Reportagem em Paris, França

Assim que são conhecidas projeções que dão uma vitória de Emmanuel Macron nas eleições presidenciais, apenas duas pessoas riem no local escolhido por Marine Le Pen para a noite eleitoral: dois empregados, um árabe e o outro negro. Estão encostados ao balcão do Chalet du Lac, um salão de de luxo, mais habituado a jantares emproados e a festas dançantes do que a ajuntamentos da extrema-direita.

Próximos um do outro, os dois vestidos de calças pretas e camisa branca, trocam gargalhadas nada discretas e apontam para um grupo de cinco mulheres, à volta dos 60 anos, que assim que souberam dos resultados foram apressadas para o bar. “Olha só para elas!”, diz Jamuyon, nascido em França, filho de senegaleses. “Estão completamente perdidas”, responde Abdul, nascido em França, filho de marroquinos. “Agora é só beber, não dá doutra maneira”, completa Jamuyon.

Nenhum deles votou em Emmanuel Macron, mas ainda assim estão os dois aliviados com o resultado. Abdul votou, mas em branco. “Nenhum deles me cativava, mas a verdade é que estou feliz por ela ter perdido”, diz. “Seria inacreditável para a França, em pleno século XXI, ter uma Presidente com ideias tão atrasadas como as de Marine Le Pen.”

Abdul está pouco habituado a ter tantas pessoas da Frente Nacional à volta. No bairro onde vive, Aubervillers, e em Paris em geral, é difícil encontrá-las. Hoje, está no meio delas. “Para mim, não me faz diferença”, diz, com um ar blasé. “É verdade que hoje quando me levantei pensei: ‘Ah, pois é, hoje vai ser com aqueles tipos…’. Mas depois isso passou-me. Venho cá, faço o meu trabalho, pego no meu dinheiro e vou para casa”, explica. “Mas estou contente. Ah, se estou!”

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Jamuyon não foi votar porque diz que não percebe “nada de política”. Ainda assim, tira uma nota positiva desta noite. “O que eu sei é que não me parece que a Frente Nacional ou a Marine Le Pen devam estar à frente de um país como a França”, diz, antes de desaparecer com Abdul para dentro da cozinha, de onde já saem os canapés para servir aos militantes da Frente Nacional, que apesar da derrota, consumou hoje o seu melhor resultado numas eleições presidenciais.

“Estava tudo feito contra nós”

É precisamente por aí que Pascal, 56 anos, começa por avaliar os resultados. Tal como todos os militantes da Frente Nacional que abordámos, Pascal não nos dá o seu apelido. Evoca razões pessoais. “Eu sou funcionário público, sou militar, e em França, há muitos anos, ser associado a um partido que não é daqueles que estão no poder há anos e anos é o fim da carreira de qualquer pessoa dentro do Estado”, diz, com um flute de champanhe na mão direita, uma bandeira francesa na esquerda.

De volta ao resultado. “Não foi nada mau”, assegura. “Sabíamos que ia ser difícil. Estava tudo feito contra nós. Do outro lado, fazem a cabeça às pessoas. É normal que não votem em Marine Le Pen quando ouvem toda a gente a dizer que ela é o diabo. É o que se diz nos bairros sociais, é o que se diz na Grande Mesquista de Paris, é o que dizem os judeus, é o que dizem os franco-maçons, é o que dizem os sindicatos, é o que dizem os media“, queixa-se este militante da Frente “de sempre”. “É sempre a mesma coisa, de manhã, à tarde, à noite e à noitinha.”

“O que se passou hoje foi que as pessoas votaram contra Le Pen, já que os media não lhes deram outra escolha”, lamenta o homem de 56 anos. “Mas não foi um voto por Macron, isso sabemos muito bem.”

Sobre Jamuyon e Abdul, os dois empregados que riam logo após a derrota da Frente Nacional e nos quais Pascal também reparou, o militar diz: “Eles têm razões para estarem extremamente felizes, pois claro que sim”. “Com Macron, o nosso país vai estar aberto a uma onda infinita de imigração, toda a gente vai poder entrar, como eles entraram”, diz. Quando fazemos a ressalva de que eles nasceram em França, Pascal responde com outra ressalva. “Sim, eles são franceses, mas vivem numa rede de mesquitas e comunidades que permitem o racismo contra os brancos. Ele estão contentes porque a Marine Le Pen ia acabar com os jihadistas em França e agora eles vão andar à solta. Não é que eu ache que eles sejam jihadistas, atenção. Mas têm uma simpatia cultural por eles, certamente.”

Nome novo, partido novo?

A moeda tem dois lados. Um indica que as duas vezes em que a Frente Nacional conseguiu chegar à segunda volta, teve as duas derrotas mais pesadas da V República, instituída em 1958. O outro demonstra que a Frente Nacional teve este domingo o seu melhor resultado de sempre. É para este segundo lado que Pascal prefere olhar — e aposta na sua continuação, já nas legislativas. “Tenho a certeza de que vamos ter o melhor resultado de sempre e que vamos ter para aí uma centena de deputados”, diz. Segundo uma sondagem da OpinionWay – SLPV publicada a 3 de maio, a soma deverá ser bastante mais contida: 15 a 25 deputados, com a Frente Nacional a ser a quarta força parlamentar.

No seu discurso, Marine Le Pen prefere falar de outros números. “Quero agradecer aos 11 milhões de franceses que deram os seus votos e a sua confiança”, disse. “Devido a este resultado histórico e maciço, os franceses fizeram dos patriotas a primeira força da oposição.” E falou das legislativas: “Eu estarei à cabeça do combate nas legislativas”.

Fabrice, 52 anos, passeia-se pelas salas do Chalet du Lac de flute na mão. Ainda antes dos resultados serem conhecidos, dizia que Marine Le Pen já tinha uma vitória na mão: “A derrota da direita clássica a favor da direita verdadeira”. Ou seja, a Frente Nacional, no seu entendimento — que nem sempre foi este. Este ano foi a primeira vez que votou no partido de extrema-direita. Antes disso, votou sempre na UMP, nomeadamente em Jacques Chirac e em Nicolas Sarkozy. Com o passar dos anos, arrependeu-se. O que mudou? A França ou a Frente Nacional? “Nenhum dos dois. Fui eu. Criei uma abertura à FN que não tinha antes.”

Para já, diz que não quer ser militante da Frente Nacional. “Talvez possa ser de um novo partido de direita, onde a Frente Nacional estiver aliada com outras forças patrióticas”, disse, depois de Marine Le Pen ter dado uma pista nesse sentido no seu discurso e de Florian Philippot, vice-presidente da Frente Nacional, tê-lo dito com todas as letras na televisão. Na TF1, disse que o seu partido “se vai transformar numa nova força política que, por definição, já não terá o mesmo nome”.

“Agora é preciso avançar, temos um poder eleitoral enorme”, diz Fabrice. “O bloqueio que eles [os outros partidos] dizem ser o ‘bloqueio republicano’ tem cada vez menos poder e isso hoje ficou claro. Isso deve-se a Marine Le Pen e a Florian Philippot. Temos de aproveitar isso e seguir em frente.”

Pascal está um pouco mais hesitante em relação a essa mudança. “O que nós temos de mudar na Frente Nacional é a parte de dentro”, explica. “Temos de ter mais democracia interna, mais modos de escolha para os órgãos do partido, para as direções regionais… Não é preciso estarmos a mudar a caixa.”

Não será a vontade de Pascal a impedir este processo de transformação da Frente Nacional, em curso já desde 2011, quando foi feita a transição (então pacífica) de poder de Jean-Marie Le Pen para a sua filha mais nova, Marine Le Pen. Desde então, a Frente Nacional tem tido um processo de “desdiabolização”, aproximando-se da esquerda em termos económicos e concentrando o seu discurso social na imigração e no combate ao “Islão político”. Para Pascal, “isso chega”. Para Marine Le Pen, provavelmente não.