O juiz Carlos Alexandre alertou esta terça-feira que só respostas policiais, jurídico-penais, judiciárias e prisionais não conseguem combater o crime organizado e a corrupção, defendendo a colaboração premiada como um “instrumento típico de democracias maduras”.

Numa intervenção nas conferências do Estoril, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal socorreu-se do livro “Pare, pense e mude” de Almeida Santos, para enumerar as várias dificuldades para combate ao crime organizado e a corrupção e apontou caminhos para uma justiça mais eficaz.

“Identifico-me com a ideia de que a clarificação das leis de combate à corrupção beneficiaria com o instituto de colaboração premiada”, disse Carlos Alexandre, considerando que “é um instrumento jurídico típico de democracias maduras, reputadas e desenvolvidas como Alemanha, França, Itália e Estados Unidos” utilizado para combater o terrorismo, tráfico de droga e crime organizado. Porém, alertou, “ninguém defende que o Estado legisle no sentido de passar um ‘cheque em branco’ ao denunciante”.

A colaboração premiada não dispensa o Ministério Público de aprofundar a investigação do que lhe é transmitido nesse âmbito e na concatenação com os demais meios de prova, tais como a prova documental, pericial, testemunhas, entre outros”, observou.

Para um combate da corrupção mais eficaz, de entre as medidas apontadas por Almeida Santos e subscritas por Carlos Alexandre, destaca-se a criação de um espaço jurisdicional único europeu e de uma jurisdição global e o “princípio de igualdade de armas” com a substituição dos meios e instrumentos artesanais por tecnologias igualmente sofisticadas.

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O magistrado, sempre evocando Almeida Santos, defendeu tribunais de jurisdição penal com competência plurinacional e a redução do excesso de burocracia e formalismo das leis processuais penais, evitando incidentes e recursos dispensáveis ou de efeito suspensivo.

Outras das medidas para um combate mais eficaz aos crimes económicos organizados passa por dificultar, tanto quanto possível, a “conversão, pelos patrões do crime organizado, do seu poder económico em poder político”. “O perigo maior é esse”, enfatizou.

Outro dos caminhos passa, na sua opinião, por complicar a vida aos grandes patrões do crime organizado, questionando o funcionamento, sem efetivo controlo, dos centros ‘offshore’ e das ‘sociedades-ecrã”.

Carlos Alexandre começou por enumerar 14 dificuldades do combate ao crime organizado e corrupção. De entre elas destaca-se conexão cada vez mais intensa entre o crime organizado e a corrupção, por um lado, e organização económica empresarial por outro.

Os lucros fabulosos dos tráficos ilícitos e as grandes fortunas que a corrupção permite, após operações de lavagem, usando os mais sofisticados detergentes, entram naturalmente sem obstáculo nos circuitos de economia legal”, disse.

O juiz que tem nas mãos os mais mediáticos processos de crimes económicos investigados em Portugal alertou, parafraseando Almeida Santos, a “perigosa conversão, pelos patrões do crime organizado, do poder económico em poder político”. Também os sofisticados meios tecnológicos e científicos ao dispor dos criminosos “com orçamentos que fazem inveja a muitos Estados” em contraponto com os que estão disponíveis à justiça foi apontado como obstáculo.

No final da sua intervenção, Carlos Alexandre, que começou por pedir que deixem de o apelidar “super-juiz” deixou um aviso: “nada do que disse, no meu espírito, nas minhas palavras, pode ser assacado a um caso concreto qualquer que tenha em mãos”.