O líder indígena brasileiro Ailton Krenak acusou esta sexta-feira o governo de Michel Temer de estar “a abusar do exercício do poder” para prejudicar os direitos dos povos índios sobre o território.

O governo “está a abusar do exercício do poder para protelar ou desfazer atos jurídicos que já tinham reconhecido os direitos indígenas sobre os seus territórios”, disse Ailton Krenak, em entrevista à agência Lusa.

Para o dirigente, que está em Lisboa para participar no ciclo “Questões indígenas: ecologia, terra e saberes ameríndios” do Teatro Municipal Maria Matos, verifica-se uma “apropriação pelas agências do estado” por parte de políticos com “interesses que são francamente contra os direitos indígenas”, visto tratarem-se de “representantes diretos do agro-negócio”. “São empresários que estão a assumir cargos públicos e a levar para o seu mandato político o discurso enquanto empresários”, referiu.

Atualmente vivem no Brasil cerca de um milhão de índios, espalhados por várias zonas do país, mas Ailton Krenak considera que estas comunidades resistem porque são persistentes e não por existirem apoios à sua sobrevivência

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Se temos uma população indígena a viver hoje no nosso país é pela persistência dessas pessoas, por um apego e uma valorização extrema do sentido de vida comunitário, de ainda compartilhar o mesmo território, pensar o mundo onde o acesso à água e ao uso dos espaços ainda pode ser compartilhado, que insistem em viver num mundo de coletivos, de comunidades”, defendeu.

Quanto ao futuro, Ailton Krenak vê-o como “uma continuada e difícil resistência” para o povo indígena no Brasil, mas “com uma possibilidade de, a curto-prazo, superar a crise da vida política brasileira”, numa referência ao governo de Michel Temer, que substituiu Dilma Rousseff, afastada por motivos judiciais. “Porque nós temos um governo ilegítimo, que não tem como se sustentar a longo prazo”, disse.

Para este líder indígena, o governo liderado por Michel Temer “está a abusar do exercício do poder para protelar ou desfazer atos jurídicos que já tinham reconhecido os direitos indígenas sobre os seus territórios”. Além disso, considera haver “uma apropriação pelas agências do estado de políticos de interesses que são francamente contra os direitos indígenas”, visto tratarem-se de “representantes diretos do agro-negócio”.

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Uma das questões que mais preocupa aquelas comunidades é a não demarcação de reservas, que tem possibilitado a invasão dos territórios por garimpeiros, empresas de madeiras e fazendeiros, e que originam muitas vezes confrontos dos quais resultam mortos e feridos. Para se perceber a importância do tema é necessário citar Ailton Krenak: “índio e terra constituem a mesma unidade”.

“Tem havido uma clara oposição das agências internas do governo que deveriam promover os atos demarcatórios de reconhecimento dos limites das terras indígenas. Tem havido uma clara protelação dos processos e até negação dos direitos que estão inscritos”, afirmou Ailton Krenak, acrescentando que o governo “está a desmontar os serviços que poderiam promover o reconhecimento dos direitos indígenas”.

Para o líder indígena, “a mais clara e óbvia declaração de guerra contra os povos nativos é o desmantelamento da agência indigenista”. “Na Fundação Nacional do Índio, além de sabotada internamente porque lhe cortam o orçamento, estão a ser demitidas todas as pessoas que têm algum cargo decisivo lá dentro, como funcionários de carreira que conduzem os processos formais de reconhecimento das terras indígenas”, acusou.

O facto de ser uma população pequena, “que não mobiliza a opinião pública em geral, a não ser pessoas com alguma sensibilidade formada sobre o assunto”, e de estar dispersa no território brasileiro “dificulta a eficácia da posição indígena”. Ailton Krenak lamenta que “para a grande maioria da população o que acontece com os índios é como se fosse um apêndice, uma coisa muito residual”, e lembra haver “uma ignorância grande da relevância dos lugares onde os índios vivem para o interesse comum”.

“Quando uma paisagem ou uma floresta é destruída longe da minha casa não tenho sensibilidade para isso e é uma pena. As pessoas não percebem que isso vai mudar o clima do planeta, a qualidade do ar e, em última instância, o tipo de herança que vamos deixar às gerações futuras. As pessoas só pensam no momento, não olham além do seu nariz”, considerou.

Em 1953, quando Ailton Krenak nasceu, havia no Brasil 65 pessoas da tribo Krenak, que constituíam quatro ou cinco famílias e tinham sido expulsas do território de onde eram originários. Hoje em dia, contou, há 150 famílias de Krenak no Brasil.

Ailton Krenak estará no sábado no Teatro Municipal Maria Matos, em Lisboa, para participar no ‘debate e pensamento’ “Do sonho e da terra”, às 18:30. No mesmo dia é exibido, pelas 21h30, o documentário “O sonho da pedra”, de Marco Altenberg sobre Ailton Krenak. As duas iniciativas são de entrada livre, sujeita à lotação da sala.