O Parlamento é um palco. Ser líder de um partido para confrontar o primeiro-ministro é outro palco, mais elevado, dentro da Assembleia da República. Assunção Cristas está a usar o lugar como deputada como montra para a sua candidatura à câmara de Lisboa. Nada que o PSD não tenha tentado fazer mais timidamente com Teresa Leal Coelho, que assumiu o discurso dos sociais-democratas no 25 de abril (embora sem grande sucesso ou vantagem evidente). Uma notoriedade que Jorge Sampaio também não desperdiçou quando era líder da oposição em 1989 e concorreu à capital. Faz parte.

Mas Cristas é pragmática. Paulo Portas fez escola e a líder do CDS aprendeu. Sabe que um número bem encenado num debate rende. Uns gráficos para as televisões verem. Palavras bem escolhidas. Uns números. E um número de plateau que tão depressa ninguém esquecerá, como o desta quarta-feira: a candidata à câmara de Lisboa e ex-ministra das Cidades, começou por dizer que ia ser “construtiva” porque esta era “uma semana especial de visita papal”, e então sacou de um mapa que estava guardado debaixo da sua bancada para propor não uma nem duas, não cinco nem dez, mas sim 20 estações de metro para a cidade de Lisboa. Vinte! Uma coisa destas era para ter efeito.

Onde vai o Metro de Cristas. CDS quer 20 novas estações até 2030

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É claro que ninguém percebeu onde seriam as ditas estações vendo o cartaz colorido para o efeito televisivo e parlamentar, mas não era difícil prever que todo o lisboeta ficaria satisfeito por ter uma boca de metro à porta de casa. Claro que Assunção Cristas não explicou no plenário como é que se pagava a proposta nem quais eram os prazos para a construção, nem os estudos em que se baseava. “É ambicioso. É realista a médio prazo”, afirmou a líder do CDS, e disse que poderia encontrar-se “financiamento comunitário” adequado para o projeto.

É fácil fazer política assim. E é aqui que a líder do CDS se perde, correndo o risco de a candidata à câmara prejudicar a líder do partido. O valor do que se diz em política depende muito de quem o diz, como sabemos. Se fosse uma proposta do PS, aqui d’el Rei, diria provavelmente o CDS, que estávamos a regressar às obras faraónicas e ao despesismo do tempo de José Sócrates e sabes-se lá onde iríamos parar, que não havia respeito pelos sacrifícios dos portugueses nos últimos anos, estávamos a desbaratar o crédito que tínhamos amealhado. Se o argumento viesse da esquerda, era keynesianismo à força e a manutenção de um modelo de desenvolvimento ultrapassado, baseado nas obras públicas, etc., etc.

Como não é esse o caso, como as últimas obras faraónicas à direita foram as de Cavaco Silva, só se pode dizer que esta iniciativa é demagogia ou aproveitamento político inconsequente.
Cristas sabe que uma solução desta magnitude para o Metro de Lisboa não estará em cima da mesa tão depressa de forma realista por mais ambiciosa que seja. Sabe que fazer em 12 anos o dobro do que o Metro de Lisboa fez na última década é uma proposta excessiva num país com problemas financeiros, numa cidade com especificidades geológicas onde a experiência diz que as obras podem demorar, por imprevistos, muito mais do que o tempo em que foram programadas. Mesmo que fosse possível, apresentado assim, de repente, a meio de um debate parlamentar, soa a mera propaganda e não a um projeto sustentado — mesmo que o seja.

O problema político de Cristas é que a candidata a Lisboa passa assim a canibalizar a líder do partido, que deveria ter uma visão de conjunto do país que não fosse prejudicada por um olhar local (ainda por cima focado em Lisboa). Quem propõe este mega investimento na macrocéfala capital terá de o fazer forçosamente em alternativa a outros investimentos no resto do território. Aqui, Assunção está em confronto com Cristas.

Numa tarde parlamentar serena, António Costa respondeu com ironia às ideias da líder democrata-cristã. Primeiro, ao recordar que os transportes em Lisboa — Carris e Metro — perderam 100 milhões de passageiros com “deterioração” do serviço durante o Governo em que teve a pasta das Cidades. Depois, a lembrar a inexistência do PSD: “Não achei muito leal aproveitar a ausência da deputada Teresa Leal Coelho (candidata do PSD à Câmara de Lisboa) para este momento de campanha eleitoral”.

Se Cristas pecou por excesso na procura de notoriedade no palco parlamentar para as suas ideias relacionadas com Lisboa, a nota do primeiro-ministro só evidenciou que o PSD continua a pecar por defeito. Teresa Leal Coelho foi anunciada como desafiadora de Fernando Medina, deu uma entrevista ao Observador em que cometeu algumas gafes e depois desapareceu e mais ninguém a viu (tirando no dia 25 de abril), na qualidade de candidata à capital.

Se este anúncio do CDS foi o incidente que marcou o debate quinzenal — a estratégia dos centristas teve efeito — de resto, pode dizer-se que o confronto foi morno, mas com substância, como se pode perceber aqui, no artigo do Observador que resume o que se passou na tarde desta quinta-feira na Assembleia da República.

Metro, médicos e outros 4 pontos do debate