O terceiro dia do Super Bock Super Rock (SBSR) prometia voltar às raízes do género que deu o nome ao festival. Ao longo destas 23 edições, a deriva por outros ambientes musicais concretizou-se (eletrónica, hip hop), mas todos os anos aparece alguém para nos obrigar a pôr os pés no chão, a trazer-nos à memória a génese de um dos maiores festivais de música do país. Na quinta-feira foram os Red Hot Chili Peppers e neste último dia foram, indiscutivelmente, os Deftones. Claro que não foram os únicos, mas foram os maiores.

Uma parede de som que atravessa gerações

Não é para todos, mas mesmo aquela porção do “todos” que não sabe bem ao que vai pode ser apanhada de surpresa. Não é só barulho, por detrás daquela parede de som infernal está uma banda com quase 30 anos de carreira e oito álbuns de estúdio.

Os californianos Deftones são bem conhecidos do público português. Se, ainda assim, o nome não lhe diz nada, fique a saber que em 2010 a banda atuou três vezes em Portugal. Exatamente, três vezes no mesmo ano. Foi por isso ser surpresa que, em entrevista ao Observador, os membros da banda se mostraram contentes por regressar a Portugal.

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Estivemos com o baixista Sergio Vega e com o DJ Frank Delgado (leu bem, esta banda de hard rock tem um DJ), ao final desta tarde, nos camarins do MEO Arena. Bastaram 10 minutos para perceber que esta é uma banda que se mantém no topo há duas décadas porque adoram o que fazem e porque não vendem banha da cobra. Frank Delgado explica: “Somos genuínos, não estamos aqui para vender, somos energia, somos nós entusiasmados com aquilo que fazemos. As pessoas são espertas, elas percebem quando têm à frente gente que gosta do que faz. Penso que é isso que agarra as pessoas.”

Frank Delgado (à esquerda) e Sergio Vega (à direita), dois dos Deftones em entrevista ao Observador

E agarra mesmo. Também porque detrás daquela muralha sonora está gente feliz e simpática, despida de manias. Frank ou Sergio podiam perfeitamente ser o nosso vizinho do lado, o vocalista e líder da banda, Chino Moreno, também. Há uma voz carregada de simpatia por detrás daquela gritaria, tudo é espetáculo sem que seja preciso fazer explodir qualquer coisa.

Os Deftones tiveram uma hora e dez minutos para percorrer os oito álbum de estúdio — o mais recente chama-se Gore (2016). São excelentes instrumentistas, divertiram-se e divertiram, apoiados por um set de luz impressionante e caótico (muito bem estudado, claro), tudo a engrossar a muralha de som. Chino Moreno saltou para o fosso para gritar “Knife Prty” (do álbum White Pony, 2000), para desespero do pessoal da segurança. Mais do que uma vez foi até lá para gritar aos ouvidos daqueles que aguentavam o estrondo.

Não é pêra doce, mas é assim que vai continuar a ser. Sobre o futuro, Sergio Vega disse-nos que “o processo é o que conta, queremos curtir e fazer curtir, enquanto assim for vamos continuar”. É essa atitude que, segundo ele, justifica também a capacidade que têm de cruzar várias gerações no mesmo espetáculo (30 anos é muito tempo). “Acho que temos ‘fãs de música’, pessoas que gostam de música”, independentemente da idade.

Já Frank Delgado considera que o sucesso da longevidade está algures entre a “sorte e reconhecimento”. E acrescenta: “Seria uma seca se tivéssemos apenas os ‘velhos’ a ouvir a nossa música, ficamos muito contentes por ter também a malta mais nova.” E é, de facto, interessante ver como as pessoas reagem à evolução da banda, às novas e às velhas canções, algumas com a idade da audiência encostada às grades. A banda evoluiu mas ao vivo revela-se um fio condutor, a tal parede de som permanente sob a qual se esconde muita matéria que acaba por nos colar ao chão. E há a garganta de Chino Moreno. E aquela atitude de uma banda que soube envelhecer.

Os Deftones vão andar a passear por aqui nos próximos dias, porque “gostam de Portugal e dos portugueses”. O sentimento é recíproco. Se eles tinham saudades de vir, esta noite o público deu sinais de que não deviam ter demorado tanto a regressar. Os Deftones sabem disso.

Eat sleep slave repeat

O nome do tema em palavras gordas nos ecrãs gigantes do Palco Super Bock deu o mote. Não é por acaso que Norman Cook é um dos DJ mais bem pagos do mundo, basta-se a ele próprio atrás das máquinas, tudo o resto é um jogo de imagens e luz bem estudados e um subgrave que faz abanar o cimento.

O espetáculo é tão bem alinhado que ficamos na dúvida se Fatboy Slim está ali a fazer alguma coisa que não levantar os braços. O MEO Arena estava completamente cheio, foi uma pista de dança gigante que deu o pontapé de saída para as atuações seguintes no Palco Carlsberg.

Horas antes, a abrir o palco principal, os Foster the People deram um espetáculo de indie pop certinha a fazer uso, como nenhum outro, da grande estrutura luminosa montada no palco pelo coletivo FAHR. Em fundo a assinatura “Sacred Hearts Club”, o nome do terceiro álbum que sai na próxima semana.

Não faltou o momento “vamos salvar o planeta”, com Mark Foster a pedir para mudar o mundo através da música. Seguiu-se “Pumped Up Kids”, a canção que os deu a conhecer e que é bem capaz de ser daquelas que vai sobreviver ao teste do tempo. “Coming of Age” foi outro dos momentos importantes de uma atuação onde não se limitaram a despachar singles, puxaram pelos instrumentos como quem mostra que aquilo não se faz de plástico. E fizeram-no bastante bem.

Lá fora, o choque térmico

Enquanto os Deftones faziam abanar (literalmente) o Palco Super Bock, no exterior os portugueses Sensible Soccers fechavam o LG by SBSR.FM, o prazeroso palco virado para as escadarias. Eletrónica e guitarras com uma elegância rara, é espantoso como é que esta banda de Fornelo (Vila do Conde) ainda não invadiu o mundo. Para quem saía de Deftones, foram como uma brisa fresca numa tarde de verão. Sim, foi quase poético.

Do outro lado do recinto, o brasileiro Seu Jorge apresentava “The Life Aquatic: tributo a David Bowie”, a tradução para português de alguns dos sucessos do músico britânico. O Palco EDP estava completamente cheio, foi a maior enchente que vimos este ano neste palco. Voz e violão, entre cada canção uma longa (muito longa) história, que resultou numa atuação intimista completamente abafada pelo som da multidão pouco interessada, nitidamente a roçar a falta de respeito (do público, bem entendido).

Ao início da noite, o irlandês James Vincent McMorrow estreou-se em Portugal numa atuação bastante surpreendente: porque tem uma grande, grande voz. Foi bom de descobrir, é essa uma das virtudes dos festivais. Esperamos agora por um regresso com mais calma e noutro contexto.

O artista upgrade

Luís Montez, o diretor da Música no Coração, promotora do festival Super Bock Super Rock (e do MEO Sudoeste e do Vodafone Mexefest), gosta de lhe chamar “uma tradição”: todos os anos, há um artista português que se destaca num dos palcos secundários e que acaba por ser convidado para, no ano seguinte, subir ao Palco Super Bock. Este ano o convite já foi feito: Slow J, que atuou esta sexta-feira, recebe o mais que justo upgrade, como aqui demos conta.

Este ano passaram 56 mil pessoas pelo Parque das Nações, nos três dias do SBSR. Já há datas para a 24ª edição do festival: 19, 20 e 21 de julho de 2018.