António é mais Benfica, Isabel é mais Eurovisão. No dia 12 de maio, quando já se antecipava que o clube da Luz podia ser tetracampeão pela primeira vez e Salvador Sobral era favorito para ser o primeiro português a vencer o Festival da Eurovisão, este casal lisboeta, de apelido Gomes, chegou a uma espécie de compromisso. Se o Benfica ganhasse ao Vitória de Guimarães com mais de três golos, iam festejar o tetracampeonato para o Marquês de Pombal. Se o Benfica perdesse, empatasse ou ganhasse com dois golos ou menos, ficavam em casa a torcer por uma avalanche de twelve points for Portugal.

“Ora, mas então depois começaram os golos…”, diz Isabel, de 57 anos. Bastou a primeira parte — com golos de Cervi, Jiménez, Pizzi e Jonas, sendo que este último viria ainda a fechar o marcador na segunda parte, com o quinto — para a mulher fazer a vontade ao marido e ir com ele ao Marquês de Pombal, local de romaria há quatro anos consecutivos para benfiquistas em festa.

“Tenho pena de não ficar em casa para ouvir o Salvador, que ele canta muito bem, mas eu também gosto muito do Benfica”, diz Isabel, conformada, com um cachecol do clube da Luz à volta do pescoço. “Acho que o Benfica ganhou o campeonato com justiça, a mim dá-me a impressão de que é uma grande equipa, que é muito unida”, afiança. “E depois tem um treinador que é um grande homem, que puxa muito por eles.”

É quando o assunto passa para o treinador do Benfica, Rui Vitória, que António toma a conversa para si e defende o técnico encarnado como quem defende um filho. “O Rui Vitória é uma grande homem, é um treinador e pêras! Meteu o Benfica a jogar como mais nenhum outro treinador conseguiu”, diz, de voz alta, este homem de 60 anos vestido com uma camisola do Benfica do final dos anos 90.

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Tanto por exaltação, como por necessidade de se fazer ouvir sobre a música eletrónica que toca a partir do palco montado na boca do Parque Eduardo VII, António puxa pela voz.. “O Rui Vitória é que é um treinador como deve ser, não é como o outro que lá andou a fazer asneiras.” O outro, explica António, é nada mais nada menos do que “Jorge Judas”. Isto é, Jorge Jesus, o treinador que responsável pelos dois primeiros capítulos deste tetracampeonato e que em 2015 trocou o Benfica pelo Sporting.

“Ele saiu daqui e achava que levava tudo, que nunca mais íamos ser ninguém”, diz, com o rancor na voz. “E agora, já vi aqui no telemóvel, parece que o Sporting perdeu com o Feirense.” António ri-se a bom rir, até que termina: “Ninguém pára o Benfica, pá”.

Reservar uma noite em qualquer um dos hotéis em torno do Marquês de Pombal não terá sido, certamente, uma boa ideia para este 13 de maio de Fátima, Futebol e Festival. Do palco, a música parecia estar mais alta a cada artista que pisava o palco. Começa com Richie Campbell, passa para Miguel Gameiro, depois logo se ouve Carlão, mais à frente os Amor Electro, todos intervalados por música eletrónica revezada de cânticos benfiquistas. “Campeões, nós somos, sempre fomos, seremos sempre, os verdadeiros campeões!”, ouve-se num desses registos.

“Hoje vai ser até cair para o lado, hoje vai ser até ao sol nascer!”

Fábio canta-a plenos pulmões, com os amigos. Vieram todos de Chelas, bairro lisboeta, e isso fica claro quando lhes olhamos para as tshirts: dois N’s ao contrário e um “CHELAS” por baixo. São do núcleo naquele bairro dos No Name Boys, a principal claque do Benfica, e razão, entre tantas outras, de animosidade entre o clube da Luz e o Sporting? “Somos, sim, com muito orgulho!”, diz, Fábio em nome do grupo. Este 13 de maio, não conseguiu ir ao estádio, por falta de bilhete. “Os bilhetes voaram num instante, amigo”, diz, lamentando. “Mas também digo já aqui uma coisa: isto de ver o Benfica ser campeão é uma coisa que já me está a chatear”, diz, irónico. “Agora é todos os anos a mesma coisa?! Só ganhamos, só ganhamos, só ganhamos?!”

Perguntamos-lhe qual é o seu jogador preferido no Benfica. Aí, Fábio assume uma postura diplomática, e responde: “Eh, pá, são todos. Eles jogam todos muito à bola, jogam todos bué!”. Depois, lá destaca um, mas não é nem pelo valor futebolístico nem por nada que se pareça. É pela festa no balneário. “Curti bué aquilo que o Eliseu fez!”, diz. Fábio está a falar dos piões que o lateral-esquerda fez com uma motorizada pintada com o “36” à frente em pleno balneário, com câmaras a filmar. “É granda bacano!”

No grupo de amigos de Fábio, não há ninguém que não tenha uma garrafa na mão — as tampas ficaram para trás, por questões de segurança. As bebidas vão passando de mão em mão, num vai-vem de vermute para aqui, vinho tinto com coca-cola para ali (catembo, para os africanistas; kalimotxo para os hispanófilos), tudo no meio de litrosas. “Nós ainda estamos a começar, ainda só estamos a começar!”, diz Fábio, que insiste em falar em nome do grupo. “Hoje vai ser até cair para o lado, hoje vai ser até ao sol nascer!”, garante. “Ah, vai, vai!”

Fábio quer provar que está empenhado na sua tarefa para a noite e dá um gole prolongado na garrafa de vermute. Nisto, faz-se silêncio — provavelmente, a primeira vez na noite. As colunas deixam de passar música, Fábio, os amigos e tantos outros olham em volta, meio confusos. Depois, o speaker do Estádio da Luz, que agora ocupa o palco no Parque Eduardo VII, pega no microfone e faz um anúncio solene: “O grande benfiquista Salvador Sobral venceu o Festival da Eurovisão”.

Nisto, Fábio olha para os amigos, de olhos arregalados: “O quê?! Aquele bacano ganhou?! Eh, isto hoje não acaba, meu!”