Há quem lhe chame ouro branco. O lítio é o material do presente e do futuro, pelo menos no que diz respeito aos automóveis eléctricos e, mais precisamente, às suas baterias.

As baterias que todos os dispositivos animados por motores eléctricos utilizam, dos telemóveis às máquinas de filmar, passando, claro está, pelos veículos, são referidas como sendo de iões de lítio. E não é porque a indústria tenha uma particular paixão por este material: sucede que é a tecnologia associada aos iões de lítio que assegura a maior densidade energética.

Agora que já ninguém contesta que os automóveis do futuro vão ser eléctricos e, para já, alimentados por baterias, o lítio está condenado a ser o petróleo de outros tempos. Mas existirá na natureza em quantidade suficiente para que seja possível construir os acumuladores para fazer mover os milhões de carros que prometem atingir o mercado nos próximos anos, a um ritmo que é, no mínimo, assustador?

Automóveis eléctricos: do 8 ao 80

As estimativas para a venda de automóveis eléctricos, mesmo as realizadas pelos maiores especialistas, têm vindo a ser continuamente revistas, e sempre em baixa. Mas por vários motivos, parece que desta vez é que é: os carros eléctricos vão mesmo começar a vender-se de forma mais dinâmica. Basicamente, porque não só há cada vez mais condutores preocupados com a sua pegada ambiental, como os construtores estão a fazer investimentos chorudos neste domínio (que só conseguirão viabilizar produzindo em quantidade). Isto já para não falar das grandes cidades, todas elas a braços com uma qualidade de ar que deixa muito a desejar e que se para já apontam armas aos motores diesel, ninguém duvida que a vítima que segue será a gasolina.

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Se no final de 2016 havia somente 2 milhões de veículos eléctricos em circulação, tudo indica que se atingirá a cifra muito mais interessante de 9 milhões em 2020. Isto significa uma evolução mastodôntica em apenas quatro anos, o que pressupõe um grande esforço para os construtores, mas igualmente um impressionante desafio para os produtores de lítio, pois sem este metal não há baterias e, sem elas, os carros eléctricos não vão longe.

Como se este crescimento não bastasse, a avaliar pelos compromissos dos diferentes fabricantes, o sector tem pela frente uma evolução ainda mais colossal, pois a International Energy Agency aponta para um parque circulante entre 40 a 70 milhões em 2025, ou seja, cinco anos mais tarde. Se lhe está a ocorrer a pergunta “e onde é que vão buscar lítio para isto tudo?”, o que lhe podemos dizer é que não é o único a colocar essa questão.

Quanto lítio existe dentro de uma bateria?

Depende. Da bateria, obviamente. Mais precisamente, da sua capacidade e peso, pois só 2% é que é lítio. Numa recente reunião com os accionistas da Tesla, Elon Musk confirmou não só este dado (o dos 2% de lítio numa bateria de iões de lítio), como afirmou ainda que “o que fazia sentido era chamar às nossas baterias níquel-grafite, pois são estes, de longe, os constituintes presentes em maior quantidade”. E continuou: “O lítio na bateria é como o sal na salada.”

Logo, o problema não é a quantidade do desejado metal presente em cada acumulador, mas sim o número de acumuladores que se pretende construir nos próximos anos. Analisemos as contas da Tesla, de momento o maior produtor de kWh de baterias. Depois de ter atingido cerca de 100.000 veículos por ano, a marca americana pretende dar o salto para as 500.000 unidades em 2020 com a introdução do Model 3. Como cada bateria possuirá uma capacidade média de 65 kWh, temos que, só a Tesla, vai precisar de 500.000 baterias com uma capacidade de 65 kWh por carro, cada uma delas com cerca de 10 kg de lítio. Tudo junto, são mais de 5.000 toneladas de lítio refinado por ano. Isto a produzir apenas 33 GWh de baterias (a sua gigafábrica tem hoje uma capacidade de produção de 35GWh, mas deverá atingir os 100GWh em 2020).

Mas como a Tesla também produz acumuladores para casa, destinados a serem alimentados por painéis solares (que também fabrica), é fácil concluir que em 2020, só a Tesla necessitará de mais de 8 mil toneladas de lítio.

A evolução do preço do lítio, notando-se um crescimento mais evidente a partir de 2011, quando se começou a falar do boom das vendas dos eléctricos

Em matéria de produção de automóveis, a Tesla é uma gota de água quando comparada com o Grupo Volkswagen. Os alemães, convertidos recentemente aos automóveis eléctricos, cujas unidades começarão a chegar aos clientes em 2020 (o I.D., a que se juntarão muitos outros, das diferentes marcas), afirmaram em Junho de 2016 que estimavam necessitar de uma capacidade instalada de 150 GWh de baterias para alimentar os seus modelos, mas pouco mais de seis meses mais tarde, incrementaram esses objectivos para 200 KWh. Isto numa fase em que admitem pretender que os eléctricos representem 25% do seu volume de vendas.

Mas quantas baterias é que vão ser necessárias?

Como a Volkswagen não está só nesta vontade de electrificar o mundo, com a maioria dos restantes construtores a ambicionarem igualmente a fasquia dos 25% de representatividade dos eléctricos na sua produção, podemos concluir que em 2025 serão necessários qualquer coisa como 1.500 GWh de baterias, ou seja 1,5 TWh. E, seguindo esta evolução, serão necessárias mais de 800.000 toneladas de lítio.

De acordo com o U.S. Geological Survey (USGS), as reservas mundiais de lítio em 2015 apontavam para 365 anos à produção anual de 37.000 toneladas, valor que era distribuído em 1/3 para a fabricação de baterias, outro tanto para a cerâmica, com o resto para uma miscelânea que até inclui medicamentos. Se 365 anos de reservas parece reconfortante, o triste facto é que esse valor, com a produção esperada para 2025, desce para apenas 16,8 anos, o que é manifestamente pouco.

É certo que o mesmo estudo da USGS aponta para a existência de recursos de lítio na ordem de 39,5 milhões de toneladas, mas a fina linha entre reservas e recursos significa que estes últimos existem, mas não são economicamente viáveis, pelo menos ao preço actual. É a repetição do que aconteceu com o petróleo, que estaria há muito esgotado, caso continuasse nos 20 dólares por barril, mas a 60 ou a 100 dólares, o que não falta aí são poços de onde se pode extrair o ouro negro.

A juntar a tudo isto, e pela negativa, está o facto de o mercado internacional do lítio não ser regulado, ou seja, não é cotado na bolsa de Londres, ou em qualquer outra. Apesar de ser um bem com bastante procura, a sua produção está nas mãos de um oligopólio, os chilenos da SQM e os americanos da FMC Corp e Albemarle Corp (que também opera uma mina no Nevada), que extraem lítio dos lagos salgados no Chile e Argentina. Há um quarto operador, a Greenbushes, na Austrália, mas esta pertence 49% à Albemarle e 51% aos chineses da Tianqi Lithium.

Como é habitual nos mercados não controlados, o lítio tem hoje a sua cotação média nos 9.000 dólares/tonelada, tendo vindo a crescer de forma sustentada desde 2011, aquando do boom da Tesla, altura em que rondava os 4.000 dólares. Isto sem que os custos de produção tenham acompanhado a evolução. E, mais preocupante que isso, as minas de lítio têm trabalhado longe da produção máxima, o que talvez explique que em 2015 e 2016 tenha havido falta de produto no mercado, ainda que ligeira, seguindo o habitual estratagema para inflacionar os preços e, com eles, o lucro.