Seriam”elogios”, mas não caíram como tal. Este domingo, o CDS organizou uma conferência de imprensa para anunciar o acordo de coligação com o Partido da Terra (MPT) e o Partido Popular Monárquico (PPM), e o que ficou no ouvido de todos foram as declarações do vice-presidente do PPM, Gonçalo da Câmara Pereira. Elogiou Assunção Cristas por “vestir calças ou saia larga” em vez de “espartilho e saia travada”, e as sirenes a denunciar o “machismo” não tardaram. Mas o CDS não se diz incomodado e, ao Observador, confirma que estes partidos vão participar ativamente na campanha de Cristas. Gonçalo da Câmara Pereira também não muda uma linha:

O que quis dizer é que a postura de Assunção Cristas é um bocadinho mais valente do que um homem que trabalha e chega a casa e se senta a beber whisky”.

“Não me arrependo nem retiro nada do que disse”, afirma Gonçalo da Câmara Pereira ao Observador. “Assunção Cristas conseguiu como ministra fazer um grande trabalho e ao mesmo tempo manter a casa e a família, até teve um filho enquanto estava no Governo. Que os homens o façam [conciliem trabalho e família] é normal — não têm de cuidar da casa — mas uma mulher que tem uma ação política como Assunção Cristas tem tido é um bocadinho mais valente do que um homem que chega a casa e se senta a beber whisky”, diz o vice-presidente do PPM e antigo concorrente da Quinta das Celebridades, insistindo que as suas palavras devem ser interpretadas apenas como um “elogio” e uma afirmação de que Cristas “é um exemplo” para todas as mulheres.

Em causa estão as declarações de Gonçalo da Câmara Pereira este domingo, na sede do CDS em Lisboa, em que disse que Assunção Cristas “não descurou o trabalho e não descurou a casa”, mostrando que para trabalhar “a saia tem de ser larga e, se necessário, vestir calças”. Elogiando a “experiência académica, social e política” de Cristas, o dirigente do PPM afirmou que a líder centrista é “uma mulher casada, que provou, como a maioria das portuguesas, que pode trabalhar e ter filhos”.

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Como mulher, a drª Assunção Cristas sabe bem que, para se trabalhar, não se pode usar espartilho nem a saia travada, a saia tem de ser larga e, se necessário, vestir calças, calças que ultimamente não se sabe onde andam, custam a ver”, acrescentou ainda, criticando a atual gestão camarária do socialista Fernando Medina.

Na resposta ao dirigente do Partido Popular Monárquico, Assunção Cristas manteve o registo, aproveitando para criticar o presidente socialista da câmara, Fernando Medina. “Tenho calçado botas e calças de ganga muitas vezes para estar nos bairros sociais junto das pessoas que não conhecem visitas por parte do executivo camarário, excetuando da polícia quando é para os pôr fora das suas casas”, disse então a líder do CDS.

As reações nas redes sociais não tardaram, com a escritora Inês Pedrosa, por exemplo, a alegar que as primeiras palavras do parceiro da recém-criada coligação “já começaram a tirar votos a Assunção Cristas”.

Também André Beja, ligado ao Bloco de Esquerda, foi direto ao ponto: discurso “machista, marialva e a roçar a xenofobia”.

Gonçalo da Câmara Pereira, contudo, rejeita qualquer tese de que a sua presença na candidatura venha a prejudicar de alguma forma a campanha da líder centrista. “As críticas podem até funcionar a nosso favor”, diz, rejeitando qualquer “complexo machista” ou “sectarismo”. “Quem acha que é sectarismo, problema deles. A esquerda é que tem esses complexos. Eu não tenho complexos de feminismo nem de machismo”, afirma ao Observador.

Também o diretor de campanha de Assunção Cristas, atual vereador do CDS em Lisboa, nega qualquer efeito prejudicial e remete as declarações do dirigente do PPM para o próprio. “Os partidos não pensam todos da mesma maneira, e as declarações comprometem apenas quem as faz”, diz João Gonçalves Pereira ao Observador, reforçando que “cada ator político diz o que entender” e que é normal estas forças políticas se terem aliado uma vez que o MPT e o PPM “foram abordados por outras candidaturas e acharam que se reviam mais na nossa”, diz.

Monárquicos trocam PSD por CDS e vão andar ao lado de Cristas

O Partido da Terra e o Partido Popular Monárquico historicamente coligam-se com o PSD, sobretudo em candidaturas autárquicas, mas este ano, apesar do convite dos sociais-democratas (cuja candidata é Teresa Leal Coelho), optaram por escolher a líder do CDS. Ao Expresso, os dirigentes dos dois partidos chegaram a explicar que o perfil de Assunção Cristas “é mais credível e mais próximo” da sua “ideologia” do que o perfil mais “fraturante” da candidata do PSD. “Algumas posições assumidas no Parlamento pela drª Teresa Leal Coelho não foram bem vistas do nosso lado”, disse na altura Gonçalo da Câmara Pereira, referindo-se nomeadamente ao apoio de Teresa Leal Coelho ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Certo é que os partidos desta aliança — que ainda não tem nome — vão mesmo ser parte integrante de toda a candidatura e vão andar ao lado de Assunção Cristas na rua. Ao Observador, João Gonçalves Pereira explica que o envolvimento destes partidos vai passar por “contributos para o programa”, “organização dos eventos de campanha”, bem como pela “presença dos militantes nas ações de campanha” e pela indicação de “pessoas, independentes ou militantes”, para integrarem as listas.

Quanto aos lugares, Gonçalo da Câmara Pereira rejeita ser um tema central: “Aceitamos o que a líder da coligação quiser”. O centrista João Gonçalves Pereira diz já haver um “pré-acordo” para as listas ao nível da câmara e assembleia municipal, sendo que para as juntas ainda está “a ser trabalhado”. O objetivo, diz, é “integrar elementos dos vários partidos e independentes por eles indicados”.

Não é que o peso do PPM faça muita diferença ao nível dos votos. Nas últimas legislativas, em 2015, o Partido Popular Monárquico obteve 14.897 votos em todo o país, o equivalente a 0,28% dos votos. Em Lisboa, os monárquicos tiveram 0,24% dos votos, um total de 2.820 votantes. Lisboa foi o distrito onde obtiveram mais votos em número absoluto, seguido do Porto com 2.392 e Aveiro com 1.292. Em proporção, o concelho tiveram maior expressão eleitoral foi em Vila Velha de Ródão, com 1,03%.

Gonçalo da Câmara Pereira e as mulheres

Esta não é a primeira vez que o dirigente do Partido Popular Monárquico causa polémica com declarações sobre mulheres. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, numa das suas presenças habituais na rubrica sobre mulheres do programa da TVI Você na TV, apresentado por Manuel Luís Goucha, o político e fadista afirmou que as mulheres “bonitas” são “burras”.

O comentário valeu uma reação imediata e revoltada da atriz Ana Bola que, no Facebook, escreveu um comentário bastante explícito contra o protagonista. “Sai um pano encharcado em cocó para o Gonçalo da Câmara Pereira que acaba de declarar do alto da sua estupidez, ignorância e grunhice, que as mulheres bonitas normalmente são burras. Já ele é o completo atrasado mental”, escreveu inicialmente. Mas passado uns minutos viria a apagar e a escrever uma nova publicação: “Retiro o que disse em relação ao atrasado mental do Gonçalo da Câmara Pereira. Mil panos encharcados seriam poucos. Em compensação canta bem. É um triste que não tem onde cair morto. Paz à sua alma”.

Para Gonçalo da Câmara Pereira, contudo, e ainda em relação às declarações mais recentes sobre Assunção Cristas, foi a primeira Constituição republicana que pôs entraves aos direitos das mulheres, e não a monarquia. “Quem proibiu as mulheres de votar foi a Constituição de 1911, portanto foram os republicanos que começaram a discriminação”, remata ao Observador.