Os restaurantes indianos são como as boas intenções. Só que não é preciso descer ao inferno, Lisboa está cheia deles. E nada como uma cidade repleta de espaços que não fogem à regra para fazer brilhar um conceito de exceção. O Chutnify abriu em agosto, no Príncipe Real, em Lisboa, e está a anos-luz dos indianos convencionais, na cozinha e no ambiente. Ao início, a ausência de pequenos Budas multicolores até pode fazer alguma confusão, mas é uma questão de tempo até enfiar os dedos na comida e chegar à conclusão de que ter um profeta anafado a vigiar-lhe a refeição não faz falta nenhuma.

O conceito veio diretamente de Berlim, onde Aparna Aurora inaugurou o primeiro restaurante há menos de três anos. O segundo abriu há um ano e, ao terceiro, resolveu mudar de ares. Afinal, parece que entre Lisboa e a capital alemã há mais semelhanças do que pensamos (pelo menos, segundo a CNN). “Pensei em Madrid, onde já vivi. Mas, embora gostem de boa comida e de experimentar novos restaurantes, percebi que os madrilenos não estavam tão abertos como os portugueses”, conta a proprietária. Há 12 anos que não vinha a Lisboa e, no regresso, todas as dúvidas se dissiparam. Encontrou uma cidade mais luminosa e muito mais cool e viu no Príncipe Real a combinação perfeita para fazer vingar o Chutnify — tem lisboetas, estrangeiros e ainda um pezinho na noite. Pergunta: mas o que é que isso interessa para um restaurante indiano? Para este, interessa muito.

A Duck Dosa, com perna de pato e chutney de coco. © Júlio Lobo Pimentel/Observador

“Na maioria dos restaurantes indianos, vamos lá porque a comida é boa, comemos e depois vamos para outro sítio beber alguma coisa. A ideia é as pessoas passarem aqui uma noite agradável. Temos bons cocktails e boa música. Gostava que aparecesse mais gente para beber um copo ao fim do dia, com alguns snacks a acompanhar”, afirma Aparna. E assim se começa uma viagem gastronómica pela Índia, com muitas influências de street food pelo meio, a começar pelas dosas. A especialidade não se encontra aí ao virar da esquina. Segundo a Aparna, confecionar esta iguaria está longe de ser fácil. A massa, semelhante à de um crepe, é feita de arroz e lentilhas e resulta de uma fermentação de dia. Os recheios estão à altura dos vários níveis de apetite. Pato, o mais picante, batata, queijo, tomate, pimentos e coentros ou a receita mais simples, só com a massa acompanha por chutney de coco, o ingrediente comum a todas as dosas (entre 4,50 e 12€). No Chutnify, não se negam talheres a ninguém, se bem que estas dosas, além de partilhadas, devem ser comidas à mão. No sul da Índia, o aspeto deste prato típico varia consoante a região. Mais ou menos estaladiço, parece que é especialmente popular na mesa do pequeno-almoço. Para Aparna, as memórias são outras: os domingos em família.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Embora não venha no menu, a história da proprietária do restaurante não é menos apetitosa. Aparna Aurora nasceu e cresceu no norte da Índia, mas o curso de design de moda levou-a para a Austrália. Nos últimos 20 anos, trabalhou para marcas como a GAP e a Hugo Boss, andou entre Nova Iorque e a Europa, viveu na América Latina e foi numa viagem de trabalho a Hong Kong que conheceu o marido. Fartou-se da grande indústria da moda e, há oito anos, criou a sua própria marca de roupa para crianças. “Abrir um restaurante era um daqueles sonhos que achamos que nunca se vão concretizar”, conta. Este foi para a frente. Abriu o primeiro restaurante em Berlim, onde vive atualmente, e durante os primeiros quatro meses foi quem tomou conta dos tachos. Uma espécie de estágio que a fez conhecer bem todas as áreas do negócio.

A equipa do Chutnify. Aparna Aurora, a dona do restaurante, é a segunda pessoa a contar da esquerda. © Júlio Lobo Pimentel/Observador

Hoje, fica-se pela gestão. Para Lisboa trouxe dois chefs, um veio de um hotel de cinco estrelas na Índia, o outro da cozinha de um dos melhores restaurantes indianos em Londres. Aparna é a primeira a admitir que o Chutnify lisboeta é, dos três, o que tem a cozinha mais bem apetrechada, dos chefs aos próprios utensílios. Não falta o tradicional tandoor, até porque há clássico que não dá para deixar de lado, mas são as louças, peças em cerâmica do designer João Abreu Valente, que fazem a diferença. As especiarias são indianas, como não podia deixar de ser. Tudo o resto é bem português e chega todas as manhãs ao restaurante. É tudo feito na casa. “Se não somos nós a fazer, não entra no menu”, diz Aparna. Caril, há mais do que um, sempre adaptado ao prato. O mais forte acompanha o borrego (13€). As receitas de robalo, frango, grão e de beringela saem bem mais leves (entre 9€ e 15€). Indeciso? Há um menu de degustação que resolve todos os dilemas. É composto por três entradas, uma mini dosa, um prato principal e uma sobremesa. Fica em 28€ por pessoa.

“A Índia não é o que vemos na maioria dos restaurantes indianos. Há cada vez mais espaços como este, cool, mas as pessoas ainda acham que é só ioga e estátuas de Buda”, afirma a proprietária. O espaço fala por si. Assinado por um designer de interiores mexicano, o projeto levou três meses a concretizar. Cozinha visível da sala, um balcão que serve de bar, paredes e tampos de mesas pintados. O kitsch bollywoodesco salta à vista, tal como já acontece nos restaurantes de Berlim. Um espaço que também já se pode espreitar a luz do dia, agora que o Chutnify começou a abrir à hora de almoço.

Uma das especialidades do bar, o Sassy Lassi, com rum, água de coco e lassi de manga. © Júlio Lobo Pimentel/Observador

A carta de cocktails também entra nesta categoria de inovações abençoadas. Não estamos habituados a vê-los em restaurantes indianos, muito menos a bebê-los à refeição. Sejam bem-vindos. Muitos têm como base a espirituosa mais popular na Índia, o rum. Com chili, lima e gengibre, combinado com água de coco e lassi de manga, com chai ou surpreendentemente temperado com caril e clara de ovo, os preços não vão além dos 8,20€. Tal como na comida, o objetivo é ir testando novas receitas e ter um menu que muda com frequência. Os produtos sazonais têm uma palavra a dizer, na cozinha e no bar. Está visto que, além dos pratos, a Índia também se serve a copo.

Nome: Chutnify
Morada: Travessa da Palmeira, 42, Lisboa
Horário: De terça a domingo das 12h às 15h30 e das 19h às 00h
Telefone: 21 346 1534
Reservas: Aceita
Site: www.facebook.com/chutnifylisbon