O Ministério Público (MP) descobriu um novo beneficiário da Espírito Santo (ES) Enterprises, o alegado ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo (GES): trata-se de Amílcar Morais Pires. O ex-administrador financeiro do BES terá recebido montantes avultados numa conta bancária na Suíça aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Allanite.

O Observador não conseguiu confirmar o valor exato recebido pela Allanite — sociedade offshore que já tinha sido identificada no processo Monte Branco como tendo Morais Pires como beneficiário efetivo. Sabe-se apenas que o gestor terá repatriado capitais em 2012 e legalizado os mesmos ao abrigo do Regime Excecional de Regularização de Tributária de 2012, tendo alegadamente pago mais 1,1 milhões de euros de impostos face à versão original do seu IRS de 2011.

As suspeitas da equipa que investiga os chamados casos do Universo Espírito Santo sobre os pagamentos do ‘saco azul do GES fazem parte de um despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal que está depositado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa — uma base de dados que é pública e acessível a todos os cidadãos. Foi este despacho que permitiu o arresto judicial da Herdade do Vale do Rico Homem, propriedade de uma empresa de Henrique Granadeiro, à ordem de um dos inquéritos do Universo Espírito Santo.

No despacho judicial assinado pelo juiz Carlos Alexandre com a data de 2 de março de 2017, pode ler-se que a alegada participação de Morais Pires nesses esquemas que o MP classifica de “fraudulentos”, tem “por base um conjunto de favorecimentos de natureza patrimonial distribuídos por um círculo restrito de sujeitos com intervenção decisiva no sucesso de operações de financiamento fraudulentas do GES, designadamente, através de contas tituladas pela ES Enterprises, como, ao que tudo indica, sucedeu com a entidade Allanite, Ltd, que a justiça portuguesa conhece como tendo como beneficiário efetivo Amílcar Morais Pires“.

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Morais Pires é arguido dos inquéritos do Universo Espírito Santo desde setembro 2015, precisamente pelo seu alegado envolvimento nos esquemas de financiamento fraudulento de diversas empresas do Grupo Espírito Santo (GES).

O Observador enviou um conjunto de perguntas por escrito para Raul Soares da Veiga, advogado de Morais Pires, mas ainda não recebeu nenhuma resposta até ao momento.

De acordo com o mesmo documento, e tal como o Observador já tinha noticiado, a equipa de investigadores liderada pelo procurador José Ranito entende que Morais Pires, como diretor financeiro, e Isabel Almeida, como diretora do fundamental Departamento Financeiro, Mercados e Estudos, terão alegadamente concebido e executado, com a alegada aprovação do presidente executivo Ricardo Salgado, um plano fraudulento de financiamento de diversas sociedades do GES que passou pela colocação nos clientes do BES de títulos de dívida de diversas sociedades que direta ou indiretamente eram controladas pela família Espírito Santo. Estes alegados esquemas terão levado a colocar títulos de dívida do GES avaliados em mais de 10 mil milhões de euros.

BES. Clientes terão sido enganados em 10 mil milhões

Tais esquemas de financiamento são diversos e complexos, envolvendo, entre outros parceiros internacionais de Ricardo Salgado e da família Espírito Santo, uma sociedade suíça chamada Eurofin. Os pormenores foram explicados aqui pelo Observador em outubro de 2016.

Como Salgado usou o ‘saco azul’ para implementar um esquema de financiamento fraudulento do GES

Pagamentos a altos funcionários do BES

Tal como o Observador também noticiou em exclusivo, o MP tem igualmente fortes indícios de que, pelo menos, 18 altos funcionários do BES terão igualmente sido remunerados pela ES Enterprises. Entre eles estão Isabel Almeida e António Soares, ex-responsável pela sala de mercados do DFME e ex-administrador financeiro do BES Vida. Só estes dois altos funcionários do BES terão recebido, ao que o Observador apurou, cerca de 1,2 milhões de euros em 2009 e 2010.

Ricardo Salgado foi confrontado com estes dados aquando da sua constituição como arguido nos processos do Universo Espírito Santo e garantiu ao procurador José Ranito que esses pagamentos, que apelidou de “remunerações complementares”, duravam desde 2007 e só eram feitos aos funcionários do DFME depois de Amílcar Morais Pires e Isabel Almeida decidirem nesse sentido.

A Allanite e o caso Monte Branco

Amílcar Morais Pires e a sua offshore Allanite apareceram pela primeira vez no caso Monte Branco. O então CFO do BES era cliente da sociedade gestora de fortunas Akoya que está no centro daquela investigação judicial — que, tal como a Operação Marquês, também é liderada pelo procurador Rosário Teixeira. Nesse processo, segundo noticiou o Expresso em 2014, foram detetadas 12 transferências suspeitas num total de 27,3 milhões de euros, do Banco Espírito Santo Angola, então liderado por Álvaro Sobrinho, para a Allanite de Morais Pires e para uma outra sociedade offshore chamada Savoices, que pertencia a Ricardo Salgado. Entre o final de 2009 e julho de 2011, a Allanite terá recebido cerca de 13,5 milhões de euros, enquanto que as contas de Salgado foram creditadas em cerca de 13,8 milhões de euros.

Segundo notícia do Público, Morais Pires terá aproveitado o Regime Excecional de Regularização de Tributária de 2012 para regularizar uma parte desses capitais, tendo pago mais 1,1 milhões de euros de imposto face à versão original do seu IRS de 2011.

O que já se sabe sobre a lista de pagamentos do ‘saco azul’ do GES