O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entraram numa guerra mais pública do que o que seria aconselhado, a semanas de o governo ter que aprovar, por exemplo, o aumento do limite máximo de endividamento do Estado e um novo código fiscal. Isto para não falar do Obamacare, o plano de saúde instituído pelo antigo presidente Barack Obama que estendeu a assistência na saúde a milhões de norte-americanos, que os republicanos querem anular e substituir por outro. Que outro? Não há planos conhecidos. Ou das mudanças que Trump quer impor à imigração, que deverá passar a ser “por pontos”. Isto significa, na prática, que os trabalhadores mais jovens, com mais qualificações académicas e com domínio do inglês têm mais pontos e por isso mais possibilidade de se tornarem residentes permanentes. As críticas não têm sido poucas e é neste ambiente que tanto Trump como McConnell, que deveria ser o seu maior aliado, têm vindo a travar uma batalha pelo poder.

O diário norte-americano New York Times falou com várias pessoas dentro da Casa Branca e ouviu sussurros de que o que se passa lá dentro está perto de um cenário de Guerra Fria. Mas a temperatura, relataram as testemunhas ouvidas pelo Times, às vezes sobe. No dia 9 de agosto, por exemplo, os dois homens envolveram-se numa extensa e acesa discussão telefónica: de um lado Donald Trump criticava o líder da maioria por não se ter esforçado para anular o Obamacare. Na mesma chamada aproveitou para se exasperar com o facto de McConnell não ter feito o suficiente para evitar que prosseguissem as investigações às alegadas ligações da sua equipa a membros próximos do governo russo.

Nem Trump nem McConnell aceitaram falar com o Times sobre estas revelações mas Don Stewart, porta-voz de McConnell, disse que o senador e o presidente tinham “objetivos comuns” elencando alguns como “a reforma fiscal, o financiamento do Estado, a construção de nova infraestrutura e a lei de autorização do orçamento para a Defesa”.

Em público, McConnell já se tinha demonstrado, noutras ocasiões, enervado com as críticas que Trump tem tecido aos republicanos que não concordam com ele; e também já disse que as “expectativas desajustadas” do presidente prejudicam o normal funcionamento da legislatura. “O nosso novo presidente não esteve nunca, como é claro, neste ramo profissional e acho que as suas expectativas estão desajustadas em relação à rapidez possível do processo democrático”, disse McConnell no estado do Kentucky, um dia depois do telefonema.

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Mas em privado, o senador torna-se ainda mais cáustico. Segundo fontes ouvidas pelo diário norte-americano, McConnell descreveu Donald Trump como alguém “incapaz de aprender os elementos mais básicos da governação”. Junto dos seus conselheiros próximos, McConnell, escreve o Times, mostrou-se “muito baralhado” quanto ao caminho que Trump está a seguir na presidência e “descrente” que ele possa “salvar a sua Administração”.

A gota que fez transbordar o copo caiu no fim de semana passado, com os comentários — ou a falta deles — de Donald Trump aos confrontos em Charlottesville, na Virgínia. Segundo pessoas próximas de McConnell, o senador ter-se-á mostrado “enojado” com a aparente dificuldade expressa pelo presidente em distinguir os manifestantes anti-nazis daqueles que de facto estavam a manifestar-se pela segregação racial.

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Não é possível antever como se desenrolaria uma guerra aberta entre os dois homens, mas alguns republicanos ouvidos pelo New York Times consideram McConnell, antes de tudo o resto, um homem pragmático, que não teria problema em liderar uma revolta e retirar o apoio a Trump. De um lado está um amador político, que não conhece as manhas de Washington tão bem como McConnel mas que ainda detém uma forte base de apoio junto de milhões de norte-americanos desiludidos com os políticos “mais do mesmo”. Do outro McConnell, um carreirista, exímio na organização de festas para angariação de fundos… e simpatias. Contudo, sem fãs, nem bonés, nem t-shirts nem crachás.

O que tem, porém, é cada vez mais membros do seu partido abertamente críticos do presidente.