Muito tem sido dito mas nem sempre muito tem sido feito. Quando há uma época de incêndios, Governos e oposições multiplicam declarações sobre o que tem sido realizado e o que falta fazer. O Parlamento organiza grupos de trabalho para estudar a “problemática dos incêndios” (o último foi criado no final do verão do ano passado), fazem-se relatórios e ouvem-se especialistas.

O Governo anterior, do PSD e CDS, sob a alçada da ministra da Agricultura Assunção Cristas avançou com um protocolo que visava empregar na limpeza e vigilância das florestas desempregados de longa duração, e na última campanha eleitoral, em setembro, António Costa sugeriu que o mesmo acontecesse com os refugiados que Portugal estava prestes a acolher.

Entre passa-culpas e propostas de solução para o problema dos incêndios florestais, eis algumas das principais declarações que foram sendo feitas nos últimos anos.

2017… 2017… eu se fosse um pouco consciente fugia. Foi floresta que ardeu no inverno com chuva que não apareceu, mas é o tempo que temos.” Jorge Gomes, secretário de Estado da Administração Interna, maio de 2017

O homem que esteve na frente de combate e que começou a dar a cara pelo Governo nos momentos mais difíceis do incêndio em Pedrógão Grande, afinal, não fugiu. Jorge Gomes reconhecia, apenas há um mês, no Algarve, durante a apresentação do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais, que os níveis de incêndios florestais já eram alarmantes: “Já estamos com 4.848 ignições e 13 mil hectares de área ardida”, revelou o secretário de Estado da Administração Interna, citado pela TSF.

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Este ano, antes daquilo a que infelizmente se convencionou como época de incêndios, vamos ter 20 novas equipas de sapadores florestais no terreno.” Capoulas Santos, março de 2017

Na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros dedicado à floresta, em março de 2017, o ministro da Agricultura, Capoulas Santos, prometeu 20 novas equipas de sapadores e o reequipamento de 44 equipas de sapadores florestais. “Naturalmente que ao reforço de competências, acrescerá certamente o reforço de meios financeiros”, disse. E as equipas foram de facto reforçadas.

O Sr. ministro será responsável por proibir novas plantações de eucaliptos, por secundarizar o papel das associações florestais, limitar o crescimento deste setor e de empobrecer o mundo rural”, com esta acusação, o deputado do PSD Nuno Serra fez “um apelo” ao Presidente da República para que “possa garantir que este tão importante setor para Portugal não possa ser destruído”. Nuno Serra, do PSD no debate parlamentar 20 de abril de 2017

Esta reação do PSD, pela voz de Nuno Serra, criticava o pacote de propostas para a reforma florestal apresentado pelo Governo no Parlamento, a 20 de abril. As novas regras para o cultivo de eucaliptos — que ainda estão no Parlamento à espera de ser aprovadas — mereceram críticas à direita e também à esquerda, com o partido ecologista Os Verdes a questionar “onde ficou a coragem política” para “travar a expansão do eucalipto?”

Quando fui responsável pela reforma que foi feita, deixei bem claro que este esforço enorme que a Administração Interna iria fazer era para criar condições para a reforma da floresta, visava comprar tempo para que essa reforma fosse feita. Devo dizer que fico chocado, dez anos depois, por verificar que essa reforma não foi feita”. António Costa, agosto de 2016

António Costa teve a tutela da Administração Interna entre 2005 e 2007, quando o plano de proteção da florestal foi discutido pelo Governo de José Sócrates. Foi assim que o agora primeiro-ministro justificou, no verão passado, as opções que fez enquanto ministro. Nessa época foi criticado por ter dado prioridade ao investimento público na aquisição de meios aéreos em vez de privilegiar a prevenção. Foi quando António Costa liderou o MAI que foi aprovado o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra os Incêndios, que começou por ser encarado como revolucionário, mas que acabou por ficar aquém das intenções iniciais. O plano era 2016-2018, devendo ser monitorizado a cada biénio, mas desde 2009/2010 que não se conhece relatório de avaliação.

[Vamos] tratar, de uma vez por todas, da prevenção estrutural e de fazer a reforma da nossa floresta”. Constança Urbano de Sousa, agosto de 2016

O ano passado, na sequência dos fogos do verão, a ministra da Administração Interna anunciou a criação de um grupo interministerial — que envolvia sete ministérios, das Finanças, Defesa Nacional, Administração Interna, Justiça, Economia, Ambiente e Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural. Era esse grupo de trabalho que ia fazer o que nunca foi feito: tratar, de uma vez por todas, da prevenção estrutural e da reforma da floresta.

É a falta de prevenção que faz que se gaste tanto dinheiro no combate aos incêndios, o que é fruto de opções erradas tomadas no passado (…) É preciso reforçar os poderes dos municípios e pôr termo à liberalização da forma como têm sido feitas as plantações, para que o país tenha uma floresta mais ordenada, mais sustentável”. António Costa, agosto de 2016

Ainda no rescaldo dos incêndios do ano passado, o primeiro-ministro anunciou que iria haver um Conselho de Ministros extraordinário, em outubro, para debater “a verdadeira reforma das florestas, que passaria pela prevenção — pilar que, segundo disse, estava a falhar por políticas erradas de governos anteriores. “É necessário que se passe a investir na prevenção e é isso que vai passar a ser feito”, afirmou.

Temos também que rever o nosso sistema de propriedade, porque, se as pessoas abandonam as suas terras e não têm interesse nelas, deveremos encontrar uma solução para haver uma utilização comunitária [desses terrenos]” Constança Urbano de Sousa, agosto 2016

No verão em que arderam em Portugal 93 mil hectares de floresta, fazendo de Portugal responsável por perto de metade do total da área ardida na União Europeia, a ministra da Administração Interna comentava uma notícia do Expresso sobre a transferência de terras abandonadas para as autarquias. A medida acabou por ser vertida em proposta de lei, e passa não por nacionalizar as terras abandonadas mas por retirar a posse dos terrenos aos donos que as abandonaram.

Cada vez que se agudiza a problemática dos incêndios florestais em Portugal, volta a lembrar-se a necessidade de fazer o cadastro rústico, como elemento fundamental para uma adequada gestão florestal. A realização do cadastro rústico é fundamental para o conhecimento real da propriedade rústica em Portugal e será um elemento importante para o estímulo à produção nacional, necessária para garantir a nossa soberania alimentar. A falta de concretização do cadastro rústico em Portugal só se deve à falta de determinação política de sucessivos governos, nomeadamente por não terem disponibilizado os 700 milhões de euros que se calcula poder custar a sua realização”. João Ramos, do PCP, no debate parlamentar de outubro, 2016

Esta foi a reação do PCP, a 21 de outubro de 2016, defendendo no Parlamento medidas para a concretização do cadastro rústico em Portugal, um tema que tem estado em cima da mesa nos últimos anos.

O PSD aguardou um ano, o Governo limitou-se a criar um grupo de trabalho e não quer abdicar do modelo vigente. Consideramos imprescindível tomar esta iniciativa”. Jorge Moreira da Silva, PSD, setembro de 2016

A proposta esteve a ser preparada pelo anterior Governo PSD/CDS, mas não chegou a concretizar-se por Passos ter receado estar demasiado perto das eleições. Avançou depois, passado um ano na oposição. “O PSD aguardou um ano, o Governo limitou-se a criar um grupo de trabalho e não quer abdicar do modelo vigente. Consideramos imprescindível tomar esta iniciativa”, disse Jorge Moreira da Silva, ex-ministro do Ambiente, à margem de umas jornadas parlamentares do partido. Em causa estava um projeto de lei para alterar a forma de fazer o cadastro dos terrenos rústicos, passando a integrar as três áreas da informação das propriedades (fiscal, registral e geométrica). A elaboração desse cadastro deixaria assim de ser um exclusivo do Estado e podia ser feito por profissionais credenciados, que podiam ser privados. A proposta, no entanto, acabou por não ter seguimento na Assembleia da República, prevalecendo o pacote legislativo apresentado pelo Governo.

Quando vejo o estado em que está a nossa floresta, e em que vejo os proprietários ou autarcas da zona do pinhal, do interior, a queixarem-se da falta de mão de obra para fazer a manutenção do pinhal, vejo: Mas está aqui tanta população que está habituada a trabalho agrícola, que tem capacidade de trabalhar nesta floresta, porque é que não criamos aqui uma oportunidade de vida para estas pessoas.” António Costa, na campanha de setembro de 2015

Em plena campanha eleitoral, no final do verão de 2015, e pronunciando-se sobre a situação dos refugiados que todos os dias por essa altura tentavam chegar à Europa para escapar aos conflitos, António Costa defendeu que o país tinha aí “uma grande oportunidade de recuperar património abandonado, de criar uma nova oportunidade de vida para estas pessoas e uma melhor forma de desenvolver o nosso território” integrando os refugiados nas zonas mais desertificadas. Isso seria, por arrasto, uma vantagem também para a limpeza das matas e prevenção de incêndios. A declaração do candidato gerou polémica.

Estamos aqui no coração das ações de prevenção que tem uma importância grande na altura mais crítica dos fogos, uma vez que contribui, se não elimina, de uma forma significativa, os efeitos e as consequências dos fogos florestais.” Miguel Macedo, PSD, então ministro da Administração Interna, em maio de 2014

“Isto mostra que é possível criar uma rede por todo o país que ajude a criar uma cultura de colaboração ativa com soluções que permitam valorizar a floresta” Assunção Cristas, então ministra da Agricltura, em maio 2014

Em maio de 2014, Assunção Cristas (então ministra da Agricultura) e Miguel Macedo (que era ministro da Administração Interna) defenderam o protocolo “Trabalho Social pelas Florestas”, através do qual o Governo pôs desempregados e beneficiários do Rendimento Social de Inserção a limpar e vigiar as florestas do País. O protocolo foi sendo sucessivamente assinado ao longo dos anos do anterior Governo.

A prevenção deve ser feita ao longo do ano, a limpeza de todos os espaços não é cumprida devidamente. Isso tem de acontecer sob pena de um grande património que temos – o espaço florestal – acabe por perder-se porque não há condições de preservar-se”. Pedro Passos Coelho, como primeiro-ministro, em 2013

Também o ano de 2013 foi marcado pela morte de bombeiros nos incêndios do verão, e nesse contexto Pedro Passos Coelho reforçou a importância de se apostar na limpeza das florestas em Portugal. “A prevenção deve ser feita ao longo do ano, a limpeza de todos os espaços, não é cumprida devidamente”, acusou o primeiro-ministro, considerando que isso tem de acontecer “sob pena de um grande património que temos – o espaço florestal – acabe por perder-se porque não há condições de preservar-se”.

O Governo fará o indispensável cadastro florestal e empenhar-se-á na criação de um mecanismo de segurança e de gestão de riscos, com o apoio da UE e em conjunto com as seguradoras, para reduzir substancialmente os riscos de incêndios florestais”. Programa de Governo do PSD, em 2011

“Intensificar os esforços ao nível da defesa da floresta contra incêndios, nomeadamente ao nível da sensibilização e da execução das redes primárias e de faixas de gestão de combustível na defesa da floresta contra incêndios, concluindo até 2019 as localizadas em áreas públicas ou sob gestão do ICNF”. Programa eleitoral PSD/CDS, em 2015

“Relativamente à valorização dos recursos florestais, as orientações fundamentais compreendem: o reforço do ordenamento florestal e da produtividade das principais fileiras silvo-industriais, o apoio à melhoria das organizações de produtores e da gestão interprofissional, bem como a primazia da proteção da floresta face aos incêndios e aos agentes bióticos nocivos”. E “promover a progressiva elaboração do Cadastro da Propriedade Rústica, nomeadamente nos territórios sob gestão das ZIF [Zonas de Intervenção Florestal]”. Programa eleitoral do PS em 2015

Os vários programas de Governo do PS, PSD e coligação PSD/CDS (em 2015 e 2011) referem a temática dos incêndios sob a perspetiva de agir na prevenção.

A floresta é importante demais para que nos resignemos à ideia de que o nosso dever é apenas combater os incêndios no verão, queremos ir mais além, mobilizando todos e desenvolvendo formas inovadoras de prevenir e de combater os incêndios”. José Sócrates, verão de 2005

Também em 2005, um ano marcado por incêndios — era António Costa o ministro da Administração Interna — o então primeiro-ministro José Sócrates falou no problema dos incêndios como “um problema central para a economia portuguesa”.