Lamar Odom escreveu um artigo de opinião para o The Players Tribune. Direto, cru, brutal. Falou pela primeira vez 1×1 com o teclado do computador sobre o desaparecimento da mãe, da morte do filho de seis meses, do vício da cocaína, dos quatro dias em coma numa cama de hospital, da reabilitação. Tudo na primeira pessoa. Tocando qualquer pessoa. Não passando ao lado de nenhuma pessoa. Mostrando que um desportista milionário também é uma pessoa.

“Quando acordei num quarto de hospital em Nevada, não conseguia mexer-me. Não conseguia falar. Estava preso no meu próprio corpo. A minha garganta doía-me imenso. Olhei para baixo e havia uma série de tubos a sair da minha boca. Entrei em pânico”, recorda após acordar de quatro dias de coma após uma overdose, num episódio que caracteriza como um pesadelo onde tentamos fugir de um monstro sem conseguir correr porque as pernas não respondem. “A minha ex-mulher estava ali no quarto comigo. Depois de todas as asneiras que fiz, fiquei surpreendido por vê-la. Honestamente, foi quando percebi que estava num mau estado”.

“A certa altura da minha vida, consumia cocaína todos os dias. Até em todos os segundos que tinha livres, consumia. Não conseguia controlar-me. Não queria controlar-me”, admite antes de puxar à baila uma frase que costumava ouvir da avó: “O que foi feito na escuridão, vai um dia sair na luz”. A ex-estrela da NBA esteve quatro dias em coma. Disseram-lhe mesmo que foi um milagre não ter morrido. “Como é que cheguei aqui?”, pergunta.

Nascido em Queens, Nova Iorque, Lamar Odom tem hoje 37 anos. Chegou à NBA em 1999, sendo a quarta escolha do draft pelos Los Angeles Clippers. Passou depois por Miami, apenas um ano, antes de chegar aos Lakers, onde foi duas vezes campeão (2009 e 2010) e ganhou o troféu de Melhor Sexto Jogador, em 2011. Faria ainda mais um ano nos Dallas Mavericks e outro nos Clippers, antes de arriscar uma aventura na Europa, ao serviço dos espanhóis do Laboral Kutxa Baskonia. Terminou a carreira em 2014, após assinar pelos New York Knicks e não fazer um único jogo da temporada regular.

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Terminou com uma média de 13,3 pontos, o que mostra bem a ajuda que conseguia dar nas equipas onde alinhava. Mas, mais do que isso, “era o jogador mais popular de todo o balneário”, como um dia referiu o diretor geral dos Lakers, Mitch Kupchak. Tinha algo que não é comum encontrar – sendo bom, não se importava de assumir um papel secundário para ajudar os melhores. E mantinha uma boa relação com a imprensa, nunca se negando a prestar declarações com uma mente aberta e sem desrespeitar ninguém.

Lamar fala com orgulho da infância. Recorda os tempos em que, mais pequeno mas ainda assim maior do que todos os outros (2,08 metros), jogava futebol americano e a mãe chegava a entrar em campo quando sofria uma carga mais violenta. Tinha vergonha, por causa dos amigos, mas gostava, porque era a melhor amiga. Com um pai dependente de drogas, a mãe sempre foi o seu porto de abrigo. E conseguiu estar num bairro onde circulava muita droga pesada sem nunca ter entrado por caminhos além de marijuana e de vez em quando.

Aos 12 anos, começou a ver a mãe encolher dia após dia. Mais um pouco, mais um pouco. Um cancro no cólon foi fatal para Cathy, passou a ter apenas a avó, Mildred. Tentou seguir um dos últimos pedidos da progenitora: “Sê bom para toda a gente”. Concretizou o sonho de entrar na NBA. Tornou-se melhor jogador, melhor pessoa. Até que, aos 24, por altura da morte da avó, consumiu pela primeira vez cocaína.

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Quando consumia cocaína, sentia-me bem por um minuto. Deixei de estar tão ansioso. Não pensava na dor. Não pensava na morte. Por isso continuei a consumir mais e mais, mas ainda estava controlado. Não era uma coisa de todos os dias”, diz no artigo de opinião que assina na publicação. Até a uma fatídica noite no Verão de 2006, onde tinha estado na farra até altas horas. A noite em que Jayden, o filho mais novo com apenas seis meses, morreu durante o sono. “Síndrome de morte súbita infantil”, explicaram-lhe.

“De manhã, recebi uma chamada da mãe. Estava em pânico. Eu dizia ‘Calma, o que se passa?’, ela disse ‘O Jayden… não acorda’. ‘Não acorda?’, perguntei. ‘Sim, a ambulância está aqui. Estão agora a levá-lo. Estava em Manhattan. Conduzi até Long Island. Quando cheguei ao hospital, os médicos disseram-me que ele não estava a responder. ‘Foi-se’, disseram-me. ‘Foi-se? O que estão a dizer? Acabei de vê-lo. Foi-se?’, disse.”

Lamar ficou para sempre marcado por esse dia. Conta que ainda hoje, todos os dias, pensa como seria o filho se fosse vivo. Mas aquilo que mais lhe custou, a ele e a qualquer pessoa que tenha de (sobre)viver a esse drama, é o facto de se ter de aceitar mesmo não havendo respostas que expliquem o que se passou. Sobretudo, e neste caso, com aquela sensação permanente de que deveria estar em casa naquele momento, mesmo que isso não fosse mudar nada.

O antigo extremo/poste sagrou-se campeão em 2009 e 2010 pelos Lakers, teve uma excelente época em 2011 (onde foi considerado o Sexto Melhor Jogador da NBA, equivalente ao melhor suplente de toda a Liga) mas começou a deixar de ter forças para aguentar as dores que o atormentavam por dentro. Sentia a carreira em queda, ao mesmo tempo que a vontade de consumir cocaína aumentava. O declínio estava logo ali.

Alguém que tenha vivido uma vida complicada com drogas sabe como é o ciclo – com mulheres, a trair a esposa, coisas assim. Noites em que devia estar a dormir. Noites em que fiquei acordado a snifar cocaína. Muitas dessas noites. Quando o coração começa a bater mais depressa. Quando devíamos saber melhor o que fazer”, frisa.

O casamento com Khloé, uma das irmãs Kardashian, colocou Lamar Odom num outro nível de notoriedade. Namoraram apenas um mês antes de contraírem matrimónio, em setembro de 2009. Foi amor à primeira vista, um amor que rapidamente passou para os ecrãs televisivos através do reality show ‘Keeping Up With the Kardashians’, que depois se transformou em ‘Khloé & Lamar’. Começou em abril de 2011, acabou em 2012. Começavam a ser já demasiadas coisas para o jogador. E a droga ganhou mesmo o protagonismo principal.

“Um dos pontos mais negros a que cheguei foi quando estava num quarto de um motel a consumir com uma miúda e a minha mulher (na altura) entra. Esse foi provavelmente o pior. Primeiro, estava num motel. Um motel. Sou milionário, consegui sair de Jamaica, Queens, e ganhar dois títulos da NBA. E estou num motel, com uma pessoa estranha, a consumir cocaína. Mas eu só queria ficar pedrado com essa rapariga e não havia mais nenhum sítio para ir. Não a podia levar para casa. Estava a ser desprezível. Sem desculpas. Sem mentiras. Esta é a verdade. O meu pénis e o meu hábito levaram-me para todos os caminhos que ninguém quer descer”.

Quando foi encontrado inconsciente num bordel em Nevada, esteve à beira da morte. Sofreu ataques cardíacos, os rins começaram a falhar. A situação esteve mesmo muito, muito grave. Khloé, que tinha entregue os papéis do divórcio um ano e meio antes, voltou atrás para, em caso de necessidade, poder decidir em conjunto com os médicos o que fazer. Lamar saiu do coma, foi transferido para um hospital em Los Angeles e recuperou de todas as mazelas. Faltava o resto: superar o vício do álcool e das drogas. Que conseguiu.

“Os meus filhos são a única coisa que me faz seguir. O meu filho Lamar Jr. tem 16. É tímido e adora basquetebol. É como eu, mas reencarnado. Numa versão mais bonita. A minha filha, Destiny, tem 18. É linda e inteligente. E não toma nada. Quando pude voltar a falar, ela disse-me logo: ‘Pai, tens de arranjar ajuda ou não volto a falar contigo’. Então, fui para uma clínica reabilitação“, relembra sobre a conversa que lhe mudou a vida.

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“Hoje estou sóbrio, mas é uma luta diária. Tenho um vício, terei sempre um vício. Não se vai embora. Mas sei que não posso voltar a fazer isso se quero ter os meus filhos comigo (…) Apertei a mão à morte mas ainda não é tempo”.

“Ainda tenho os meus filhos. Ainda estou aqui. E que diabo, ainda sou bastante jeitoso. Todos os dias de manhã, quando acordo, olho para as mesmas fotografias. Fotografias de pessoas que já partiram. A minha mãe. A minha avó. O meu filho Jayden. O meu melhor amigo Jayden. Pessoas que ainda estão cá. Os meus dois lindos filhos. Olho para a cara deles alguns minutos e recordo-me sobre o que deve ser a vida. Sinto-me quente. Sinto uma energia. Sinto amor. É isso que me faz passar o dia. É como tomar as minhas vitaminas”, concluiu.

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Hoje, continua com a sua companhia de produção de música e filmes. Mantém uma relação muito próxima dos filhos. E tem partilhado a sua história e os seus erros para provar que existe sempre uma segunda vida.

Este é o testemunho de Lamar Odom. Direto, cru, brutal. Para ler, para recordar. E na primeira pessoa.