Como representante do partido das Pessoas, Animais e Natureza, tem feito do tema da gestão das florestas uma das suas principais bandeiras. Numa curta entrevista ao Observador, no rescaldo da tragédia de Pedrógão Grande, André Silva alerta para a falta de investimento na prevenção, em detrimento do investimento nos meios de combate. E reforça que, enquanto a legislação for favorável à plantação de eucaliptos, não há prevenção que seja suficiente. “Temos de fazer algo que é um pouco avesso à classe política, que é pensar a longo prazo”, diz.

O deputado do PAN defende ainda a necessidade de criar “faixas de segurança” em torno das povoações, sem vegetação dita incendiária, assim como defende a criação de uma equipa robusta com as mesmas pessoas que, no verão, estão no terreno no combate aos fogos, e, no outono e inverno, estão a repensar o que faz falta para os anos seguintes. Sobre o Plano Nacional Contra Incêndios, que foi criado em 2006 e que ainda está em vigor embora sem monitorização, André Silva diz ser “insuficiente”. “É preciso adequar os planos à realidade das alterações climáticas”, nota.

Começo pelo mais imediato: o que é que tem sido feito em termos de políticas agrícolas para prevenir os incêndios?
O que tem sido feito são grupos de trabalho vários onde muitas das conclusões já foram tiradas. Falta é dar consequência aos resultados destes grupos de trabalho, dar ouvidos a quem realmente percebe de florestas.

Mas que conclusões têm sido tiradas?
Que tem havido acima de tudo um desinvestimento na prevenção em detrimento de uma política de esbanjamento de dinheiro na aquisição de meios que supostamente reforçam o combate. Os serviços florestais são praticamente inexistentes, houve um desmantelamento quase total dos serviços florestais, além de que é preciso, por outro lado, reduzir a carga de vegetação e criar faixas de segurança em torno das habitações. Há toda uma prevenção que é preciso ser feita no terreno durante o outono e o inverno, antes das épocas de incêndio.

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E nada disso está a ser feito?
Não. Se conseguirmos criar essas faixas de segurança em torno dos povoados, das habitações, é muito mais fácil para os bombeiros conseguirem estar a combater os fogos nas florestas porque, em teoria, as populações estarão mais protegidas. O que os estudos e os relatórios têm indicado é que tem havido uma ausência de aposta no ordenamento da floresta. Opta-se por um modelo mais produtivista de monocultura intensiva de plantas que são, no fundo, incendiárias. A isso veio ajudar a lei recentemente publicada que permite aprovações mais facilitadas e arbitrárias de plantações como pinheiros e eucaliptos, que assentam em pressupostos económicos e de mercado.

Então, se todos os estudos e trabalho parlamentar apontam nesse sentido, porque é que não tem sido seguido esse caminho? Por falta de dinheiro?
Porque tem sido uma aposta política errada dos sucessivos governos apostar sucessivamente em meios de combate ao invés de apostar na prevenção. A disponibilidade financeira gasta em prevenção é significativamente mais reduzida do que aquilo que é apostado nos meios de combate. Deve-se alterar esta forma de pensar e de agir. Depois, há um ordenamento da floresta que privilegia as monoculturas intensivas de plantas que não são autóctones, em detrimento da nossa mata autóctone que é em si mesma muito mais resistente aos incêndios.

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“Se a pergunta é se as medidas que estão em cima da mesa vêm ajudar a prevenção? Claro que sim. Não já, mas a médio prazo. Temos de fazer algo que é um pouco avesso à classe política, que é pensar a longo prazo.”

Está a falar dos eucaliptos?
Dos eucaliptos e dos pinheiros, sobretudo, em detrimento da nossa floresta autóctone. Mas é preciso também reformar o sistema de combate aos incêndios em função das alterações climáticas. Porque a realidade de hoje não é a mesma de há dez anos. Não faz sentido que o sistema de resposta aos incêndios não seja flexível. As nossas épocas de incêndios estão balizadas num determinado calendário, estando a época mais crítica marcada para começar a 1 de julho, e verificamos ano após anos que há um adiantar dos focos de incêndios e das perdas ecológicas e materiais. Tudo porque o sistema não está flexível para lidar com o fenómeno das alterações climáticas. E também, por outro lado, há a falta de integração entre o combate e a prevenção. Há um desfasamento entre quem faz fiscalização e prevenção, e quem faz combate. Não são as mesmas pessoas, e do nosso ponto de vista devia haver uma estrutura mais robusta constituída por vários agentes, nomeadamente sapadores florestais, bombeiros, militares, que sejam os mesmos que no verão combatem as chamas e no inverno estão a fazer a prevenção. Uma estrutura organizada que deveria funcionar de outra forma.

O PAN tem questionado o Governo sobre estas matérias. Que respostas tem tido?
Temos previsto ao nível do Orçamento do Estado algumas matérias relativas à questão da limpeza de matas, para por exemplo poderem ser dedutíveis em sede de IRS, mas as propostas não foram até agora acolhidas. Procuramos também nos últimos Orçamentos do Estado um reforço significativo — sério, e não cosmético — do número de vigilantes da natureza, que fazem precisamente a prevenção e a fiscalização de incêndios, e que foram rejeitadas pelo Governo.

No ano passado houve um aumento de 20 vigilantes e o PAN falava de muito mais, à volta de 200, no mínimo.
Não tenho presente o número mas diria até que eram mais, as necessidades apontavam segundo as nossas contas para mais cerca de 300 ou 400 operacionais do que os já existentes. Isso sim faria diferença. Já para não falar nas carreiras dos guardas florestais que, por este andar, podem ser extintas.

No ano passado o Governo esteve reunido num Conselho de Ministros focado no tema das florestas, em que aprovou 12 propostas de lei. Acontece que a maior parte ainda está no Parlamento a fazer o seu caminho legislativo. A aprovação dessas propostas faz de facto alguma diferença? Estamos a falar de propostas como a criação de um banco público de terras agrícolas, de um sistema de informação cadastral e atualização dos registos de terras, de benefícios fiscais para entidades de gestão florestal, etc.
Atenção que essas medidas foram apenas debatidas há dois meses. E digo “apenas” porque mesmo que tivessem sido aprovadas na altura sem qualquer tipo de debate adicional, ou audições, elas estariam ainda neste momento a fazer o seu caminho de aprovação final, e portanto não estariam ainda a dar resultados imediatos. Mas se a pergunta é se as medidas que estão em cima da mesa vêm ajudar a prevenção? Claro que sim. Não já, mas a médio prazo. Temos de fazer algo que é um pouco avesso à classe política, que é pensar a longo prazo. Que floresta queremos? Que tipo de plantas e de ordenamento de território pretendemos, de forma a que seja possível mitigarmos aos máximo os focos de incêndio? O paradigma de gestão da floresta nas últimas décadas tem sido quase exclusivamente feito do ponto de vista do mercado, do ponto de vista económico, e não da salvaguarda dos ecossistemas, da biodiversidade, da flora e da fauna, da saúde e da segurança das populações.

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“Tem havido algum desleixo, pouca intervenção e pouco ênfase na prevenção, e muito mais no investimento aos meios de combate”

O que é concretamente esse ponto de vista económico, de mercado, a que diz que está a ser dada prioridade?
As preocupações de matéria legislativa prendem-se acima de tudo com o facilitar a plantação de eucaliptos e de pinho para motivos comerciais. Há todo um pacote legislativo que facilita em demasia estas plantações, e que baixa critérios de plantação deste tipo de floresta, e não há mecanismos de prevenção robusta relativamente às povoações. O que se está a passar hoje em Pedrógão, e em todo o país, é que temos uma série de aldeias e comunidades que estão completamente rodeadas de pinhal e eucaliptal. No mínimo, tem de existir lei e financiamento que obrigue à criação de faixas de segurança, de redução significativa de carga vegetal, para que o fogo nunca chegue nestas condições às povoações. Isto tem de ser claramente uma prioridade e um imperativo. Este aspeto nem sequer consta hoje na lei, nem como um mero pormenor. E como é que isso se faz? Ou pela redução da carga vegetal, fazendo essas faixas de segurança, e, ou, plantando floresta autóctone em torno das povoações para evitar estas tragédias.

Acha que mesmo assim é possível mudar o paradigma com as leis já existentes ou é preciso ir muito para além do que está em cima da mesa e tem sido falado até agora?
É preciso ir muito para além disso. É preciso dar ouvidos a quem percebe de floresta, é preciso acima de tudo investir na prevenção muito mais do que no combate. E o que tem sido feito nos últimos anos é uma aposta orçamental no combate em vez de na prevenção. A prevenção passa por tudo isto que aqui falámos. Os interesses do mercado têm também de se ajustar aos interesses do bem comum e têm de manter as pessoas e os ecossistemas em segurança.

O dinheiro destinado à defesa da floresta e ao combate aos fogos é o mesmo? Ou seja, é preciso tirar de um lado para pôr no outro?
Penso que é preciso reequilibrar a balança nesse sentido, e fazer aqui um ajuste entre as dotações que vão para um lado e para o outro. Mas é preciso ver que o dinheiro que está a ser alocado não é suficiente e que é preciso haver um investimento do Estado a longo prazo em matéria de prevenção. Ou seja, tem de haver um maior investimento no ordenamento de prevenção da floresta. Dir-me-á que isso vai aumentar consideravelmente os orçamentos dos próximos anos, claro que sim. Mas temos de ter em linha de conta o dinheiro que é todos os anos despendido no combate. Se fizermos as contas às verbas que foram gastas nos últimos anos no combate aos incêndios, essas verbas seriam com certeza suficientes para investir em prevenção, e teriam certamente evitado alguns dos incêndios que têm acontecido ao longo dos últimos anos.

Há pelo menos quatro anos que não é feita qualquer monitorização ao Plano Nacional Contra Incêndios, o que é que está a falhar? E porque é que é importante esta monitorização?
A monitorização é importante na medida em que é preciso perceber o estado do plano em cada momento e perceber se é preciso fazer ajustes, como em qualquer plano. Obviamente que um plano de defesa da floresta e combate aos incêndios precisa de revisões. Isto prova que tem havido algum desleixo, pouca intervenção e pouco ênfase na prevenção, e muito mais no investimento aos meios de combate.

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“A partir do momento em que é possível eucaliptar Portugal; a partir do momento em que é legalmente possível reverter toda a floresta autóctone; a partir do momento em que não é obrigatório existirem faixas de segurança; a partir do momento em que não há integração entre as equipas de prevenção e de combate, toda a prevenção é insuficiente”

Estamos mesmo assim a falar de um Plano já bastante antigo, de 2006. Ainda está adequado?
Este plano foi elaborado no seguimento dos incêndios de 2003, foi aprovado em 2006, e continha várias metas ambiciosas. Iria revolucionar a prevenção e a forma de combate, previa uma equipa conjunta, uma nova reorganização de prevenção, entre outras coisas. Mas houve uma série de questões que acabaram por ficar pelo caminho e que não foram adotadas. É isto que tem de ser novamente avaliado. Tem de se perceber se essas medidas que já estavam previstas no plano fazem, fizeram, estão ou não estão a fazer falta, e se as medidas que foram aprovadas no plano estão a fazer o seu caminho, e quais são as omissões que é preciso preencher.

Conforme está desenhado este plano acha que é suficiente? Mesmo se fosse cumprido na íntegra era suficiente?
Diria que não, por uma razão simples: a partir do momento em que é possível eucaliptar Portugal; a partir do momento em que é legalmente possível reverter toda a floresta autóctone e passarmos a ter a maior mancha de floresta de eucalipto; a partir do momento em que não é obrigatório existirem faixas de segurança; a partir do momento em que não há integração entre as equipas de prevenção e de combate, é insuficiente, claramente. Há vários aspetos que precisam de ser novamente repensados para que isto tenha consequência. O simples facto de termos um calendário com datas fixas, como é o caso da fase mais crítica que se inicia no dia 1 de julho, isso não faz mais sentido nos dias de hoje. Há um conjunto de padrões que antes faziam sentido e que hoje, muito por culpa das alterações climáticas, não fazem mais sentido.

O PAN vai avançar com alguma iniciativa legislativa na sequência deste caso de Pedrógão Grande?
Iremos fazer algumas questões, mas não é agora o momento para as colocar. Este é um momento de pesar, de estarmos todos unidos e resolvermos os problemas imediatos. É esse o espírito com que estamos, mas iremos nos próximos dias colocar algumas questões que devem ser colocadas e pensar em iniciativas legislativas. Mas acima de tudo a nossa grande preocupação é que os resultados dos grupos de trabalho tenham realmente consequências e seguimento.

O deputado André Silva faz parte do último grupo de trabalho criado no final do verão passado para o acompanhamento da temática dos incêndios florestais. O que é que tem sido feito?
Avaliações dos relatórios e das conclusões dos anos anteriores, feitas audições para se chegar a uma conclusão acerca do que tem falhado e do que é preciso implementar.

Já estão em condições para tirar essas conclusões?
Teremos condições para concluir nas próximas semanas, não diria dias, mas até ao fim desta sessão legislativa temos de ter condições para tirar conclusões.