Reportagem em Paris, França

Quando lhe perguntamos em quem votou, Armel Villa, designer gráfica de 49 anos, tem duas reações antagónicas antes de sequer dizer uma palavra. Primeiro, suspira, abana a cabeça, em gesto de pura confusão. Depois, franze o sobrolho de forma decidida, fecha a cara e, convictamente, diz: “Votei em Emmanuel Macron”.

“Eu acabei de votar mas ainda estou muito confusa com tudo isto” diz-nos, em frente a um parque do 15º arrondissement, um bairro de classe média e média-alta.

Armel quer “muito” gostar de Macron, mas ainda não sabe como chegar lá. “Ele tem ideias, é inteligente, é-me simpático apesar de ser o candidato dos media e, apesar de às vezes ter um vocabulário um pouco foleiro, é uma pessoa que diz coisas interessantes”, diz. Só que, para Armel, há problema: “Mas ele é liberal”.

Entre as propostas de Macron, está uma “simplificação” do Código do Trabalho, a manutenção da lei laboral aprovada em 2016 e que dividiu profundamente a esquerda, uma baixa de impostos para as empresas e também o corte de 160 mil empregos na função pública.

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Na primeira volta, Armel votou em Jean-Luc Mélenchon, o líder da França Insubmissa que, entre aqueles que tinham aspirações realistas de chegar à segunda volta, era o candidato mais à esquerda — sendo regularmente descrito, mesmo, como sendo de extrema-esquerda. Era a melhor opção para Armel, que votou nele com toda a convicção. “Era precisamente ele que eu queria que fosse Presidente. Aquele programa, aquelas ideias, fazem muita falta a França”, diz do homem que não deixava de lado a hipótese de sair da União Europeia e do euro e que, na segunda volta, decidiu não apoiar Macron.

Depois de ter votado em Jean-Luc Mélenchon na primeira volta, Armel Villa votou em Emmanuel Macron na segunda — mas não está totalmente convencida pelo ex-ministro da Economia

“Mas, pronto, tive de votar em Macron, não havia outra hipótese”, admite. Tecnicamente havia. Primeiro, votar em branco ou nem votar — uma hipótese expressada pela maioria dos apoiantes da França Insubmissa, numa consulta online. Depois, Marine Le Pen, presidente (com funções suspensas desde 24 de abril) da Frente Nacional, de extrema-direita.

“Sim, mas Marine Le Pen está completamente fora de questão”, assegura. Nem o facto de Le Pen ter apresentado um programa que é tudo menos liberal — recorde-se, a razão que esta designer gráfica evoca para não gostar totalmente de Macron — não chega para sequer ter pensado votar nela. “Ela não quer saber dos eleitores, não quer saber dos pobres, não quer saber de nada”, assegura, em relação à líder da Frente Nacional. “Ela manipula as pessoas, manipula os factos… Foi isso que se viu no debate.”

De volta à expressão corporal de Armel. Quando fala de Macron, retrai-se, fala de forma hesitante, raramente termina uma ideia sem depois acrescentar-lhe um “mas”. Já quando fala de Le Pen, levanta a voz e alarga os ombros, apesar de carregar neles as compras do supermercado. Posto isto, perguntamos-lhe se vota por Macron ou contra Le Pen. “É evidente que é contra Le Pen.”

“Se ele ganhar, fico em casa. Se ela ganhar, nunca mais saio dela”

Não é a primeira vez que isto lhe acontece. Já em 2002, quando Jacques Chirac chegou à segunda volta para confrontar Jean-Marie Le Pen, votou no primeiro. “O Chirac dizia umas coisas engraçadas, mas era só isso que eu gostava nele”, recorda. “Mas, então, o que é que ia fazer? Deixar o Le Pen ganhar? Claro que não. Então votei no Chirac, claro. E agora é mais ou menos a mesma coisa.”

Hoje, tal como em 2002, admite alguma “tristeza”. “Eu tenho muito orgulho em exercer o direito ao voto, acho que é uma coisa linda”, diz. “Por isso mesmo, custa-me estar aqui a votar meio contrariada num candidato.” A primeira vez que votou foi em 1988. Tinha 20 anos e François Mitterrand, então Presidente socialista que procurava a reeleição, foi a sua escolha. Quando os resultados confirmaram mais sete anos de Mitterrand (à altura, os mandatos presidenciais ainda eram de sete anos), Armel foi para as ruas festejar.

“Foi uma felicidade tremenda, fui para a rua festejar com os meus amigos”, conta. E hoje? “Se ele ganhar, fico em casa. Se ela ganhar, nunca mais saio dela”, assegura, num riso nervoso. Logo a seguir, já de cara séria, acrescenta: “Não, mas agora a sério, ele tem qualidades. A sério que tem. Eu é que ainda me estou a habituar a elas. Mas eu acho que vai, por exemplo, ser bom para relançar a economia”. Mas não seria esse relançamento feito com políticas liberais, das quais não é partidária? “Pois é… Pronto, que se lixe, estou mesmo muito confusa. Estou confusa. Já não sei nada. Fico à espera dos resultados de hoje e depois fico à espera das legislativas.”

Olhemos para as sondagens, à falta de resultados concretos.

No que diz respeito às eleições presidenciais, Macron é o favorito das sondagens, que o colocam invariavelmente acima dos 60% e a Le Pen abaixo dos 40%. Quanto às eleições legislativas, o caso muda de figura — e é mais complicado. Segundo uma sondagem da OpinionWay – SLPV publicada a 3 de maio, o movimento En Marche, de Macron, sairá vencedor das legislativas. Naquele estudo, o En Marche surge com um mínimo de 249 deputados e um máximo de 286 — o suficiente para ficar em primeiro mas aquém dos 290 que compõem uma maioria absoluta. Isso significa que, em caso de vitória nas presidenciais, Macron deverá necessitar de negociar com outros partidos que não o seu. Quanto à Frente Nacional, o partido de extrema-direita poderá ficar entre os 15 e os 25 deputados — uma soma baixa, muito em parte por causa do sistema a duas voltas, que também está presente nas legislativas.

“Contra le Pen, claro”

Joel Pompanon também acaba de votar. E, tal como Armel, também não está convencido. “Macron está longe de ser o meu candidato ideal, mas o que é que se pode fazer”, diz, encolhendo os ombros. Aos 23 anos, estas são as primeiras eleições de Joel. Em 2012, tinha idade para votar mas não pôde fazê-lo, por estar fora do país e não ter tratado do voto por procuração a tempo — em França, a possibilidade de votar antecipadamente não existe.

“Estou muito longe de estar radiante”, explica, com um sorriso tímido. “Não vou buscar grande felicidade ao facto de ter votado num candidato liberal, não… Nem a um candidato que deu cabo do Partido Socialista”, diz. Na primeira volta, votou em Benoît Hamon, o candidato socialista que, com apenas 6,36%, teve o pior resultado do seu partido numas presidenciais. “O Hamon é que era o meu candidato de coração, mesmo”, explica Joel, acabando por encolher os ombros. “Agora, tenho de me conformar com Macron. É uma pena, mas voto sob pressão.”

Joel Pompanon votou este domingo pela primeira vez. Escolheu Emmanuel Macron, mas o seu voto foi acima de tudo “contra Le Pen”

Para Joel, o pecado de Macron é também o liberalismo. “Faz-me confusão ouvir que o nosso país precisa de mais liberalismo, que precisa de ter menos regras para as empresas, que as empresas pagam muitos impostos”, enumera. “Macron quer convencer-nos de que o liberalismo é a solução de França, que basta de socialismo”, diz. “Pois eu acho que há pouco socialismo em França e que já chega de capitalismo.”

Vota, então, por Macron ou contra Le Pen? “Contra Le Pen, claro”, diz, sem deixar margem para dúvidas. “Não quero nem pensar em como seria a França com Marine Le Pen como Presidente. Com Macron sou capaz de imaginar. Não vou ficar super contente, mas com Macron podemos falar e discutir. Com Marine Le Pen isso é impossível.”

François (não quis dar apelido) tem 65 anos e está reformado há três. Todas as manhãs, sai de casa, veste roupa desportiva e parte para o Parc George Brassens, também no 15º arrondissement. Ali, anda a passo apressado, em intensas caminhadas que faz debaixo de sol ou chuva. Hoje, chuvisca.

Ainda não votou, mas já está decidido. “Vou votar contra Marine Le Pen”, diz. Só a pedido é que especifica se isso quer dizer se vai votar em Macron ou se votará em branco. “Pois, lá terá de ser Macron”, diz, em plena marcha.

Na primeira volta, votou em François Fillon, que diz ser “um bom estadista apesar de todas aquelas trapalhadas em que ele esteve metido”. “Era um homem composto, com uma voz calma e bem colocada, capaz de apresentar as suas ideias de forma serena”, diz, sobre o homem que, logo após ser derrotado, apelou ao voto em Macron, contra Le Pen. “Infelizmente, nenhum dos dois candidatos que restam têm a postura do senhor Fillon.”

Para François, a escolha que resta aos franceses é entre uma “França velha” e uma “França jovem”. Le Pen, explica, representa “tudo o que há de velho na França do passado, que teve coisas boas mas que também teve coisas muito más”. Macron, por sua vez, é para este engenheiro reformado “a cara de um futuro renovado, que deve ser feito pelos jovens, já que é a eles que deve pertencer o futuro”. François não quer saber de ideologia. “Quero saber de homem, projeto e postura”, explica. “É isso que verdadeiramente me interessa.”

Ainda assim, também ele admite que é a oposição a Marine Le Pen que o vai levar hoje às urnas — algo que fará algumas horas mais à frente, depois de tomar um banho pós-caminhada e vestido de fato e gravata, como é sua tradição. “E lá votarei em Emmanuel Macron, que não é perfeito, pois não. Mas é para ver se a outra não ganha”, diz. “Depois, logo se vê”, acrescenta, pedindo que terminemos a entrevista, para continuar a sua caminhada vai à vontade. Não sem antes dizer: “Na vida, como na política. É preciso é andar para a frente, não é para trás”.