O secretário de Estado adjunto e das Finanças admitiu esta terça-feira que, num primeiro momento, considerou que a alteração ao estatuto do gestor público poderia isentar os administradores da Caixa Geral de Depósitos
de apresentar as declarações ao Tribunal Constitucional (TC).

Numa audição parlamentar na segunda comissão de inquérito sobre o banco público, Ricardo Mourinho Félix foi questionado sobre declarações que fez ao Diário de Notícias a 26 de outubro e em que, num primeiro momento, disse que a isenção das obrigações declarativas ao Tribunal Constitucional tinha sido intencional.

“Não era um lapso, era algo que podia decorrer [da alteração do estatuto]”, confirmou o secretário de Estado, acrescentando que, se tal acontecesse, não haveria um vazio de escrutínio, uma vez que os administradores da Caixa continuariam obrigados a entregar essas declarações à secretaria geral do banco público e sujeitos ao regime jurídico das instituições financeiras.

Segundo Mourinho Félix, quando fez as primeiras declarações, “não tinha a noção de que a leitura era tão clara de que a lei 4/83 [de controle público da riqueza dos titulares de cargos] era aplicável” e que os administradores da Caixa estavam, por isso, obrigados a apresentar as declarações ao TC.

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“A noção que tinha era de que havia imensas dúvidas, não sou jurista e tive de falar com juristas que conheço e pedir opinião”, afirmou, justificando com o “entendimento geral” de que a lei se mantinha em vigor uma segunda declaração ao mesmo jornal ainda a 26 de outubro onde defendeu a entrega das declarações.

Questionado pelo deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro sobre quem o tinha feito mudar de opinião, o secretário de Estado disse ter falado “com imensas pessoas”, incluindo deputados, membros do seu gabinete e o secretário dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, também jurista.

“Ficou muito claro nesse dia que a generalidade dos juristas considerava que a lei se mantinha em vigor e que a questão de que havia um vazio legal não existia”, disse, acrescentando que “mais claro ficou” quando o Tribunal Constitucional se pronunciou mais tarde sobre o mesmo sentido.

Mourinho Félix reiterou que não houve qualquer acordo entre o Governo e o anterior presidente da Caixa, António Domingues, sobre esta matéria, sublinhando que a questão só se tornou um problema quando, a 23 de outubro, o comentador televisivo Marques Mendes levantou a questão.

Isso era muito grave, quisemos deixar muito claro que isso não era verdade: independentemente da eliminação do estatuto do gestor público eliminar ou não a obrigatoriedade de entrega ao TC, estava assegurado que não havia vazio de transparência”, disse, numa resposta anterior ao deputado do BE Moisés Ferreira.

Mourinho Félix e António Carlos Monteiro envolveram-se numa troca de palavras a propósito de correspondência entre o gabinete do secretário de Estado e a então diretora-geral do Tesouro e Finanças, Elsa Roncon, e na qual se aludia a exigências do Banco Central Europeu para que a Caixa deixasse de estar sujeitas às obrigações do estatuto do gestor público.

O deputado do CDS-PP recordou que, em audição parlamentar na segunda-feira, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, disse desconhecer tal imposição e ter dúvidas de que pudesse existir.

“Se o governador não sabia, devia saber”, respondeu Mourinho Félix, aludindo a uma carta de janeiro de 2016 em que o Mecanismo Único de Supervisão dava conta da necessidade de alterações no sistema remuneratório do banco público.

O CDS-PP pediu então ao governante que fizesse distribuir a carta, o que o secretário de Estado disse não saber se poderia fazer, por se tratar de informação reservada. “Se menciona uma carta e depois não a junta, está a faltar à lealdade a esta comissão”, acusou António Carlos Monteiro, que recebeu como resposta de Mourinho Félix: “não recebo lições de legitimidade de nenhum deputado”.

A segunda comissão de inquérito sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem por objeto avaliar a atuação do atual Governo na nomeação e demissão da anterior administração do banco público, liderada por António Domingues.

A audição do secretário de Estado adjunto e das Finanças é a terceira desta comissão de inquérito, pedida potestativamente (de forma obrigatória) por PSD e CDS-PP, que tem como um dos pontos centrais apurar se “é verdade ou não que o ministro [das Finanças] negociou a dispensa da apresentação da declaração de rendimentos [de António Domingues]”, o que tem sido negado por Mário Centeno.