Theresa May perdeu, vencendo as eleições. A primeira-ministra britânica forçou a realização de legislativas antecipadas para reforçar o seu poder interno. Em meados de abril, estava de tal forma confiante num resultado esmagador sobre os trabalhistas que admitiu não voltar ao número 10 de Downing Street se perdesse seis deputados — perdeu o dobro mas, mesmo assim, não se demitiu, quis ser recebida pela Rainha Isabel II, negociou a formação de Governo com os unionistas irlandeses e vai continuar como primeira-ministra.

May sai enfraquecida de um processo eleitoral em que pediu aos eleitores mais força para negociar com Bruxelas um dos mais importantes acordos da história do Reino Unido. Mas será assim, mais fraca interna e externamente, que terá pela frente essa tarefa gigantesca. O que será do Brexit agora? Há cinco grandes questões que se levantam.

Os unionistas e a relação com o “Remain”

Primeiro, era preciso arrumar a casa. E esse tópico da imensa lista dos (novos) afazeres de Theresa May já está riscado, com a união de forças entre os conservadores e os unionistas irlandeses. Tópico seguinte? Não é assim tão simples.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Governo May. Quem são e o que querem os unionistas da Irlanda do Norte

A união entre o pequeno partido da Irlanda do Norte e os tories faz-se, desde logo, por uma rejeição. Nenhum dos dois quer que Jeremy Corbin possa vir a assumir qualquer responsabilidade na chefia de um Governo britânico. Ao The Guardian, uma fonte do Partido Unionista Democrático (DUP, na sigla em inglês) deixou claro que os irlandeses estão disponíveis para formar um Governo duradouro com os conservadores: “Trabalhamos bem com May. A alternativa é intolerável. Enquanto Corbyn liderar o Partido Trabalhista, vamos garantir que há um primeiro-ministro dos tories”. Ou seja, não é propriamente uma admiração pelo trabalho ou pelas ideias de May; é, antes de mais, a rejeição de um Governo trabalhista com Corbyn à cabeça.

Mas unir-se aos Unionistas significa que May terá de negociar duramente cada pedaço de legislação que leve ao parlamento britânico. E essa negociação torna-se ainda mais dura quando se sabe que, no próprio partido de May, a união em torno da líder está longe de ser pacífica.

Além disso, há que sublinhar o resultado ao referendo do ano passado: os votos contabilizados na Irlanda do Norte deram 56% dos votos ao “Remain”. A maioria não queria sair da União Europeia. E, como lembra o Washington Post, apesar de os unionistas terem feito campanha pela saída, dentro do eleitorado do partido as posições nunca foram consensuais.

Terceiro ponto: a sul, a Irlanda do Norte continua a ter um território e uma população convictamente virados para Bruxelas. O que é que tudo isto tem que ver com o Brexit? Quanto mais não seja, são dores de cabeça para Theresa May, num momento em que a primeira-ministra britânica precisaria de estar totalmente focada na frente Bruxelas.

É tempo de negociar?

Olhando precisamente para essa frente europeia, a votação tímida de Theresa May deu lugar a reações de diferentes tonalidades por parte dos vários responsáveis políticos. A tónica geral, nos últimos meses, era a de que as instituições europeias estavam prontas para arrancar com as negociações do Brexit, bastando para isso que os eleitores do Reino Unido colocassem os seus boletins nas urnas.

Ora, o facto de os tories terem ficado aquém daquilo que há poucas semanas se esperava levou, de imediato, o sr. Brexit da Comissão Europeia, Michel Barnier, a insuflar o balão da paciência, ao dizer que “as negociações começarão quando o Reino Unido estiver pronto”.

Também Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, deixou transpirar para o Twitter a ideia de que o resultado das eleições poderia levar a um adiar do arranque dos trabalhos, previsto para dia 19 de junho. A única certeza, diz Tusk, é que dentro de dois anos o Reino Unido estará fora da União Europeia e que o importante, até lá, é evitar uma saída com um “no deal” (ou, melhor dizendo, sem acordo) por força da ausência de negociações.

Mas May já deixou claro que fica tudo como estava. Dentro de dez dias, o Reino Unido e a União Europeia sentam-se formalmente à mesa e começam a escrever as linhas do acordo de divórcio que ditará a primeira saída de um país do projeto europeu.

Brexit (mais ou menos) duro?

A grande questão que se coloca é que acordo estará Theresa May em condições de negociar com as instituições europeias. Quanto a isso, não há ainda respostas.

O jornal britânico The Guardian, num artigo publicado já esta sexta-feira, abria a porta a quatro cenários (eram cinco, mas já vamos ao último):

  1. Um Brexit duro mas consensual. Afastada a ideia de que o Reino Unido possa sair da União Europeia sem um acordo entre as duas partes, por falta de apoio político para que Theresa May sustente essa posição, ganha relevância a discussão de um acordo de livre comércio e a implementação de medidas de controlo de imigrantes (essa política de maior controlo de entradas no país será um dos pontos de que May não deverá abdicar, conhecida que é a sua preocupação com os fluxos migratórios de e para o Reino Unido).
  2. Um Brexit suave. Escreve o The Guardian que, num cenário como este, que é forçado, em grande parte, pela escalada eleitoral do Partido Trabalhista, Bruxelas poderá oferecer a Londres a possibilidade de integrar o mercado único, ainda que numa formulação diferente da atual (o que seria um dado importante para a economia do país e retiraria muita da pressão sobre o pós-Brexit) e introduzir ligeiras alterações no controlo de pessoas ao país.
  3. O caos. Este ponto cruza-se com as declarações de Donald Tusk no Twitter, já esta sexta-feira. A União Europeia está disposta a contemporizar o arranque das negociações (uma premissa que May já dispensou), mas a data de saída está marcada no calendário oficial e é irregovável (numa leitura literal do termo). O fator determinante para que as negociações sejam eficazes e produtivas ou sejam uma perda de tempo rumo ao caos dependerá da clareza de ideias e princípios que os negociadores de Londres levem consigo para a mesa das negociações. Do lado de Londres, a ansiedade por definir tudo (e já) pode prejudicar este processo negocial. Os britânicos querem negociar a saída da União Europeia e o pós-saída em simultâneo, mas, do lado de Bruxelas, a posição é outra: primeiro, há que definir em concreto os termos da saída; depois, então, se desenhará o modelo de relação que a União Europeia manterá com o Reino Unido. O relógio está a contar.
  4. Um Reino Unido à Suíça. Londres totalmente integrada no mercado único, fazendo parte da Associação Europeia de Livre Comércio e mantendo as relações comerciais com os Estados-membros da UE, ainda que estando do lado de fora. É a isso que a Noruega e a Suíça atualmente têm direito. Problema, sublinha o The Guardian, é que este modelo traz implicações para a livre circulação de bens, serviços, capitais — e pessoas. E May não é a maior fã do princípio da livre circulação de pessoas, por causa da imigração. Além disso, pressupõe ficar sob a jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça, precisamente um dos motivos que levou muitos dos “leavers” a votar pela saída.

May stays? (ou uma primeira-ministra a prazo)

As primeiras movimentações da primeira-ministra britânica dão a entender que May não está sequer a ponderar a ideia de abdicar da sua posição de liderança de um futuro Governo britânico. Ainda assim, várias vozes se levantaram para sugerir que, derrotada naquilo que era a sua pretensão com estas eleições, May pudesse vagar a cadeira do poder em Londres.

Quem defendeu isto? Desde logo, Corbyn. Ainda havia votos a ser contados e já o líder dos trabalhistas mostrava a May a porta de saída, para que desse lugar a “um Governo que seja verdadeiramente representativo deste país”. Corbyn lembrou que a primeira-ministra tinha forçado eleições “porque queria um mandato” mais forte para o diálogo externo, mas também interno.

Bom, o mandato que recebeu é o de menos lugares para os conservadores, votos perdidos, apoio e confiança perdidas”, disse o trabalhista, concluindo: “Eu pensaria que isto é suficiente para que ela realmente saísse”.

Também o líder dos liberal-democratas, Tim Farron, defendeu a demissão. Mas houve vozes dentro do próprio Governo que mostraram desconfiança sobre as condições de May para continuar à frente da equipa. No acompanhamento que fez dos resultados eleitorais, na madrugada desta quinta-feira, o Observador recuperou a informação do jornalista James Forsyth, da Spectator, segundo o qual “não há uma visão uniforme no governo sobre se May deve sair ou não”. “Uns pensam que ela falhou ao não conseguir ganhar um mandato nem uma maioria e devia demitir-se”, escrevia o jornalista. “Outros, no entanto, pensam que não há alternativa senão solidarizar-se com ela e argumentam que outra eleição seria ainda pior para o partido”, acrescenta. “Mas mesmo aqueles que pensam que May deve ficar estão conscientes de que agora vai ter de haver um processo de tomada de decisão coletivo e genuíno e uma mudança total do estilo” no governo, conclui o jornalista.

May, por seu lado, já reuniu com a Rainha de Inglaterra, de quem recebeu o mandato para formar Governo. A demissão parece estar fora dos planos da primeira-ministra britânica.

E no fim, haverá Brexit?

Recorda-se do quinto cenário de que falávamos há pouco? Aqui está ele. A ideia não é nova e nem sequer se trata de um produto nascido da ressaca da noite eleitoral. E se, no final, os britânicos voltassem a votar o Brexit? Déjà vu? Sim e não.

Na teoria, os eleitores estariam a votar uma saída do Reino Unido da União Europeia. Na prática, um segundo referendo já não seria sobre a saída, tout court, mas sobre a forma de saída. Explicamos: no final das negociações entre o Reino Unido e a União Europeia, os eleitores podem vir a ser convocados para pronunciar-se sobre o acordo, o documento que Londres e Bruxelas tenham acordado nos longos meses de negociações.

Um voto maioritariamente negativo a esse acordo mataria o Brexit? Não necessariamente. Mas, neste momento, e sem que os responsáveis europeus se tenham pronunciado sobre esta eventualidade, é cedo para avançar com ideias mais concretas sobre um segundo referendo ao Brexit.