Tarefa difícil a de escolher a bicicleta perfeita. Para Miguel Barroso, autor d’O Livro da Bicicleta, as especificidades são tantas que ela, simplesmente, não existe. Tudo depende do ciclista, do terreno e, claro, da utilização que se quer fazer dela. É por isso que as dúvidas são tantas na hora de comprar uma (sobretudo tendo em conta que a oferta é mais do que muita, das nostálgicas pasteleiras a uma nova geração movida a energia elétrica).

Apesar do novo livro ir muito além deste primeiro passo — é uma apologia, mas também um manual prático para a vida sobre duas rodas — aproveitámos uns minutos da atenção do autor para lhe perguntar o que se deve ter em conta antes de comprar uma bicicleta.

Quem procura uma bicicleta para o dia-a-dia, mas também para dar uns passeios ao fim de semana, tem de comprar duas?

Basicamente, depende do sítio para onde quer ir passear. Os passeios citadinos não diferem assim tanto das deslocações para a casa e o trabalho, mas se o objetivo for levar a bicicleta para o campo, aí os dois cenários começam a ser incompatíveis, a começar pelos contras de andar numa bicicleta de BTT dentro da cidade. Quanto mais desportiva, menos confortável. O facto de ser mais cara também vai deixar o ciclista menos seguro na hora de estacioná-la junto ao poste. Ainda assim, Miguel Barroso defende que uma bicicleta chega para tudo, basta decidir de que parte vai querer abdicar, se da possibilidade de transportar carga (os alforges e cestas são próprios das bicicletas de cidade), se da performance em terrenos mais acidentados. Uma bicicleta todo-o-terreno pode também dar muito jeito em cidades com o piso menos cuidado. Em Portugal, o asfalto pode não ser um sonho, mas não exige medidas tão radicais. O especialista deixa só um alerta: cuidado para não gastar um balúrdio numa bicicleta, quando a utilização que vai fazer dela não tira partido das especificidades que ela tem.

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“O Livro da Bicicleta”, da editora Esfera dos Livros, está à venda a partir de 21 de junho e custa 12,50€.

Uma bicicleta tem de ter sempre mudanças?

Não necessariamente. Miguel defende que, para percursos curtos na cidade, uma bicicleta mais simples, sem mudanças ou, no máximo, com três, é o suficiente. “Para grandes distâncias ou declives as mudanças são muito bem-vindas”, esclarece. Hoje em dia, há modelos que chegam a ter 30, uma complexidade escusada, na opinião do autor, já que uma bicicleta com sete ou oito mudanças serve para 90% dos casos.

As bicicletas têm tamanhos?

Sim, e variam consoante a altura e o comprimento das pernas, se bem que no caso das bicicletas de cidade é sempre mais fácil chegar à posição mais confortável com um simples ajuste do selim. Um quadro de tamanho médio é o mais versátil, serve perfeitamente para pessoas entre 1,60 e 1,80 metros. N’O Livro da Bicicleta, medidas e tamanhos do quadro estão explicados ao detalhe.

Existe mesmo uma diferença entre bicicletas para homens e bicicletas para mulheres?

A resposta é não. Na alta competição já existem bicicletas especialmente adaptadas à anatomia de cada um dos géneros. Contudo, a distinção não faz sentido no dia-a-dia. A ideia de que o quadro rebaixado é para senhoras e o quadro elevado para cavalheiros está desatualizada. As vantagens de um quadro rebaixado já são adotadas em praticamente todas as bicicletas de cidade, por facilitarem a subida para o selim pela frente da bicicleta, caso haja um alforge atrás. Vantagens do quadro alto? Também há. Acima de tudo, confere mais rigidez à bicicleta e, como se pode ver no vídeo abaixo, deixou de ser incompatível com saias e vestidos.

E é difícil encontrar bicicletas portuguesas à venda?

Miguel ainda se lembra de olhar para uma Órbita (com olhos de arquiteto, entenda-se) e encontrar logótipos diferentes numa única bicicleta. Felizmente, a marca está a reinventar-se, criou a sua própria identidade visual, e é uma das melhores opções para quem quer pedalar um veículo português. Não esquecer a Miranda, que se está a destacar no ramo das bicicletas desportivas. Para quem não sabe, a indústria está concentrada em Aveiro e o aglomerado de empresas tem um nome: Portugal Bike Value. “Portugal é o maior exportador de componentes para bicicletas da Europa”, afirma Miguel. Inevitavelmente, a maioria da produção vai mesmo para fora.

Há lojas melhores do que outras para comprar uma bicicleta?

“Sem dúvida”, afirma Miguel Barroso. O arquiteto e fundador do Lisbon Cycle Chic destaca novas lojas que se especializaram no ciclismo urbano, em oposição aos pontos de venda mais tradicionais, onde continua a predominar a vertente mais desportiva. “Eu não vou a uma loja da Nike para comprar um fato de gala”, conclui. O Vélocité Café, em Lisboa, e a Velo Culture, no Porto, são duas paragens obrigatórias, onde além da oferta também o aconselhamento está mais virado para as bicicletas de cidade.

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Há um valor mínimo razoável para se dar por uma bicicleta?

É um jogo de expectativas versus qualidade. “Dificilmente aconselho a comprar uma bicicleta nova por menos de 150€. Agora, ninguém pode esperar que uma bicicleta desse preço faça tudo e mais algum coisa”, diz Miguel Barroso. É preciso estar de olho nos componentes e desconfiar sempre que, por um preço em conta, a bicicleta venha com uns extras generosos. Entre um modelo simples e um com suspensão à frente e atrás e travões de disco, ambos na casa dos 150€-200€, o autor não tem dúvidas: a bicicleta com menos extras é a melhor opção.

E compensa comprar bicicletas em segunda mão?

Implica ter algum conhecimento ou então ir analisar o material na companhia de um entendido. Contudo, o mercado não é todo igual. É no segmento desportivo que, regra geral, se encontram os grandes achados. Desvalorizam mais depressa e é onde estão os verdadeiros aficionados, ansiosos por ter sempre o último grito. “Agora, por exemplo, toda a gente quer ter rodas maiores, de 27,5 e 29 polegadas”, diz. Já as citadinas desvalorizam pouco. Outro alerta: se sair mesmo barata, também facilmente se repara.

O autor

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Miguel Barroso, arquiteto, foi desafiado a escrever um livro. Aos cinco anos aprendeu a andar de bicicleta e nunca mais deixou de pedalar. Na faculdade, foi apresentado à prática de BTT. Anos mais tarde, desfez-se de um dos carros que tinha em casa e passou a ir trabalhar de bicicleta, pelo menos uma vez por semana. Afinal, ir de Algés ao Chiado e voltar ao fim do dia ainda é um esticão. Fundou o projeto Lisbon Cycle Chic e, atualmente, continua a entreter-se com a arquitetura, mas também com um doutoramento na área da mobilidade sustentável.

Bicicletas elétricas valem o investimento?

Mais uma vez, depende da utilização. Miguel já pedalou numa destas e fala por experiência própria. “Em algumas situações, chegava mais depressa com uma normal”, conta. Nos chamados velocípedes com motor auxiliar, a corrente elétrica é interrompida quando se atingem os 25 km/h. Isto faz com que esta seja uma ajuda preciosa sobretudo para quem não atinge grandes velocidades e em subidas, situações em que uma bicicleta elétrica pode impedir, por exemplo, que chegue a uma reunião de trabalho com aquele suor indesejado. Para grandes distâncias em terreno plano, nem tanto. “A partir dos 25 km/h estamos só a pedalar, só que numa bicicleta muito mais pesada”, conclui. Neste caso, Miguel recomenda que se visitem várias lojas e se comparem bem as opções. Novecentos euros é um valor razoável para dar por uma bicicleta elétrica. Abaixo disso é para desconfiar.

E as que se dobram?

São um mau investimento para quem, na prática, nunca as dobra. Vantagens? Podem ser arrumadas na bagageira do carro, levadas nos transportes públicos e facilmente arrumadas num apartamento mais pequeno. Neste ramo, Miguel destaca as Brompton. As bicicletas da marca britânica são fáceis de abrir e fechar, rondam os 12 quilos e, depois de fechadas, o transporte é bastante cómodo. Mas nem todas são assim. O especialista alerta para o facto de algumas marcas terem bicicletas difíceis de manusear quando dobradas.

Miguel Barroso, autor do livro. ©Divulgação

Comprar online, sem nunca ter visto a bicicleta ao vivo, é uma boa ideia?

É complicado. É preciso já ter visto uma igual ou ter uma confiança quase cega na marca. Fora estas exceções, é desaconselhável. Em lojas físicas, além de se ver tudo ao vivo, é depois mais fácil ter acesso a serviços de manutenção.

Há acessórios obrigatórios quando se compra uma bicicleta?

“A não ser que nunca se vá andar depois das cinco da tarde, durante o inverno, as luzes são obrigatórias”, afirma Miguel. As luzes e os refletores têm de estar lá, tal como um farol mais forte sempre que se circula em estradas não iluminadas. Quanto a outros brilhos, nunca é demais esclarecer: “Não precisamos de colete florescente, nem de parecer umas árvores de natal”. Do lado do que não se deve usar, o autor destaca as mochilas. Fazem sempre calor nas costas e são um peso extra sobre o selim.

É preciso ter algum documento específico para andar de bicicleta?

Sim, o Cartão de Cidadão deve andar sempre com o ciclista. Miguel Barroso deixa ainda uma recomendação: o seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta e da Federação Portuguesa de Ciclismo. São cerca de 30€ por ano, não são obrigatórios, mas são aconselháveis a quem anda de bicicleta frequentemente.