O desfecho era previsível, mas o PS insistiu até à última e agora perdeu o candidato à câmara municipal de Ourém. O atual autarca, Paulo Fonseca, apesar de estar insolvente, insistiu em ser candidato novamente. Na quinta-feira, após um pedido de impugnação da coligação PSD/CDS, o Tribunal de Ourém — num despacho ao qual o Observador teve acessso, considerou Paulo Fonseca “inelegível“, uma vez que não existe “decisão final de encerramento [do processo de insolvência] nem perspetivas de a mesma acontecer até ao dia 1/10/2017“. O PS terá agora como candidata a número dois da lista, Célia Seixo, uma vez que já não pode escolher outro candidato que não integre as listas iniciais.

Na base da decisão do tribunal está o artigo 6º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL) que estabelece, no seu nº 2 que: “São inelegíveis para os órgãos das autarquias locais: a) os falidos e insolventes, salvo se reabilitados […]”. O tribunal rebate os vários argumentos apresentados por Paulo Fonseca, nomeadamente o de que se tornou credor por ser fiador e não a pessoa que contraiu a dívida diretamente.

Excerto do despacho do Tribunal de Ourém a rejeitar a candidatura de Paulo Fonseca.

Para a juíza Hélia Agostinha na LEOAL “não se ressalva se o candidato foi declarado insolvente a título principal ou como fiador. Basta ser declarado insolvente, não se podendo ‘proceder a interpretações extensivas ou aplicações analógicas’ da norma de acordo com os interesses do candidato.” O Tribunal de Ourém entende ainda que “é exigido o exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos autárquicos de carácter eletivo e, no caso particular desta inelegibilidade, a mesma visa evitar que cidadãos comprovadamente incapazes de gerir interesses patrimoniais próprios possam aceder à gestão de interesses patrimoniais de terceiros”.

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Para o tribunal não importa assim como chegou Paulo Fonseca ao estado de insolvência, mas sim apenas que seja insolvente. A juíza escreve que “sem prejuízo da insolvência ter sido declarada por o candidato ter sido fiador, a verdade é que o mesmo ao assumir tal qualidade e incumprindo a sua obrigação, mostrou-se incapaz de gerir o seu património ao avocando uma responsabilidade que não honrou, falecendo deste modo o seu argumento”.

Este desfecho era previsível. Já na semana passada o Observador noticiou que o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém tinha confirmado que o atual presidente e então candidato do PS à câmara de Ourém, Paulo Fonseca, mantinha-se insolvente. Após receber essa certidão do tribunal, a candidatura “Ourém Sempre” (que integra PSD e CDS) entregou de imediato o pedido de impugnação da candidatura do autarca socialista. O tribunal acabou por concordar e Paulo Fonseca não poderá ser candidato.

PS em risco de perder candidato em Ourém. Tribunal confirma insolvência

Paulo Fonseca até chegou a acordo com o principal credor, o BCP, que, segundo o Mirante, comunicou no final de julho que “deixa de ter interesse nos créditos reclamados relativos a avais prestados pelo insolvente”. Isto significa que chegou a acordo com o banco relativamente à dívida que era mais de 1,3 milhões de euros. Mas o acordo com outras entidades (uma até é o Estado, por via da Parvalorem) não se afigura fácil.

O autarca conseguiu ir adiando uma decisão e só foi declarado, oficialmente, insolvente em 2017. Em março, o Observador noticiou que o Ministério Público avançou com um processo para a perda de mandato do presidente da câmara de Ourém. O processo (226/17.8BELRA) decorreu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e a decisão de ter sido declarado insolvente era expectável depois de, no final de novembro de 2016, o Tribunal Constitucional ter rejeitado o recurso que visava impedir a insolvência do autarca, tal como noticiou o Observador.

Ministério Público pede perda de mandato de presidente de câmara do PS

Em meados de dezembro, já após a decisão do Tribunal Constitucional, Paulo Fonseca classificou, em declarações à imprensa local, a possibilidade da perda de mandato como “fantochadas da oposição”. E admitiu que seria candidato nas próximas autárquicas. Acabou por ser o escolhido do PS.

O caso da insolvência de Paulo Fonseca arrasta-se há anos. Quem pediu a insolvência do atual presidente da câmara foi o empresário José Carlos Serralheiro que alega ter-lhe emprestado dinheiro (350 mil euros, embora o valor da ação seja inferior). Paulo Fonseca precisava de capitalizar a empresa de construção da qual era sócio (Batista&Fonseca, Lda) e o empresário terá emprestado o dinheiro com base num acordo de que ou lhe era devolvido ou ficava com 50% da empresa em causa.

José Carlos Serralheiro chegou a contar ao jornal Mirante que nunca ficou com quotas da empresa e que, apesar de ter passados cheques em três ocasiões, estes foram rejeitados. Tudo isto se passou em 2008, quando Serralheiro conheceu Paulo Fonseca (na altura governador civil de Santarém) após a venda de um terreno e decidiu emprestar dinheiro ao político “com base na confiança”. Como se tratava de um governador civil, Serralheiro achou que bastava a palavra, que este não lhe falharia no pagamento e que agiria de boa fé.

Num primeiro momento, Paulo Fonseca foi declarado insolvente em primeira instância pelo Tribunal de Ourém (processo 189/14.1 TBVNO). De seguida, o autarca recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, sendo o recurso admitido e a venda e partilha do património suspensa.

O Tribunal da Relação acabou por se pronunciar (o relator foi o juiz Luís Marinho) para dizer que era necessário simplificar as conclusões, que eram demasiado extensas. O advogado de Paulo Fonseca não as terá alterado ou resumido, o que fez com que o recurso tenha sido rejeitado pelo relator. Foi feita então reclamação para a conferência, que confirmou a rejeição do recurso. Paulo Fonseca insistiu e fez um recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que também não foi aceite.

A 30 de março de 2015, foi feita mais uma reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça que foi admitido quanto à questão da má-fé, mas não o recurso da sentença de insolvência, porque o processo não tinha o valor suficiente para que pudesse ser objeto de recurso (o valor da ação é 30 mil euros e seria necessário, pelo menos, 30.000,01 euros). Por isso, por um cêntimo, o recurso não foi admitido.

A 4 de junho de 2015, Paulo Fonseca recorreu para o Tribunal Constitucional desta decisão do Supremo de não admitir o recurso. A 15 de outubro do mesmo ano o TC admitiu o recurso. O processo (1011/2015) foi concluído a 23 de novembro de 2015, sendo a relatora a juíza Maria Rangel de Mesquita. A decisão final foi tomada, em conferência, a 22 de novembro de 2016, dia em que foi publicado o acórdão que estabelecia que o recurso não tinha sido aceite.

Apesar de ter chegado a acordo com credores como o BCP, no início do processo estavam em causa dívidas que totalizavam — de acordo com fonte próxima do processo — cerca de 4,6 milhões de euros e incluíam como credores vários bancos: além do BCP e da Caixa de Crédito Agrícola de Leiria e até o antigo Banco Português de Negócios (com os créditos a pertencerem a uma sociedade-veículo, a Parvalorem, que ficou com os ativos tóxicos do BPN).