O República Em Marcha (REM), aliado aos centristas do Modem, venceu com facilidade a primeira volta das eleições legislativas em França, preparando-se para, no próximo domingo, dia de segunda volta, conquistar uma das maiorias mais expressivas da política francesa. Depois de vencer as eleições presidenciais com dois terços dos votos, Emmanuel Macron pode estar perto de contar com um parlamento à medida das suas aspirações.

O sistema político francês determina que, apesar de ser designado pelo Presidente, o primeiro-ministro e a sua equipa têm de contar com o apoio da Assembleia Nacional. Agora que o órgão legislativo francês está em vias de ser pintado nas cores do República Em Marcha, a nomeação de um Governo macroniano não será problema, perante uma Assembleia Nacional onde a oposição poderá tornar-se meramente decorativa. Entre estes, destaca-se o Partido Socialista, que teve hoje o seu pior resultado numas eleições legislativas, depois de as ter vencido em 2012.

Segundo a projeção da Albe, o República Em Marcha deverá ter entre 415 e 445 deputados — o que, numa câmara que tem 577 assentos, significa um controlo de 72% a 77%. Em segundo lugar, deverão surgir Os Republicanos, com 80 a 100 deputados. Segue-se o PS, com 30 a 40; a França Insubmissa com 10 a 20; e a Frente Nacional, que deverá ter entre um e quatro deputados.

Cinco respostas para entender as eleições legislativas de domingo em França

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Oito meses, oito eleições — e a abstenção mais alta de sempre

Em todas as reações políticas, nenhum partido ignorou o facto de esta primeira volta ter tido a maior taxa de abstenção numas legislativas. Ao todo, cerca de 52% dos eleitores não tinham votado — um número alto para os padrões franceses e simbólico, já que é a primeira vez que este cruza a barreira dos 50%. Em dia de sol, praias cheias e final de Roland Garros, os franceses escolheram na sua maioria não ir às urnas.

Porém, a pesar na decisão de não ir votar estará ainda outro elemento que se soma aos anteriormente listados: se contarmos já com a segunda volta das legislativas, os franceses contarão com oito chamadas às urnas num espaço de oito meses. Tudo começou com as primárias da direita (duas voltas em novembro). Depois, houve as primárias da esquerda (duas voltas em janeiro). E, claro, as duas voltas das eleições presidenciais, em abril e maio. Por fim, as duas voltas das legislativas, neste mês de junho. Tudo o que é demais enjoa — e os franceses parecem estar com “fadiga eleitoral”.

“Vocês foram menos numerosos do que o foram a exprimir as vossas opiniões nas eleições presidenciais, depois de uma longa sequência política”, disse Edouard Philippe, o primeiro-ministro de Emmanuel Macron, que não falou depois de serem conhecidos os resultados deste domingo. “Apesar da abstenção, a mensagem dos franceses surgem sem ambiguidades”, disse. “Pela terceira vez consecutiva, vocês foram milhões a confirmar o vosso compromisso ao projeto de renovação, de reunião e de reconquista do Presidente da República.”

O tom foi, sem surpresa, menos positivo por parte das outras forças políticas. Do lado d’Os Republicanos, falou François Baroin, que disse que a abstenção “é prova das fraturas da sociedade francesa” e que “elas não serão esquecidas nem apagadas e muito menos ultrapassadas esta noite”. De seguida, em alusão à previsão de uma maioria absoluta do República Em Marcha, disse: “O nosso país espera ter poderes equilibrados e não concentrados num só partido”.

A falar pela Frente Nacional apareceu Marine Le Pen, que passou à segunda volta das eleições na 11ª circunscrição de Pas-de-Calais, ao ter conquistado 46% dos votos. Ainda assim, não deixou de apelar a uma participação eleitoral superior. “Uma forte mobilização poderá levar-nos à vitória em vários círculos eleitorais”, disse a líder da extrema-direita. “E essas vitórias são essenciais, porque Emmanuel Macron vai submeter-se à política de austeridade defendida pela senhora Merkel”, continuou. Mais à frente, disse que Os Republicanos e o República Em Marcha andam de “mãos dadas”.

Na extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon, da extrema-esquerda, desvalourizaram-se os resultados por força da abstenção. Depois de serem conhecidas as projeções, o líder da França Insubmissa disse que “não há maioria, neste país, para destruir o código de trabalho, reduzir as liberdades públicas, nem para a irresponsabilidade ecológica nem para bajular os ricos, tudo coisas que estão no programa do Presidente”.

Por fim, a reação do Partido Socialista, indiscutivelmente o maior derrotado desta noite. O primeiro secretário dos socialistas, Jean-Christophe Cambadélis, admitiu que as eleições deste domingo representaram um “recuo sem precedentes da esquerda, especial do PS”. E, de seguida, disse que está agora em causa “amplificação [da maioria do partido de Macron] ou do pluralismo”. “Porque se esta maioria absoluta for amplificada, ela será quase sem oposição real e teremos uma Assembleia Nacional sem verdadeiro poder controlo”, disse. “A nossa democracia não se pode permitir a esta doença.”

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Os números que os resultados escondem — e que não convêm a Macron

Se as sondagens e as previsões se confirmarem, Emmanuel Macron terá, além da presidência, uma das mais amplas maioras absolutas da história da Assembleia Nacional francesa. Maior, só aquela que a RPR e a UDF, ambas da direita, conquistaram em 1993 — um total de 472 deputados em 577 —, nos últimos anos de François Mitterand, de esquerda. Agora, Emmanuel Macron poderá ter uma maioria ampla e a seu gosto.

Mas há números, e também dados, que demonstram que o que se passou — e o que poderá estar prestes a passar-se — está longe de ser uma vitória em toda a linha de Emmanuel Macron. Aqui, vale olhar para os detalhes.

Primeiro, a abstenção. Mais do que serem as eleições legislativas com maior taxa de abstenção, estas são as eleições a nível nacional menos participadas de sempre na história da V República francesa — a exceção são as eleições para o Parlamento Europeu, onde o nível de participação está abaixo 50% desde 1999.

Depois, o facto de os 32% conquistados pelo República Em Marcha, coligado ao Modem, ser também um número historicamente baixo. É que, até hoje, um Presidente da República nunca tinha obtido uma percentagem tão baixa numas legislativas logo depois de ser eleito para liderar o país.

Por fim, a distorção entre aquilo que os votos indicam e aquilo que as projeções apontam. Por obra e graça do sistema uninominal a duas voltas, e ajudados pelo facto de a oposição estar mais fragmentada do que nunca, Emmanuel Macron e o República Em Marcha estão vias de conquistar mais de dois terços da Assembleia Nacional — mesmo quando, olhando para os resultados da primeira volta, tenham conquistado apenas um terço dos votos.