou “Fitzcarraldo”. E os atores também não ajudam nada. O coronel Percy Fawcett é interpretado pelo panão Charlie Hunnam, que tem o carisma de um papa-formigas, e Robert Pattinson faz apenas meritória figuração no papel do fiel “segundo” deste, Henry Costin, enquanto que Sienna Miller é deixada para trás, em casa, no papel da Sra. Fawcett, mulher voluntariosa mas resignada às imposições sociais da época. Um desperdício de tudo, a começar pela selva amazónica.