“O dia em que eu despedisse Jorge Jesus era o dia em que estava completamente louco”. O Sporting jogava no Dragão uma cartada decisiva pela entrada direta na Champions (podendo até acalentar a vaga esperança do título) mas Bruno de Carvalho, numa entrevista ao Sol, mostrava claramente que o futuro do treinador não dependia do que acontecesse contra o FC Porto. Os leões até perderam, por 2-1, mas nem houve grande ruído com isso. Estávamos a 4 de fevereiro. Agora, três meses depois, olhamos para os jornais e parece que Jesus está mais fora do que dentro do clube. Será mesmo assim? Não. Mas há muita coisa, importante, a discutir. E até pode nem ser esta semana.

O Observador foi contactando algumas fontes durante o dia para aferir um pouco sobre o atual estado das coisas em Alvalade. Bruno de Carvalho quer prescindir de Jorge Jesus para a próxima temporada? Não. Nem faria sentido. Afinal, foi ele que, nos últimos três meses (e antes), defendeu sempre em termos públicos o técnico. E não o deixou cair. Jorge Jesus quer sair do Sporting no final desta época? Também não é uma obrigatoriedade. Nem faria sentido. Afinal, foi ele que, ao longo dos últimos dois anos, salientou sempre que teve convites mais aliciantes no plano financeiro mas que recusou por não ter a competitividade desportiva que pretendia (e neste saco colocou a Serie A italiana). E não apareceu nenhuma proposta de um grande de Espanha ou de Inglaterra.

Também por isso, a tão badalada reunião entre ambos, num encontro que costuma ser recorrente e normal e que poderia ter ocorrido ontem, pode até nem acontecer esta semana. As declarações de Jorge Jesus e Bruno de Carvalho após a derrota em Alvalade frente ao Belenenses provocaram, de facto, ondas de agitação no universo verde e branco. E nem foi tanto pelo resultado em si, mas mais pelo contexto de perder… no pior dia para perder: com o estádio quase cheio e muito público jovem a assistir. Porque se olharmos para os resultados, o que vemos? Desde essa espécie de “jura de amor” (mais uma) a 4 de fevereiro, e o 1-3 com os azuis do Restelo, o Sporting ganhou nove jogos e empatou dois: com o V. Guimarães, no dia seguinte às eleições; e com o Benfica, também em Alvalade.

Ou seja, nos últimos 12 jogos para a Primeira Liga, e incluindo já o desaire com o Belenenses, o Sporting fez 29 pontos em 36 possíveis. Menos um do que o Benfica, mais três do que o FC Porto. Se depois do turbilhão entre dezembro e janeiro, com a eliminação das provas europeias, da Taça da Liga e da Taça de Portugal, a corda não partiu, seria agora que tal iria acontecer? Ainda assim, nem tudo está bem. E ambas as partes sabem disso.

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O que originou o arrufo entre Bruno de Carvalho e Jorge Jesus?

Na época passada, o Sporting lutou até ao último minuto da última jornada pelo título. Anormalmente, fez 86 pontos e não foi campeão. Esta temporada, contra as previsões, regrediu: no final da primeira volta, estava em quarto lugar com oito pontos a menos do líder. Tinha já sofrido 16 golos, contra 21 no total de 2015/16. Pior: tinha já perdido mais pontos em 17 jogos (17) do que nas 34 partidas da época transata (16). Alguma coisa correra mal.

A análise foi feita em termos internos. E facilmente se chegou à conclusão de que as contratações tinham falhado. Retiremos Bas Dost, o melhor goleador da Primeira Liga e segundo melhor europeu (que custou 10 milhões, que podem ainda chegar a 12), Alan Ruíz, que fez seis golos em oito jogos antes de lesionar-se no joelho em Braga (que custou oito milhões) e Beto, que cumpriu na plenitude quando foi chamado e chegou a custo zero. O que renderam Douglas, Petrovic, Meli, Elias, Joel Campbell, Markovic, André, Castaignos e Spalvis? Pouco ou nada. De tal forma que mais de metade saiu na reabertura de mercado, voltando os miúdos Palhinha, Francisco Geraldes e Podence.

“As alterações que fizemos com os jogadores que entraram também não melhoraram a equipa, pelo contrário. Tive de buscar segundas opções que nem eram primeiras nem segundas opções para o Sporting durante esta época”, disse Jorge Jesus

“As alterações que fizemos com os jogadores que entraram também não melhoraram a equipa, pelo contrário. Tive de buscar segundas opções que nem eram primeiras nem segundas opções para o Sporting durante esta época”, disse Jorge Jesus após a derrota com o Belenenses. Ainda assim, a verdade é que foi pela defesa, e pelas deficiências nas bolas paradas, que tudo acabou por ruir. E os sete elementos mais recuados (Patrício, Schelotto, Coates, Paulo Oliveira, Marvin Zeegelaar, William e Adrien), além de Bruno César, transitaram todos do ano passado.

O que posso garantir é que, enquanto presidente, para mim chega. Tudo tem de ser diferente na próxima época. O Sporting é vencer, não é dar desculpas”, atirou Bruno de Carvalho

Duas horas depois, Bruno de Carvalho falou à Sporting TV. “Este jogo não tem nada a ver com o Sporting. Não me interessa o caudal ofensivo, interessa é vencer. Foi um jogo deprimente para o Sporting. O Sporting não pode ser isto. Temos de pensar todos muito bem o que estamos a fazer. Dirigentes, treinadores e atletas. Não posso chegar ao Cazaquistão e ver o Sporting ser goleado como nunca tinha acontecido numa final daquela competição e depois chegar a Alvalade e ver uma derrota pesada destas, cheia de erros. O que posso garantir é que, enquanto presidente, para mim chega. Tudo tem de ser diferente na próxima época. O Sporting é vencer, não é dar desculpas“, atirou.

O que une e separa Bruno de Carvalho e Jorge Jesus?

Pontos prévios: não houve nenhuma zanga entre presidente e treinador há duas semanas nem Bruno de Carvalho respondeu diretamente à conferência de Jorge Jesus. Falou do coração. E até retardou a falar, para não ser avaliada como uma reação a quente. O Sporting teve o maior investimento da era do atual líder na presente temporada, sendo um dos maiores, ou mesmo o maior, a nível de modalidades (entre oito a dez milhões de euros). Os resultados, esses, não apareceram. Sobretudo no futebol, que é a mola real que faz girar tudo o resto. E no dia em que Alvalade encheu mesmo com uma equipa sem poder ganhar títulos, no dia em que as novas gerações que nunca viram os leões serem campeões, o conjunto verde e branco falhou. E de que maneira. Bruno de Carvalho explodiu.

O Benfica jogava em Vila do Conde um encontro fundamental para o título, mas as contas do Sporting, também aqui, eram outras: muitas SMS, muitas chamadas, muitas conversas depois do que se tinha passado durante e depois da receção ao Belenenses. Bruno de Carvalho e Jorge Jesus deveriam ter reunido esta semana. O técnico terá preparado o encontro para todos os cenários, incluindo, caso fosse a vontade de ambas as partes, a saída. Até incluindo a possibilidade de prescindir dos vencimentos que teria até junho de 2019, na ordem dos seis milhões de euros/ano. Ainda assim, este seria um cenário limite. Jesus quer ficar. Bruno de Carvalho quer que fique. Jesus quer ter condições para atacar a sério o título. Bruno de Carvalho quer dar condições para atacar a sério. O objetivo é o mesmo, o caminho para lá chegar é que não. E isso pode ser o maior problema a discutir.

A SAD quer ter maior peso na política de gestão de ativos, o treinador quer manter a sua influência nessa área. A SAD pode argumentar como a ‘prata da casa’, como Gelson Martins, Rúben Semedo, Daniel Podence e Matheus Pereira, pode acrescentar muito à equipa, o treinador pode provar que os maiores investimentos, Bas Dost e Alan Ruíz, tiveram resultados (mais o primeiro, claro).

Mais do que a própria estrutura do futebol em si, que tantas vezes foi motivo de conversa entre Bruno de Carvalho e Jorge Jesus, o dilema está nas contratações. Mas que, como em muitos casamentos, pode ser superado com cedências de ambas as partes. Assim se evitaria o divórcio. E, como soube o Observador, os primeiros passos para acalmar o ambiente já começaram a ser dados.