“Música a Música”

O novo filme de Terrence Malick vinha descrito ora como “um musical”, ora como “um musical dramático”, mas não é nem uma coisa nem outra. É a habitual e auto-condescendente cassete cinematográfica do realizador, tendo como fugidio pano de fundo a cena musical de Austin, no Texas, e reduzindo a meros figurantes nomes como Patti Smith, Iggy Pop ou Lykke Li. Um escandaloso desperdício de talentos. Rooney Mara, Ryan Gosling (que parece estar em todas), Michael Fassbender e Natalie Portman são os intervenientes dos dois triângulos amorosos de “Música a Música”, mas desengane-se quem venha aqui à procura de uma história. Rodado, como de costume, praticamente sem argumento, o filme põe as personagens a vagabundear em concertos ao vivo e por uma série de magníficas casas de luxo, enquanto se ouvem em “off” as usuais banalidades pseudo-filosóficas e manifestações de crispação existencial, e o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki tenta preencher o vazio com soberbas imagens de natureza pujante e de alienação urbana. Uma afetada e poderosa estopada.

“Rei Artur: A Lenda da Espada”

Depois de ter deturpado e imbecilizado Sherlock Holmes em dois filmes (e parece que vem aí um terceiro), transformando-o num herói de ação, Guy Ritchie dedica-se agora a desfigurar e a proletarizar o Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda nesta superprodução que pisca um olho a “O Senhor dos Anéis” e outra aos jogos de vídeo, enquanto faz gato sapato da matéria arturiana. Mordred é aqui um feiticeiro à Sauron de Tolkien, Merlin é apenas mencionado, Artur é filho de realeza mas criado num bordel de Londres, há um cavaleiro da Távola Redonda negro e uma escola de artes marciais (só falta aparecer Jackie Chan) e toda a gente fala como se estivesse num dos filmes de “gangsters cockney” londrinos feitos por Ritchie no início da carreira. Charlie Hunnam é um Artur “hipster” com ar de jogador de futebol vedeta da Premier League, Jude Law interpreta Vortigern, o rei cruel e usurpador, com ar de frete, os anacronismos são mais que muitos e está tudo encharcado em molhanga de efeitos digitais. Supostamente o primeiro de seis, “Artur: A Lenda da Espada” é um dos piores filmes do ano. Antídotos recomendados: “Excalibur”, de John Boorman, ou “Monty Python e o Cálice Sagrado”, de Terry Gilliam e Terry Jones.

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“A Minha Vida de Courgette”

Um menino de nove anos que vive com a mãe, uma alcoólica violenta, causa acidentalmente a morte desta e é enviado para um orfanato, onde encontra outras crianças que lá foram internadas, para serem protegidas de famílias desfeitas pela droga, pela violência, pelo abandono ou pelo desleixo. Não parece ser tema para um filme de animação, mas é. E um filme de animação tradicional, de volumes, imagem a imagem. “A Minha Vida de Courgette”, é uma produção franco-suíça, a primeira longa-metragem do realizador suíço Claude Barras, escrito pela também realizadora e argumentista francesa Céline Sciamma, com base em “Autobiographie d’une Courgette”, de Gilles Paris. Esteve nomeado para o Óscar de Melhor Animação de Longa-Metragem e já ganhou, entre muitos outros, o Cristal de Prata e o Prémio do Público do Festival de Annecy, o Prémio de Cinema Europeu para a Melhor Animação, o César da respetiva categoria e a nossa Monstra. Admirador de Tim Burton e de Jiri Trnka, Claude Barras assina uma fita que pega no que é delicado e complexo e o troca – literalmente — por miúdos de forma simples e eficaz, conseguindo tocar e envolver os mais pequenos e os mais crescidos. “A Minha Vida de Courgette” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.