O Governo anunciou, esta quinta-feira, que o período crítico de incêndios vigora de 22 de junho a 30 de setembro. O lançamento de balões com mecha acesa e foguetes está, por isso, proibido na noite de São João em todo o país. A PSP do Porto já anunciou que vai fazer fiscalização durante os festejos. Mas há autarquias do Grande Porto que querem proibições permanentes no futuro.

Com os mais graves incêndios da história recente portuguesa, que já causaram a morte a 64 pessoas, o Governo resolveu antecipar, pela primeira vez em mais de uma década, o período crítico de incêndio — habitualmente marcado para 1 de julho. Com o risco elevado, quem for apanhado a lançar balões de mecha acesa ou foguetes pode ter de pagar coimas entre 140 euros e 5.000 euros, no caso de pessoa singular. Se se tratarem de eventos organizados por pessoas coletivas, as multas sobem para valores entre 800 euros e 60.000 euros.

Há autarquias, contudo, que querem que esta proibição seja permanente. Municípios como Vila Nova de Gaia, Valongo e Gondomar querem proibir o lançamento de balões, como é o caso de Gondomar, ou, pelo menos, proibir um certo tipo de balões mais perigoso, no caso de Gaia. “Nos últimos anos houve um aumento brutal de venda de balões que não são os tradicionais que nós adorávamos, que subiam até uma certa altura e depois caiam”, explica ao Observador Eduardo Vítor Rodrigues, autarca socialista de Gaia. “Estes agora feitos na China e na Índia são vendidos a preço muito baixo e a acendalha, ou pavio, é enorme, o que faz com que o balão se aguente no ar durante mais tempo, subindo a alturas muito superiores e indo para além do limite do concelho.”

O aumento do lançamento de balões para o céu e o seu alcance cada vez maior vai fazer com que o espaço aéreo do Porto tenha de ser encerrado, entre as 21h45 do dia 23 e a 01h do dia 24 de junho, de modo a não colocar os aviões em perigo.

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Suspensão de voos no Porto no São João decorre de “perigo” face a “aumento exponencial” de balões

A decisão foi tomada na semana passada, após uma reunião entre a Associação Nacional da Aviação Civil (NAC), a NAV (Navegação Aérea), a ANA – Aeroportos de Portugal, as câmaras de Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Gaia, Vila do Conde e a Autoridade Nacional da Proteção Civil. “Já não havia tempo para grandes medidas de caráter duradouro e estrutural, tínhamos era de atacar rapidamente e não havia muito mais a fazer que não fosse criar um corredor horário de proteção, antes e depois do fogo de artifício, que é quando se lançam mais balões.” No entanto, Eduardo Vítor Rodrigues admite que vai tentar levar a Assembleia da República a discutir uma lei que regule o tipo de balões que podem ser vendidos em Portugal.

“O fundamental não é proibir os balões, é proibir de acordo com um regulamento. Senão, mais dia menos dia vamos ter um grande azar, seja com um incêndio ou um avião”, acrescenta o autarca, que tem colocado a proteção civil municipal espalhada pelo concelho para evitar incêndios de maior. “Os fenómenos são curtos e não são noticiados, mas os balões caem em cima de carros, de casas, de matas…” Na reunião com a ANAC, Gaia lembrou mesmo que as autoridades já tiveram de evacuar um lar de idosos devido a um incêndio nas proximidades.

Gondomar, que tem uma área verde considerável, quer ir mais longe e proibir de vez a tradição do lançamento de balões de fogo. Os municípios não podem proibir a venda de artigos, pelo que a solução que sugerem ao Governo é que o período crítico de incêndios comece a ser decretado mais cedo do que o habitual dia 1 de julho. “O que impediria do ponto de vista legal a venda e o lançamento de balões de São João”, como acontece este ano, explica Paulo Silva, do gabinete de comunicação da Câmara de Gondomar.

Até porque Marco Martins, o autarca de Gondomar, também é bombeiro voluntário e “já foi chamado em vários incêndios em noites de São João”, recorda Paulo Silva. O responsável lembra, contudo, que o concelho mais afetado é Gaia, por causa dos ventos que vêm de norte e empurram os milhares de balões lançados no Porto. “Mas Gondomar também é muito afetado. Ainda no ano passado foram oito os incêndios iniciados na noite de 23 para 24 de junho: sete florestais e um num contentor de lixo”.

Dados fonecidos pela Câmara de Valongo. Há um pico de ocorrências na noite de São João, entre incêndios e outras solicitações.

“Faz pouco sentido haver uma campanha que diz ‘Portugal sem incêndios depende de todos’ e durante um dia esquecer-se o problema em nome da tradição”, diz ao Observador o também socialista José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara de Valongo. Numa declaração escrita, o autarca lembra que, no distrito do Porto, o concelho de Valongo “é um dos que apresenta maior risco de incêndios florestais devido às especificidades do seu território” e que, com o São João se festeja quase sempre em dias meteorologicamente favoráveis à progressão de incêndios, “o lançamento e mesma a venda deste tipo de artefatos deveriam ser proibidos“.

“Os balões atingem áreas florestais do concelho de Valongo, provocando ignições nos locais onde caem. Já houve anos em que mal se apagava uma ignição, já estavam outros balões a cair…”, diz José Manuel Ribeiro.

O autarca lembra ainda que, para além do perigo dos incêndios e das suas consequências diretas, o lançamento dos balões incandescentes na noite de S. João “priva muita gente – bombeiros, AFOCELCA, sapadores florestais – de celebrar esta festa convenientemente”.

O gabinete de comunicação da Câmara do Porto refere apenas “cinco pequenos focos urbanos” na cidade, na noite de São João do ano passado, sem, contudo, estarem apuradas as causas. “O que poderemos dizer é que se tem registado um número crescente de lançamento espontâneo de balões no Porto“, refere o mesmo gabinete, afirmando que essa subida “não tem correspondido a um aumento de incêndios” no Porto.

O Observador tentou obter junto da Proteção Civil o número de ocorrências de incêndio no Porto e em Portugal nos dias 23 e 24 de junho dos últimos anos, bem como nos dias anteriores e posteriores a essa data, de forma a verificar se há mais ocorrências do que o habitual. A Proteção Civil remeteu qualquer estatística de ocorrências para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O ICNF, por seu lado, diz que, no Sistema de Gestão de Incêndios Florestais, “não se encontram registadas ocorrências com causa apurada”. Isto é, há ocorrências, mas as autoridades não apuraram se foram causados por balões de São João ou por outro motivo qualquer. A resposta sobre o número genérico de incêndios não chegou atempadamente.

Em 2010, o Jornal de Notícias escrevia que os balões de mecha de papel acesa causaram “mais de meia centena de incêndios” do Grande Porto. Como os ventos vêm de norte, Matosinhos explica que não tem registo de incêndios provocados pelos balões, a que se soma o facto de o concelho não ter áreas florestais que possam ser afetadas. No entanto, o município tem sempre equipas de prevenção, “essencialmente porque há engenhos que caem em telhados e que têm de ser removidos e, em alguns casos, apagados”, explica o gabinete de comunicação de Matosinhos ao Observador.

“Tendo em conta o risco que existe para o tráfego aéreo e para os concelhos vizinhos, a Câmara Municipal de Matosinhos não se opõe à imposição de restrições”, acrescenta a mesma fonte, que confirma que há vontade de alguns municípios discutirem restrições mais permanentes que se façam sentir já no próximo ano. Para 2017 é que não há discussão possível: os balões e os foguetes estão completamente proibidos.