Génio e figura. Jerry Lewis, ora pois. Se há questão que apaixona os adeptos mais encarniçados de qualquer assunto, é estabelecer constantes comparações entre os grandes nomes do passado, mesmo quando o cotejo é de problemática aplicação, como Maradona ou Pelé, Beatles ou Rolling Stones, Batman ou Homem-Aranha, Seinfeld ou Uma Família às Direitas.

Imagine isso no cinema: Jacques Tati, Charlie Chaplin ou Jerry Lewis? Pura comédia, na verdade. Basta, basta de escolhas difíceis, complicadas e, vá, impossíveis. Vamos “mazé” com todos. Com o sr. Hulot, o vagabundo e o Joseph Levitch. Quem? Joseph Levitch, mais conhecido como Jerry Lewis. É várias vezes milionário, tem um escritório só dele na Paramount com um letreiro especial (“Jerry Lewis, o Chefe”) e a sua enorme mansão era a de Louis B. Mayer em Bel Air. Mantém tudo como está, à exceção dos cinzeiros, onde inscreve as suas iniciais. É um excêntrico. E um génio da eletrónica.

Ato I. É ele quem inventa isto: ao lado da câmara monta uma câmara de televisão de tamanho reduzido. Está ligada à câmara cinematográfica de modo que quando se filma uma cena não é necessário olhar pelo visor; basta olhar para um dos monitores e lá está o plano tal como aparecerá no ecrã – é como estar a ver os rushes ao mesmo tempo que são feitos. Jerry Lewis é reconhecidamente o primeiro ator a levar máquina fotográfica para os festivais de cinema, fossem eles em Cannes fossem em Hollywood. Curiosamente, é em Cannes que se dá esse movimento muito seu, ainda hoje falado (e de que maneira) ciclicamente no festival de cinema no sul de França. O seu desporto é fotografar fotógrafos. É um excêntrico. E um génio do microfone.

Ato II. Na filmagem de “Ladies’Man” proíbe o uso do microfone de girafa. Em vez disso, enche o cenário com 50 ou 60 microfones e reduz extraordinariamente o tempo de rodagem. Porquê? Porque o microfone de girafa obriga qualquer realizador a trabalhar realmente uma hora em oito – e quatro das outras sete são despendidas a preparar a iluminação devido à girafa – para evitar sombras e coisas do género. No filme “Errand Boy” o uso da girafa é diminuto. O departamento de som irrompe no estúdio para uma troca de palavras com o realizador Jerry Lewis. “Ouvi dizer que se rebelou”, insurge-se o mais velho dos maiorais. “Veja bem a simplicidade disto [enquanto faz um desenho numa folha de papel em branco]: se se sabe que não se pode abrir uma porta do cenário a sete metros de distância do lugar em que se filma porque a girafa apanha o ruído – porque é que um microfone, a metro e meio do ator, não há-de apanhar a voz dele tão claramente como a girafa por cima da sua cabeça?”

Os homens não o entendem, ou simplesmente não querem puxar pela cabeça por aí além. “Vocês, a fim de justificarem as vossas posições, têm de complicar tudo. É o resultado de 30 ou 40 anos de trabalho repetitivo. Sempre que vou começar a rodar uma cena há um pateta que entra no cenário para pôr lá o que for e que não teve tempo de pôr antes. É muito triste. É uma maneira de chamar a atenção para a sua pequena tarefa. Parece-me que se me pagassem de segunda a sexta-feira para fazer uma coisa e se a pudesse fazer em três dias ficava com os outros dois para descansar. Mas eles gastam mesmo os cinco dias.” Jerry Lewis é o companheiro de Dean Martin durante dez anos, uma dupla de sucesso ilimitado. Na hora da separação, ao que parece provocada pela aspereza de Dino, o mais novo da dupla não sabe lidar com a rutura e anda aos trambolhões sem destino nem rumo. Toda a sua carreira é alicerçada na relação profissional com Dean Martin. Sozinho no mundo (do espetáculo), é altura de Jerry ser excêntrico. E um génio da música.

Ato III. Quando Sid Luft, marido de Judy Garland, liga a convidá-lo para reentrar no mundo (do espetáculo) porque a sua mulher está com uma laringite, as hesitações são mais que muitas. Há dez anos sem atuar a solo, Jerry ganha o braço-de-ferro consigo mesmo e entra no palco. Durante uma hora, Jerry é um bichano para a plateia que o adora, mas falta um grand finale. Chega o momento da verdade e Jerry decide-se por cantar. Pede então ao chefe da orquestra que lhe dê a lista de canções de Judy Garland e opta pela única que sabe de cor e salteado, “Rock-A-Bye”. Com o microfone na mão e a alma na voz, é flamejante. Quando acaba de cantar, 900 pessoas aplaudem-no como se os EUA tivessem acabado de ganhar a terceira guerra mundial. Assim do nada, vendem-se mais de um milhão de cópias do seu single de “Rock-A-Bye”. É um excêntrico. E uma figura genial.

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