O primeiro-ministro está confiante de que depois das eleições autárquicas de 1 de outubro se vai abrir um “novo ciclo político”, mais amigo de consensos. Em entrevista ao semanário Expresso, António Costa desafia o PSD para um pacto alargado sobre os fundos europeus que terão de ser negociados com Bruxelas para o quadro pós 2020. A ideia é desenvolver uma “estratégia nacional de médio prazo de crescimento e convergência sustentável com a UE”, e para isso o PS, que não conta com o BE e o PCP nestas matérias, está a contar com o PSD.

Mas numa altura em que o clima político está tão crispado e polarizado entre esquerda e direita, o que leva a crer a António Costa que o PSD alinhe num pacto de regime? A mudança de ciclo político, diz. “Passadas as autárquicas, outro tempo virá, certamente com melhores condições para consensos”, diz, depois de admitir que a primeira metade da legislatura foi o “tempo das disputas”, e que a partir de outubro, começará o “tempo dos acordos”. “Até às autárquicas cada um vai tratar de fazer o melhor resultado possível”, acrescenta ainda.

Quer isto dizer que Costa está a contar com uma eventual mudança de liderança no PSD depois do ciclo eleitoral autárquico? “A mim não me compete escolher as lideranças do PSD, compete-me fazer aquilo que é útil para o país. O atual quadro comunitário termina em 2020, é altura de pensar no pós-2020. Não sabemos quantos anos vai ter o quadro comunitário — cinco? Sete? Dez? — mas ele estará muito para lá desta legislatura”, disse, justificando o porquê de apelar ao consenso com o PSD nesta matéria — partido que a par do PS ocupa historicamente a cadeira do poder. Qualquer plano para uma obra pública, insiste, tem de ser consensual à esquerda e à direita.

“A esquerda e a direita não se distinguem, em nenhum do mundo, por decidir se fazem um aeroporto ou não, uma linha férrea e se ela tem este ou aquele traçado. São objetivos que têm de ser consensuais porque são compromissos que ficam para séculos”, diz.

Em entrevista ao Expresso, Costa reconhece que os grandes investimentos em obras públicas devem ser aprovados por maioria de dois terços na Assembleia da República o que significa que é preciso consenso entre os dois maiores partidos (porque a “geringonça” não chega). Questionado sobre se a segunda metade da legislatura será o tempo do regresso às grandes obras públicas, o primeiro-ministro admitiu que “se queremos ser competitivos temos de ter boas infraestruturas”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Trata-se, no seu entender, de tirar melhor partido do aeroporto Sá Carneiro, das ligações ferroviárias com a Europa, da expansão do porto de Sines ou de ter ou não um terminal de contentores no Barreiro. “Estas matérias não podem eternizar-se no debate público nem podem ser objeto de decisões contraditórias de cada vez que muda o Governo”, afirma, rejeitando contudo que esteja a admitir a construção de uma linha férrea de alta velocidade, mas insiste numa solução para o novo aeroporto.

“Quanto ao novo aeroporto temos de ter uma resposta urgente. A solução do Montijo é aquela que temos estado a trabalhar, mas há outras decisões que têm de ser tomadas e por uma maioria de dois terços”, volta a referir, desafiando uma vez mais o PSD para entrar no debate das decisões.

Sobre as eleições autárquicas deste ano, Costa diz que um bom resultado para o PS é “ter mais Câmaras e manter a presidência da Associação Nacional de Municípios, ter mais juntas de freguesia e manter a presidência da Associação Nacional de Freguesias”. Ou seja, repetir a proeza de 2013, onde o PSD teve um dos piores resultados autárquicos de sempre.

Em relação ao mês fatídico de junho, altura em que decorreu a tragédia dos fogos de Pedrógão Grande e, quase em simultâneo, o assalto à base militar de Tancos, António Costa desvalorizou a ideia de os acontecimentos desse mês terem revelado um Estado frágil, sugerindo que em funções executivas há sempre bons e maus momentos. “É tão absurdo achar que é mérito do Governo a vitória no Festival da Eurovisão, como achar que é demérito do Governo não evitar um fenómeno natural”, diz, sublinhando que o Governo está a seguir o quadro normal de atuação depois de um incêndio: apagar, reconstruir e apurar responsabilidades.

“Não deve haver ninguém em Portugal que exerça funções executivas há mais anos consecutivos do que eu. Nos últimos 20 anos, com exceção de dois anos em que estive como deputado na AR e no Parlamento Europeu, tive sempre funções executivas. E se há coisa que aprendi é que no exercício de funções executivas há boas e más notícias”, afirmou ainda.

Sobre o futuro do PS, que está com bons indicadores nas sondagens, muito perto da maioria absoluta, António Costa afirma que “a atual solução governativa não depende de haver ou não maioria absoluta”, uma vez que, diz, “há ganhos políticos e sociais muito importantes que resultam da atual solução parlamentar e que não resultariam se ela não existisse”. Ou seja, por si, a geringonça seria para continuar. Mas Costa também não nega o doce sabor da maioria. “Só lhe posso dizer que estou muito satisfeito com a solução governativa atual”, limita-se a dizer quando questionado sobre se esta solução era melhor do que a maioria absoluta.