O Tribunal de Contas considerou ilegais pedidos de autorização de despesa de entidades públicas que custariam ao Estado 156 milhões de euros, um valor mais baixo do que nos últimos anos e numa altura em que o Tribunal tem vindo a ser chamado a pronunciar-se sobre cada vez mais gastos.

De acordo com o relatório de atividades e contas do Tribunal de Contas de 2016, apresentado esta terça-feira, o Tribunal de contas foi chamado a pronunciar-se previamente sobre 2881 atos e contratos com um valor de 4,6 mil milhões de euros.

No ano passado o Tribunal teve de se pronunciar sobre menos contratos – 3124 em 2015 contra 2881 em 2016 – , mas o valor de gastos envolvidos foi significativamente superior: mais 1,2 mil milhões, um aumento de 36% face a 2015. O número de processos está aumentar de forma significativa também este ano. Só nos primeiros três meses deste ano, o Tribunal já tinha mais contratos em mão para avaliar do que nos primeiros seis meses de 2016.

Já os contratos chumbados, por não cumprirem os requisitos legais, tem vindo a decrescer. De acordo com o Tribunal de Contas, no ano passado foi recusado visto prévio a um total de 41 contratos, quase tantos como em 2015, mas o valor em causa foi significativamente: em 2016, o valor dos contratos chumbados foi de 156 milhões de euros; em 2015 foi mais de o dobro, 384,7 milhões de euros.

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De acordo com Vítor Caldeira, a redução no valor dos contratos chumbados deve-se a “um trabalho de pedagogia junto das pessoas e com as entidades tendo em vista superar eventuais deficiências nos processos”. Isso fez com que os gestores públicos que submetem os contratos acabassem por alterar os contratos para que estes estivessem conformes com a lei.

Ainda assim, 15% dos contratos submetidos à fiscalização preventiva do Tribunal receberam autorização, mas com recomendações sobre situações que têm de ser corrigidas.

Principais razões destes chumbos:

  1. Falta de observância de regras do Código dos Contratos Públicos como a falta de audição das entidades públicas a questão obrigados e a não realização do obrigatório concurso público.
  2. Modelos usados para avaliar as propostas que não permitem a comparabilidade – não permite apurar qual seria a melhor proposta porque estas não cumprem os critérios obrigatórios para que possam ser comparadas.
  3. Não demonstração da finalidades dos empréstimos de curto prazo.
  4. Serem substituições de empréstimos, mas sem demonstrarem melhoria dos custos com esses mesmo empréstimos no médio e longo prazo.
  5. Incumprimento dos planos de saneamento financeiro.
  6. Problemas com o regime de recuperação financeira municipal.
  7. De acordo com os responsáveis do Tribunal de Contas, a maior parte dos empréstimos onde foram encontrados estes problemas dizem respeito a autarquias.

Também os processos que chegaram a julgamento, no que diz respeito às responsabilidades financeiras, dizem maioritariamente respeito a autarquias. Dos 29 processos que foram julgados, 14 resultaram em condenações onde foram impostas multas de 207 mil euros e ordenados os gestores a repor 293,7 mil euros ao erário público. Destes 14, apenas quatro não são relativos a autarquias ou associações de municípios, disse o presidente do Tribunal de Contas, Vítor Caldeira.

A responsabilidade financeira, explicou o juiz conselheiro Ernesto da Cunha, é imputada de forma pessoal e pecuniária. Ou seja, a responsabilidade recai sobre os autores dos factos e não sobre as autarquias, apesar de no passado o Tribunal de Contas ter detetado casos em que a responsabilidade foi imputada a um responsável e houve “multas que foram pagas pelo erário público municipal, mas isso é claramente ilegal e constitui um crime”.

Por essa razão, explica o juiz, o Tribunal de Contas profere “sentenças muito claras” onde especifica que “a obrigação de reposição cai pessoalmente sobre quem é condenado”.

Ainda assim, este processo tem “pontos fracos”, uma vez que, apesar de ser proferida pelo Tribunal de Contas, quem executa a sentença são os tribunais fiscais e isso dá aso a vários atrasos. Ernesto da Cunha deu o exemplo de um caso particularmente moroso, onde um gestor tem de pagar 98 mil euros de multa mas a sentença, que se refere a atos praticados em 199 e julgados em segunda instância em 2006/2007, ainda não foi executada.

Organismos ouvem mais o Tribunal de Contas

De acordo com a avaliação do Tribunal de Contas, cerca de 70% das recomendações feitas pelo tribunal em anos anteriores foram acolhidas e isso resultado num impacto financeiro de 3,7 mil milhões de euros para o Estado.

Aliás, segundo o Tribunal, cerca de 1.500 milhões de euros desta melhoria nas contas do Estado (seja por via de poupanças acrescidas para o erário público, ou por receitas que foram cobradas de forma mais eficaz) terão sido resultado direto do acolhimento das recomendações feitas pelo Tribunal de Contas.

Alterações à responsabilidade financeira das autarquias

Vítor Caldeira já tinha sido crítico das alterações feitas no orçamento à responsabilidade dos gestores autárquicos e agora anunciou que o Tribunal pretende promover uma série de conferências para refletir sobre a jurisdição financeira.

O presidente do Tribunal de Contas garante que não pretende alterações para já, mas sim que se comece a refletir sobre o tema, porque o sistema atual “é um sistema desequilibrado, não reflete o que é a realidade” e é precisar pensar se está adequado ao século XXI.

Apesar de garantir que “não são as mudanças na responsabilização dos autarcas que levam a esta reflexão”, Vítor Caldeira admite que vê alguns problemas na alteração que foi feita, nomeadamente sobre quem é que assume a responsabilidade dos atos financeiros.

“Não tenho nada contra a alteração legislativa. O que gera distorção e incoerência é que eu não tratei de criar mecanismos que digam então quem é que assume a responsabilidade”, explicou.