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Os 358 dias da luta do bebé Charlie Gard

Este artigo tem mais de 5 anos

Faria um ano no próximo dia 4 de agosto. Charlie Gard morreu esta sexta-feira depois de 358 dias entre uma luta com as máquinas de suporte de vida e um conflito no tribunais.

14 fotos

O bebé Charlie Gard morreu esta sexta-feira a poucos dias de completar um ano de idade, anunciaram os pais. Charlie foi o centro de uma batalha legal que se arrastou durante meses. Do lado dos pais, o apelo para aceder a tratamentos experimentais, do lado do hospital o respeito pela ética e pela lei.

Agosto de 2016

Charlie Gard nasceu no dia 4 “perfeitamente saudável” e com um peso adequado. Mas o bebé sofria de uma rara condição genética — síndrome de depleção do ADN mitocondrial — que os médicos desconheciam. Charlie Gard não foi diagnosticado com a doença e acabou por ter alta e ir para casa com os pais.

Setembro de 2016

No dia 29, Charlie fez oito semanas de vida. Antes disso, já os pais tinham começado a notar que o filho perdera peso e força. Não era capaz de segurar a cabeça nem apoiar-se em pé. Levaram-no para o hospital.

Outubro de 2016

No dia 11, Charlie Gard começou a ter dificuldades a respirar e foi ligado a uma máscara de ventilação mecânica. Foi transferido para o hospital Great Ormond Street. No final de outubro foi então diagnosticado com síndrome de depleção do ADN mitocondrial. Estava a dias de completar três meses de vida.

O que é o síndrome de depleção do ADN mitocondrial (SDM)?

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É um grupo de doenças mitocondriais caraterizadas por uma redução do número de cópias de moléculas de ADN mitocondrial (moléculas que trabalham com a energia e regeneração de células). Estas doenças podem afetar tecido de músculo, fígado e até o cérebro.

A condição é geralmente fatal em recém-nascidos e crianças. Os que sobreviveram chegam à adolescência e idade adulta em pequeno número. Não existe nenhum tratamento eficaz para nenhuma variante de SDM, apesar de alguns tratamentos preliminares e experimentais mostrarem uma redução dos sintomas. É uma doença que pode ser hereditária ou que pode surgir espontaneamente na formação do feto.

Desde então, Charlie Gard nunca mais voltou a casa. O bebé foi a 16ª pessoa no mundo a ser diagnosticada com esta doença. Foi também descoberto que os pais de Charlie são portadores de um gene defeituoso o que, de acordo com os médicos, pode ser a origem da condição do filho.

Dezembro de 2016

Connie Yates e Chris Gard, os pais do bebé, criaram uma página no Facebook — Charlie Gard #charliesfight — para partilhar a luta do filho com o mundo.

O Charlie não está a seguir nenhuma regra, está a escrever a sua própria história. Vamos rezar para que consiga terminar o livro”, escreveram os pais na altura, na página.

Charlie tinha quatro meses de vida e passou o seu primeiro Natal no hospital. Os pais partilharam fotografias chocantes do filho ligado a tubos e à máquina de ventilação mas vestido de duende. A luta de Charlie começava a tornar-se cada vez mais pública.

Tinha quatro meses nesta fotografia (Crédito: Chris Gard)

Janeiro de 2017

Os pais de Charlie continuaram a “pesquisar sem fim” e a falar com “médicos em todo o mundo” para salvar o filho. Eis que no final de janeiro surge uma esperança: um médico norte-americano mostrou-se disposto a tratar Charlie Gard com uma terapia experimental.

Para isso, era preciso dinheiro. No dia 30, a mãe de Charlie criou uma página de crowdfunding para angariar fundos que cobrissem as viagens e o tratamento em si.

Ele [Charlie Gard] literalmente não tem nada a perder mas, potencialmente, uma vida mais saudável e feliz a ganhar. É uma medicação oral, portanto nada invasivo ou prejudicial. Estamos a ficar sem tempo precioso com o nosso bebé”, explicaram o pais de Charlie na página que criaram.

O tratamento — nucleósido — nunca tinha sido experimentado em alguém com a mesma condição de Charlie mas teve sucesso em crianças com síndrome semelhante.

Março de 2017

A angariação de fundos continuava a crescer e a esperança dos pais a aumentar. “Partilhem e façam donativos, por favor. Vamos salvar o bebé Charlie!”, pediram os pais na página do Facebook.

O hospital Great Ormond Street chegou mesmo a iniciar o processo para solicitar uma permissão ética para transferir Charlie Gard. No entanto, no momento em que a decisão foi tomada, a condição de Charlie piorou. Os médicos do hospital Great Ormond Street começaram a colocar dúvidas quanto à eficiência do tratamento. O bebé teria sofrido um dano cerebral muito severo e irreversível.

Depois de entrar em contacto com outros especialistas em todo o mundo, os médicos chegaram à conclusão de que a medicação não iria melhorar a qualidade de vida de Charlie. O suporte de vida de Charlie deveria ser desligado para a criança morrer com dignidade.

No dia 3, os responsáveis do hospital informaram o juiz Justice Francis do Supremo Tribunal que o bebé já só conseguia respirar através de uma máscara de ventilação e ser alimentado por sondas. Os responsáveis pediram ao juiz para ordenar que as máquinas de suporte de vida fossem desligadas.

Abril de 2017

2 de abril — 1,2 milhões de libras (cerca de 1,3 milhões de euros) de mais de 83 mil pessoas. Foi o valor que os pais de Charlie conseguiram angariar na campanha de crowdfunding. A modelo britânica Tamara Ecclestone doou 10 mil libras (cerca de 11,1 mil euros). Os participantes em reality shows Sam Faiers e Billi Mucklow, a apresentadora de televisão Gaby Roslin e a atriz Linda Robson também apoiaram a causa.

3 de abril — Era o dia da audiência do Supremo Tribunal que iria decidir se as máquinas de suporte de vida de Charlie deviam ser desligadas ou se Connie Yates e Chris Gard seriam autorizados a levar o filho para os Estados Unidos para tratamento experimental. A audiência acabou por ser interrompida depois de a mãe de Charlie ter começado a chorar ao ouvir provas médicas sobre a condição do filho.

O pai, Chris Gard, levou um peluche do filho para uma audiência no tribunal

11 de abril — O juiz do Supremo Tribunal ordenou os médicos do hospital Great Ormond Street para desligar as máquinas de apoio de vida de Charlie contra os desejos dos pais, durante uma audiência. Os pais afirmaram não conseguir entender por que razão o juiz não tinha “ao menos dado a Charlie a chance de tratamento”.

Maio de 2017

23 de maio de 2017 — Três juízes do Supremo Tribunal confirmam a decisão de que as máquinas de suporte de vida que mantinham Charlie Gard vivos deveriam ser desligadas.

Junho de 2017

8 de junho — Três juízes do Supremo Tribunal rejeitaram um novo recurso dos pais de Charlie — o que significa que neste dia foram esgotadas todas as vias legais no Reino Unido. Connie gritou quando o Supremo Tribunal anunciou a rejeição do apelo do casal.

Como podem eles fazer isto connosco? Estão a mentir. Porque não dizem a verdade?”, disse a mãe de Charlie, à porta do tribunal.

O Hospital Great Ormond Street recebeu pouco depois o pedido do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) para manter o apoio da vida durante mais 24 horas para que a instância europeia possa considerar o caso.

13 de junho — Numa deliberação, os juízes da TEDH defenderam que Charlie devia ser mantido sob apoio vital até segunda-feira, 19 de junho, o que dava aos advogados dos pais tempo para apresentar argumentos legais detalhados.

19 de junho — O Supremo Tribunal informou os médicos que estes eram obrigados a manter o apoio vital para Charlie por mais três semanas, para que os juízes do TEDH tivessem tempo para analisar o caso. O tribunal de Estrasburgo garantiu que o caso era uma “prioridade”.

27 de junho — A última via legal para os pais de Charlie fechou-se uma semana depois, uma vez que o TEDH rejeitou o pedido de intervenção no caso e endossa o cargo para os tribunais britânicos. Em resposta, o Hospital Great Ormond Street prometeu fornecer “todo o apoio possível” a Chris e a Connie e garantiu que a administração do hospital estava “sem pressa” para mudar os cuidados de Charlie e cumpriu essa promessa.

30 de junho — Pais de Charlie disseram que receberam mais tempo para formar “lembranças preciosas” com o filho, uma vez que tinham recebido o aviso formal de que o suporte de vida ia ser desligado.

Julho de 2017

2 de julho — O Papa Francisco pronuncia-se sobre o caso e pede que os pais de Charlie possam “acompanhar e tratar o seu filho até o fim”. Parece contradizer a posição do Vaticano, que tinha declarado que as “limitações” da ciência médica deviam ser reconhecidas. No mesmo dia, apoiantes da causa reuniram-se à prota do Palácio de Buckingham para protestar contra a decisão da TEDH de não intervir.

Poucas horas após o apelo do Papa, o presidente norte-americano, Donald Trump, ofereceu a sua ajuda a Charlie, no Twitter, garantido que ficaria “encantado de poder ajudar”. Os pais de Charlie disseram que o apoio do Papa e de Trump lhes deu “esperança”.

7 de julho — O hospital Great Ormond Street comunicou que “recorreu ao Supremo Tribunal para uma nova audiência no caso de Charlie Gard, à luz de pedidos de novas provas relativas a um potencial tratamento para a sua condição”. Nessa semana, os pais de Charlie juntaram-se a uma manifestação fora do hospital, onde entregaram uma petição com mais de 350 mil assinaturas que apelava aos médicos que permitissem o transporte de Charlie para os EUA.

10 de julho — Surge uma nova posição dentro do Supremo Tribunal, quando um juiz da Suprema Corte pede aos pais de Charlie que apresentem novas evidências que justifiquem o transporte do filho para os EUA, com Connie a apelar ao juiz para “nos ouvir”, enquanto Chris gritava, de uma ponta do tribunal, para um advogado: “Quando é que vai começar a dizer a verdade?”. Ao mesmo tempo, o advogado da família garantia ao tribunal que existiam provas “encorajadoras” de investigadores do hospital infantil do Vaticano sobre um tratamento experimental.

17 de julho — Uma semana depois um neurocirurgião norte-americano ofereceu-se para tratar Charlie, encontrou-se com a família e conheceu o bebé no Hospital Great Ormond Street, onde lhe foi dado acesso completo aos registos médicos. Integrou a equipa de especialistas.

22 de julho — Saiu uma nova análise ao caso: “uma leitura triste”, nas palavras do advogado do hospital à saída do tribunal. Connie desfez-se em lágrimas e revelou que ainda não conhecia os detalhes da decisão. Da boca do pai, Chris, saiu a palvra “mau” dirigida ao advogado, que se desculpou acrescentando que “não queria causar angústia”. No dia seguinte, o hospital revelou que recebeu milhares de ameaçadas de morte, “uma maré chocante e vergonhosa de hostilidade” enviada a médicos e enfermeiras. Os pais de Charlie sairam em defesa do hospital, por quem nutria “o maior respeito”.

Connie e Chris Gard no momento em que desistiram de levar o seu filho para o estrangeiro (Crédito: Carl Court/Getty Images)

24 de julho — Connie e Chris desistiram do recurso legal para que o filho fosse levado para o estrangeiro. Deu-se por terminada a batalha legal que decorria há meses. O advogado disse que “o tempo acabou” aos 11 meses de idade. Os pais de Charlie garantiram que o filho “poderia ter sido um menino normal e saudável” se os tribunais tivessem autorizado terapias experimentais.

É um menino doce, lindo e inocente que nasceu com uma doença rara. Teve uma hipótese verdadeira e genuína na vida, e uma família que o amou tanto, é por isso que lutamos tanto por ele”, disse Connie aos jornalistas.

25 de julho — Finda a batalha legal para o acesso a novas terapias, Connie regressou ao Supremo Tribunal para tentar convencer o juiz a deixar que a criança morra em casa. O hospital prontamente se opôs ao plano, alegando que que a criança não conseguia receber cuidados especializados em casa e que iria enfrentar uma morte “angustiante”. A resposta do juiz Francis foi ambígua. Charlie teria duas opções: morrer no hospital ou numa instituição de cuidados paliativos infantis. O advogado da família comunicou no dia seguinte ao Supremo Tribunal que os pais estavam dispostos a pagar o tratamento numa instituição de cuidados paliativos, onde o bebé ficaria em suporte de vida mais uns dias. A administração do hospital garantiu que esse plano não era “viável” e que Charlie devia ficar nessa instituição por um período de tempo mais reduzido. O juiz Francis estipula um prazo: se nenhum acordo fosse feito até às 12h00 do dia 27 de julho, Charlie iria para uma unidade de cuidados paliativos.

27 de julho — O juiz ordenou a transferência de Charlie para essa mesma unidade, onde a ventilação artificial seria desligada após um período de tempo não determinado (os prazos ficaram confidenciais para a imprensa). Connie pronuncia-se e acusa o hospital de lhes negar o “desejo final” e aponta o dedo ao juiz que deu “muito pouco tempo” com o filho.

Vamos fazer os preparativos para que Charlie seja transferido para uma unidade especializada de cuidados paliativos infantis, cujo compaixão e notoriedade do staff vai auxiliar a família neste tempo difícil”, lê-se num comunicado do hospital.

Charlie Gard morreu esta sexta-feira aos 11 meses, a uma semana de completar um ano de idade.

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