Há roupas espalhadas e três corpos deitados sobre um chão vermelho. Pouco a pouco, as três bruxas levantam-se,até que uma delas deixa no ar a pergunta. “Marcamos encontro para quando?” Para saber a resposta, o público tem de marcar encontro com a estreia de “Macbeth”, de William Shakespeare, no Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, a partir desta quinta-feira e até 22 de junho. Até porque “o público precisa de Shakespeare”.

Por vezes, no teatro, parece que todos os caminhos vão dar a Shakespeare. No caso do diretor artístico do São João, as coisas não são bem assim. Nuno Carinhas, de 62 anos, esteve envolvido em peças do dramaturgo inglês enquanto cenógrafo e figurinista. Mas é a sua estreia como encenador. “Mas sempre gostei de algumas obras dele”, explica ao Observador, antes de um ensaio. Numa entrevista à Notícias Magazine, em 2014, perguntaram-lhe: Para quando Shakespeare? “Um dia. Gostaria muito de encenar Romeu e Julieta, Otelo e, entre as peças mais políticas, Júlio César”, respondeu.

Estreia-se, afinal, com Macbeth. “Provavelmente não falei de Macbeth por uma omissão óbvia, porque agrada-me o lado intimista, as relações afetivas que passam pelos casais, agrada-me bastante poder encenar isso.” Nuno Carinhas gosta de Macbeth também pelo lado prático da encenação. “Não tem grandes desvios, como muitas peças do Shakespeare têm, ou seja, para além da narrativa principal depois há uma série de outros desvios e esta peça não, é extraordinariamente seca e económica do ponto de vista dramatúrgico.”

A tragédia segue o nobre escocês Macbeth que, incitado por sua esposa Lady Macbeth, assassina o rei Duncan e lhe fica com o trono. E os despojos que ficam desse caminho, seja nas relações homem / mulher, seja na transição de um Macbeth dominado para um rei tirano, disposto a tudo para se manter no trono.

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© João Tuna / TNSJ

“Nós vamos traçando um caminho acerca daquilo de que nos apetece falar em determinadas alturas e foi esta a altura em que o tema Macbeth fazia sentido em relação àquilo que também já está para trás”, explica Nuno Carinhas. Prefere, contudo, não situar no momento político atual algum contexto que justifique esta escolha.

“Porque recorrermos sempre a essas peças? Porque elas são universais. Em qualquer momento que nós as façamos, elas terão os seus ecos na sociedade. Vamos sempre encontrar alguns paralelismo. Acho que há uma visão da alma humana, daquilo que nos constitui e que, de alguma maneira, se perpetua. Esses valores não se modificam. Vão-se alterando por regras sociais, por movimentos políticos, mas na essência, se nós pudéssemos isolar as criaturas, estaria lá aquilo que há de mais óbvio projetado desta maneira como Shakespeare vê a Humanidade. Se ele não criou os homens, as mulheres, a Humanidade, ajudou bastante a que nós tenhamos uma determinada leitura sobre ela”, diz Nuno Carinhas.

Para o papel de Macbeth escolheu João Reis, com quem já tinha trabalho há 20 anos. O ator já pisou o palco do São João com vários Shakespeares — “Hamlet” em dose dupla, “O Mercador de Veneza”, “A Noite de Reis”. Quando fez “Hamlet”, Ricardo Pais, antecessor de Nuno Carinhas, chegou a dizer que entendia João Reis como um verdadeiro modelo da complexa personagem. E que nunca encenaria esta obra se o ator não estivesse disponível. O atual diretor artístico admite que, agora, o caso foi o mesmo. “É bom quando um ator trabalha Shakespeare poder continuar a trabalhá-lo. O João tem uma escola de texto, que é a escola que fez nesta casa durante uma década, e isso é importante. “Há vários Shakespeares que estão dentro dele”, afirma o encenador. “Essa também foi a razão por que eu quis fazer Macbeth com ele.”

© João Tuna / TNSJ

O texto foi traduzido de raiz pelo poeta Daniel Jonas e é elemento central na peça. “Temos aqui a abordagem do teatro de texto, que eu acho importante, esta partilha com um elenco que é capaz de se submeter a essa regra”, começa por explicar, para depois classificar a nova tradução como “notável”. “É importante dialogar com o tradutor que acabou de se defrontar com a dificuldade do texto, tal como nós, e poder dialogar sobre isso.”

“Macbeth” é a terceira produção própria da temporada 2016/2017. O Teatro Nacional São João terminou 2016 com uma taxa de ocupação de sala a rondar os 80% e Nuno Carinhas não precisa de recorrer, por isso, a um dos nomes mais sonantes da dramaturgia para atrair púbico. “O público é que precisa de Shakespeare”, responde, a rir-se. Para nos entendermos a nós próprios, mas também por ser um autor que tem “uma carpintaria teatral muito grande, um homem que executava os seus próprios textos, as suas próprias histórias, que punha no seu próprio corpo as personagens que escrevia”. Shakespeare “screve de uma forma maravilhosa” e “não é por acaso que continua a ser um dos grandes autores mundiais.”

Para além de João Reis, a peça conta com interpretações de Diana Sá, Emília Silvestre, Joana Carvalho, João Cardoso, João Castro, Jorge Mota, Paulo Calatré, Paulo Freixinho e Sara Barros Leitão. Está em cena quartas-feiras às 19h, quintas e sextas às 21, sábados ás 19h e domingos às 16h.

Este sábado à tarde,, Daniel Jonas e Nuno Carinhas convidam Ricardo Araújo Pereira )enquanto crítico literário e não como humorista) e Maria Sequeira Mendes, investigadora que vem escrevendo sobre Shakespeare, para uma conversa sobre a peça. A entrada é livre.