“Que coisa linda, linda, linda. É uma maravilha, é ou não é?”. Sousa Cintra estava a poucos dias do final do terceiro mandato como presidente do Sporting. Aquele que seria o último, seis anos depois de ter tomado posse. Mas queria deixar obra feita, algo que ficasse. E não parava de falar com os sócios presentes em frente à bancada central do antigo estádio, feliz como um miúdo. Assim nasceu a ideia do leão que hoje foi reinaugurado na rotunda Visconde de Alvalade, junto ao novo pavilhão. Estávamos em 1995 e poucos poderiam imaginar a história que a obra teria ao longo de 22 anos, altura em que voltou a atravessar o rio Tejo de regresso a Lisboa depois de ter passado os últimos anos na Academia, em Alcochete.

A pedra para o leão ser esculpido foi doada por um sócio de longa data ligado a esse ramo de atividade. A primeira, neste caso: a coisa não correu nada bem na tentativa inicial. “Parece um gato”, queixou-se o presidente do Sporting. E lá veio uma segunda pedra, desta vez com o resultado desejado que perdurou até aos dias que correm. Mas a obra não podia ser apenas o leão. E foi essa parte que levou o caso para… as capas de jornais.

Nessa altura, Sousa Cintra avançou que tinha oferecido o leão ao Sporting, frase que foi muita contestada e levantou agitação na comunicação social da altura. Depois, o líder verde e branco lá se explicou: “Fui eu que mandei fazer e não estou arrependido. Já não me lembro de quanto custou, mas não fui eu que a paguei. Ofereci uma, mas a que estava no interior do estádio”, afiançou. Mas, afinal, quanto custou a obra? Na verdade, nunca ninguém percebeu bem. Mas custou, em termos práticos, zero. Porquê?

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Durante o ano em que esteve no comando do clube, entre 1988 e 1989, Jorge Gonçalves tinha vendido a uma construtora propriedade de Mateus Marques um lote de terrenos junto ao local onde fica hoje o interface do Campo Grande. Mais tarde, e com outros dirigentes que conheciam bem o preço por metro quadrado em Lisboa, os responsáveis leoninos recusaram-se a assinar a escritura porque consideravam que os 250 mil contos acordados na altura ficavam muito abaixo do valor de mercado. Foi aí que se formou uma comissão independente de três pessoas indicadas por ambas as partes para se perceber, ao certo, de quanto se falava. E o montante apurado passou dos 250 mil para os… 700 mil contos.

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Mateus Marques concordou com as conclusões, mas ficou negociado que pagaria apenas 450 mil contos em dinheiro, ficando o resto contabilizado em apartamentos no valor remanescente no edifício que iria construir no local. Mas, nessa altura, havia duas obras pensadas no clube: um novo Museu (inaugurado em fevereiro de 1994 por Mário Soares, então Presidente da República) e o tal leão em frente à bancada central do antigo estádio José Alvalade. O montante das intervenções em falta – entretanto tinha sido feita uma campanha de angariação de fundos junto de sócios e adeptos para a reformulação, remodelação e melhoramento do Museu – foi amortizado nesse acordo que tinha sido alcançado por causa dos terrenos.

A intervenção ainda demorou algum tempo porque, além de uma plataforma mais alta para a colocação do leão, teve também de esperar-se pela chegada dos azulejos do estrangeiro (aquela cor de verde não havia na altura no país) para concluir as quedas de água que ladeavam a estátua. A obra perdurou, ali foi celebrada também a conquista do Campeonato Nacional de 2000 após um longo jejum de 18 anos sem títulos, até à demolição do antigo recinto para o nascimento do atual estádio José Alvalade, inaugurado em agosto de 2003. E o leão, o que aconteceu? Andou perdido.

Durante vários anos, a estátua esteve arrumada na Academia, escondida de tudo e todos. Até que, em 2011, os responsáveis do Sporting decidiram reaproveitar a obra, que passou a estar à vista de todos junto ao campo principal do centro de estágios e formação do conjunto verde e branco. Aí ficou até segunda-feira, quando foi colocado numa carrinha devidamente acomodada e tapada para atravessar o rio Tejo e regressar a Alvalade, o verdadeiro local de nascimento. 22 anos depois.

Em 1995, a estátua tinha apenas uma mensagem gravada. “Monumento ao Sporting Clube de Portugal. Homenagem aos sócios, atletas e dirigentes de todos os tempos mandado construir pela direção presidida por José de Sousa Cintra”. Agora, além das quatro palavras do lema do clube (esforço, dedicação, devoção e glória), estão duas frases, uma delas de Bruno de Carvalho, o atual presidente: “O talento é necessário, mas só com muito trabalho diário, superação constante, vontade, atitude e compromisso com os objetivos do clube é que se formam campeões”. A célebre “Queremos que o Sporting seja um grande clube, tão grande como os maiores da Europa”, frase do fundador José Alvalade, também está presente.