Afinal, o que é que conta mais: a paixão ou a técnica, a paixão ou golos em barda, a paixão ou um título, por tanto que esse título seja ou venha a ser a Liga dos Campeões? É certo que tanto mais nos apaixonamos pelo futebol quanto mais técnica — antes um calão com pés de veludo do que um desembaraçado com tijolos no lugar de botas –, golos e títulos nele há, sobretudo se for o nosso clube a vencer. Esta noite, no estádio Vicente Calderón, durante o dérbi de Madrid, o último que nele se realizará pois o Atlético está de partida do velhinho estádio, a técnica não sobressaiu salvo num ou outro laivo, os golos não foram tantos assim – e muito menos de arregalar a vista –, e ao título, ao da Liga dos Campeões, o Atlético não chegará, pois apesar de ter vencido 2-1 está fora da final de Cardiff.

Mas paixão, a dos adeptos colchoneros nas bancadas, do primeiro ao derradeiro instante, sempre pululantes, sempre cantando, a paixão (sobretudo) dos que de vermelho e branco vestiram sobre o relvado, a paixão de Simeone, o treinador de quem se diz estar de partida para o Inter de Milão, essa paixão, valeu mais que o demais. Valeu quase tanto quanto uma final – que para o Real será a décima quinta, procurando agora a “La Docena” de títulos.

O problema, para Atlético de Simeone, é que o jogo do Calderón teve mais do que dezasseis minutos. O problema é que Isco, mais até do que Ronaldo, o tramou, ao Atlético. E quando, ainda assim, apesar do golo de Isco que obrigaria o Atlético a fazer mais três para chegar à “remontada” como por terras de Espanha se diz, Navas, o guarda-redes do Real, defenderia tudo e um par de botas.

Mas vamos ao dezasseis minutos. Aos primeiros dezasseis. Ainda com pouco mais de um minuto jogado, um minuto e sete segunds para ser preciso, saí o primeiro remate à baliza, cortesia de Antoine Griezmann. O francês do Atlético tinha espaço ao centro, seguiu em direção à área, mas nem precisou de lá chegar para puxar da canhota atrás e chutar. O remate saiu por cima da barra, bem por cima, mas o Atlético demonstrava então ao que vinha no jogo. O Real estava nas cordas, a arfar e sem reação.

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Logo em seguida, aos cinco minutos, mais o mesmo: Atlético, sempre Atlético. É Navas quem evita o primeiro golo da tarde/noite em Madrid. Ferreira-Carrasco acelerou pela direita e deixou Marcelo a léguas, cruzando em seguida para o primeiro poste. Quem lá estava era Koke, que se antecipou a Varane e rematou em esforço, com a sola da bota. O guarda-redes do Real desviou para canto, in extremis.

Não tardaria o golo que até aí apenas se adivinhava. Aos 12’, canto de Koke à direita, Ronaldo salta, Saúl Ñíguez também, o espanhol eleva-se mais alto no ar e desvia para o primeiro golo da noite. Mais quarto minutos e outro golo, este de penálti. Varane derruba Torres na área e o turco Cüneyt Çakir apita de pronto. Quem se chegou à frente para bater foi Antoine Griezman, bateu para a esquerda, Navas adivinhou o lado e ainda tocou de raspão (podia, claramente, ter feito mais) na bola, mas não evitou o 2-0. As bancadas acreditam na “remontada”, mas Simeone, no banco, pede calma aos seus.

Desde meados de 1985 que o Atlético não ganhava uma vantagem de dois golos ao Real Madrid tão cedo no jogo. Na altura, venceu por 4-0.

Não venceria por 4-0 hoje. Aos 42’, o golo não é de Benzema, mas é quase. À esquerda, Marcelo lançou rapidamente a bola para a frente, Benzema levou-a depois até à linha de fundo, driblou um, dois, três, Giménez, Godín e Savic, todos de enfiada, entrou na área, cruzou para trás, Kroos rematou forte e rasteiro, Oblak defendeu para a frente e, à segunda, Isco só teve de fazer a recarga para o golo.

Depois do golo, Ronaldo voltou-se para a bancada e mandou calar os adeptos do Atlético. Ele, Ronaldo, que em onze jogos contra o Atlético como visitante marcou dez golos, contando-se dois hat-trick e um bis. Mas de Ronaldo, esta noite, viu-se pouco, apenas um remate logo no recomeço, aos 48’. O livre é à esquerda para o Real, quase, quase sobre a linha de fundo, chegou-se à frente Ronaldo, pois claro, puxou de um dos seus “tomahawk”, acertou na direção — a da baliza –, a potência também esteve no ponto, mas Oblak defenderia a punhos para a frente.

Contas feitas, o Atlético precisaria de marcar três golos mais ao Real na segunda parte para seguir em frente. A última fez que o conseguira foi em 1987/88, com um tal de “El Portugués”, Paulo Futre, a partir a loiça toda no Calderón.

E tentou, o Atlético, ainda que cada vez mais exausto e com o Real a deitar trancas à porta. Aos 66’, em contra-ataque, pela esquerda, Ferreira-Carrasco ultrapassa (como faca quente em manteiga) Danilo primeiro, Varane depois, remata forte e cruzado, mas Navas, guarda-redes do Real, defenderia para a frente. Na recarga, Griezmann foi mais veloz do que Ramos a chegar à bola, cabeceou à queima-roupa, e Navas, esvoaçante, voltaria a defender, desta feita para canto. Uma defesa que vale uma final. A de Cardiff. Simeone, que estava de pé junto ao banco, agachou-se, juntou as mãos como que rezando, aproximou-as do rosto e nada disse. O rosto, esse, disse tudo: não havia volta a dar, por tanto que os seus tentassem.

É certo que o Atlético não está na final – e o Real tem mérito (e teve Ronaldo na 1ª mão, claro) em lá estar. Mas aconteça o que acontecer a 3 de junho contra a Juventus, a final foi hoje. Porque futebol é isto, sobretudo isto: paixão. Até ao fim.