Pouco passava das 12 horas quando um funcionário do restaurante ‘Made in Correeiros’, na baixa lisboeta, sai do estabelecimento com o menu em punho. A hora de almoço ainda estava a começar, mas já havia alguns turistas sentados nas esplanadas de outros restaurantes na rua dos Correeiros e na rua de São Nicolau, em plena baixa lisboeta.

O funcionário não perde tempo e começa a abordar as várias pessoas que passam em frente ao estabelecimento. “Olá, buenas! Queréis sentarse?”, pergunta, sem sorte. O grupo de turistas abana a cabeça e continua o seu caminho. Mas o homem, na casa dos trinta, não se faz de rogado. Continua a cumprimentar e a abrir o menu àqueles que por ali passam. Quase que tem sorte com um grupo de portugueses. Um dos homens ainda pára para dar uma vista de olhos no menu, mas os restantes elementos acabam por optar pelo restaurante ao lado.

Nem 20 minutos depois, outro funcionário sai do restaurante para dar uma mãozinha ao colega. De cabelo grisalho, chapéu na cabeça e óculos de sol, coloca-se estrategicamente na esquina da rua dos Correeiros com a rua de São Nicolau, onde passam mais pessoas. “Olá, bom dia! Querem almoçar?”, pergunta, explicando que o restaurante oferece “bacalhau, dourada, robalo”, entre outros pratos. É mais insistente que o outro funcionário, mas mesmo assim não foi desta que a sorte lhe bateu à porta.

Esta parece a rotina de qualquer outro restaurante na baixa de Lisboa, mas este não é um restaurante qualquer. E percebe-se pelo comentário de um funcionário do restaurante ao lado. “Estás famoso pá, já apareces no Correio da Manhã e tudo”. A fama do ‘Made in Correeiros’, ou do ‘Portugal no Prato’ como antigamente se chamava, já se espalhou. E não pelas melhores razões.

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São inúmeras as denúncias contra o restaurante na página de Facebook e nas plataformas TripAdvisor ou Zomato, de clientes a queixarem-se dos preços extremamente elevados que lhes foram cobrados por uma refeição. Sem falar na pouca qualidade da comida.

“Um bacalhau com natas, 120 euros. Uma dourada com camarão, 140 euros. Uma mista de carne, 100 euros. Duas mistas de marisco, 500 euros. E por aí fora. É assim que o restaurante Made in Correeiros está a ganhar “fama” a enganar turistas na Baixa de Lisboa”, lê-se na página de Facebook.

“Este restaurante adota a prática de recomendar pratos que não estão na ementa e apresentar uma conta exorbitante no final”, refere outro cliente.

Nas páginas relativas ao ‘Portugal no Prato’, antigo nome do estabelecimento — há pessoas a alertar que o nome que aparece à porta do restaurante é ‘Made in Correeiros’ –, as críticas são as mesmas.

“Não vão a este restaurante, é um embuste. Dizem que o preço médio de uma refeição é 13 euros, tentam fazer sugestões sem mostrar o menu e, no final, cobram uma fortuna. Eles também têm dois menus com preços diferentes. E a comida é uma merda”, conta uma mulher, em inglês, na crítica feita esta semana na página do Zomato.

“Queria dar zero! Péssimo lugar !!!! (…) Um verdadeiro absurdo o que nessa loja praticam… um prato com uma pequena posta de bacalhau, duas colheres de sopa generosas de bacalhau à Brás completamente sem sal, é uma travessinha minúscula com bacalhau com natas…. 120 euros!!!”, refere outra cliente.

“Abordam na rua oferecendo comida a um preço razoável (entre 8 e 15€), logo colocam milhões de extras e oferecem pratos para comer entre amigos a preços absurdos (140€)”, diz outra crítica.

A verdade é que os preços praticados pelo restaurante constam das ementas. Só que não são assim tão visíveis. No menu que o Observador consultou, só no final surgem os tais pratos mais caros. A primeira parte da ementa não contempla esses pratos. É preciso folhear todo o menu, que está escrito em várias línguas para chegar a uma folha onde surgem então os pratos mais caros.

As contas divulgadas nestas plataformas falam por si: um prato ‘Mista de Marisco’ para duas pessoas a 250 euros, 280 euros por dois pratos com dourada, robalo e camarão, 15 euros por uma caneca de cerveja são apenas alguns exemplos.

A situação do ‘Made in Correeiros’ não é recente e os outros restaurantes da Baixa já se aperceberam do que se passa. Já ouviram queixas de clientes, que gastaram todo o dinheiro que tinham para dois dias de viagem numa só refeição, até já viram pessoas a saírem do restaurante em lágrimas.

De acordo com relatos de proprietários e empregados de outros restaurantes da zona da Baixa, estas situações acontecem recorrentemente desde a abertura do restaurante, há dois anos, de tal modo que a polícia já chegou a ser chamada ao local. Mas ninguém quer falar do assunto e, os poucos que falam, não querem ser identificados.

“Os estrangeiros então são massacrados. Pena dos clientes que ali caem”, conta uma fonte ao Observador.

Isto dá cabo do negócio. Dá para perceber que as pessoas estão desconfiadas”, refere um empregado de outro restaurante na Baixa.

O mesmo funcionário explica que os proprietários do ‘Made in Correeiros’ têm ainda outro restaurante na rua, chamado ‘Obrigado Lisboa’ — cujo nome antigamente era Rio Ceira. Mais uma vez, as críticas são as mesmas.

“Fujam deste local, são desonestos, cobram um simples bacalhau com natas a 120 euros o prato… Lisboa não merece um restaurante destes… o objetivo é enganar os turistas que passeiam em Lisboa… vergonhoso… mostram pratos de 8,5€ a 12€ e depois cobram 100, 120, 200€ …fujam desta burla”, refere um utilizador.

“Uma conta de 100 Euros + 10% de taxa de serviço por um prato de mariscos (que não pedimos e que o proprietário nos disse ser a “entrada” que eu havia solicitado), um prato de peixes variados, 1 cerveja, 2 águas e 1 coca-cola.”, conta outro cliente.

DECO e ASAE receberam várias queixas

A DECO recebeu várias queixas do restaurante ‘Portugal no Prato’ no primeiro semestre de 2016, a maioria de turistas estrangeiros — até ao momento, ainda não recebeu nenhuma relativa ao ‘Made in Correeiros’.

Não chegou a uma dezena de denúncias, mas como havia práticas reiteradas, fomos às plataformas [online] e chegámos à conclusão que havia sempre este tipo de relatos”, explica Ana Sofia Ferreira, da DECO, ao Observador, acrescentando que houve mesmo que tivesse feito queixa à polícia.

Contactada pelo Observador, a PSP não revelou se existem efetivamente queixas contra o restaurante, argumentando que “uma vez que a haver denúncias, estão sujeitas à reserva que a lei impõe” e que “a PSP não individualiza denunciados”.

A jurista da DECO explica ainda que as queixas recebidas relatam uma “conduta reiterada por parte do restaurante” em “induzir os consumidores em erro”. Isto é, os funcionários estavam na rua “a angariar clientes e davam informações incorretas” relativamente aos preços.

Quando eram questionados sobre o preço médio, davam valores muito abaixo do que eram praticados. Temos queixas de consumidores a referir que lhes disseram que iriam pagar 30 a 40 euros e o preço praticado por aquele prato era 140 euros.”

Perante estas queixas, a DECO até tentou marcar uma reunião com os proprietários do restaurante, em maio de 2016, mas “não foi possível chegar à fala” com eles.

No mesmo mês, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor fez uma denúncia à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que abriu um processo para averiguar o caso.

Aliás, a própria ASAE recebeu “cerca de uma dezena de queixas”, feitas ente o final do ano passado e início de 2017, relativas aos preços praticados no ‘Portugal no Prato’.

Só no último ano foram efetuadas duas ações de fiscalização, explica a ASAE num comunicado. Dessas ações foram instaurados dois processos, — que ainda estão em fase de averiguação –, um de “contraordenação por incumprimentos relativos aos requisitos obrigatórios na área de restauração e bebidas” e “um processo crime por fraude sobre mercadorias”. Ou seja, nada relativo à questão dos preços.

A jurista da DECO explica que todos os restaurantes têm obrigação ter os preços afixados de todos os pratos que são vendidos no interior do estabelecimento junto à entrada, para permitir aos clientes verem os preços que são praticados antes de consumirem. O restaurante não pode depois praticar preços diferentes do que anuncia, caso contrário incorre em “práticas comerciais desleais”.

Ora não é isso que acontece no ‘Made in Correeiros’. Ao que a ASAE apurou, os preços — por exorbitantes que sejam — estão nas ementas, logo o restaurante não incorre em nenhuma irregularidade. Cabe por isso ao cliente pedir a ementa para conferir os preços.

O que fazer nestas situações?

Assumindo que os restaurantes têm sempre de praticar os preços que apresentam na ementa, a solução para evitar um dissabor com a chegada da conta é pedir o menu.

Quando entrarem num restaurante, peçam sempre a ementa primeiro”, explica Ana Sofia Ferreira da DECO, aconselhando os consumidores a “não pedir nada sem ver os preços”.

Caso seja recusada a ementa ou a lista vier sem preços, os clientes “devem escrever no livro de reclamações, porque isso é proibido”, acrescenta a jurista.

No caso de não ter pedido o menu e o preço que aparecer na conta for diferente daquele que foi anunciado por um funcionário do restaurante, a jurista aconselha a “fazer uma reclamação na mesma”. Apesar de ser complicado de comprovar, uma vez que tem a ver com uma “informação que foi prestada”, se existirem várias reclamações a ASAE consegue perceber que se trata “de uma prática reiterada do restaurante”.

O Observador tentou obter declarações por parte do ‘Made in Correeiros’, mas o proprietário não se mostrou disponível.