A polémica em torno dos cadernos de atividades para rapazes e raparigas da Porto Editora levou o Governo a recomendar que as publicações fossem retiradas dos pontos de venda, considerando que os livros acentuam “estereótipos de género que estão na base de desigualdades profundas dos papéis sociais das mulheres e dos homens”. E esta quarta-feira a Porto Editora seguiu a recomendação, suspendendo a venda dos dois livros.

No comunicado enviado pelo Gabinete do Ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, a CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género dá alguns exemplos para justificar a sua posição: num dos exercícios no caderno para os rapazes, há uma “promoção do contacto com o exterior (campo, árvore, ancinho, águia, etc.)”, enquanto na atividade para as raparigas “a atividade apresenta cinco objetos, todos eles ligados a atividades domésticas (leite, manteiga, iogurte, alface e maçã)”. “Ainda num outro exemplo, a proposta para os rapazes é a de um cientista construir um robô, enquanto que para as raparigas é a de ajudar a mãe a preparar o lanche”, lê-se no documento.

Polémica. Editora aceita recomendação do Governo para retirar livros

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Outro dos problemas apontados pela CIG é o facto de os livros terem “diferentes graus de dificuldade em algumas das atividades propostas para rapazes e raparigas”, mas não especifica quais.

A Porto Editora assumiu na terça-feira, através de uma publicação no Facebook, que há diferenças em algumas atividades, mas ressalva que existem exercícios difíceis tanto para as raparigas como para os rapazes. “E se há um exemplo em que o exercício no caso das meninas é aparentemente mais fácil [como é o caso de um exercício com um labirinto], há vários outros em que os exercícios são aparentemente mais difíceis”.

[Veja nesta fotogaleria os seis exercícios que estão no centro da polémica]

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Eles e elas são diferentes? Sim, mas isso não justifica as diferenças em causa, diz neurocientista

A neurocientista Diana Prata analisou alguns dos exercícios dos livros e não encontra justificação para estas diferenças. “Nenhuma destas tarefas recruta capacidades cognitivas para as quais haja evidência de um sexo, em média, ser mais bem sucedido que o outro. Logo, não há justificação para tanto uns serem escolhidos para ser mais difíceis para os rapazes como para as raparigas”, referiu a investigadora do Instituto de Medicina Molecular ao Observador.

No caso dos labirintos, por exemplo, a especialista diz que “não há evidências que comprovem que as raparigas têm mais dificuldades que os rapazes”.

Ainda assim, Diana Prata sublinha que há efetivamente diferenças entre rapazes e raparigas, mas não é muito significativa. “Em média, a diferença não é muito grande. É como na altura: há mulheres mais altas que homens, mas em média os homens são mais altos.”

E dá alguns exemplos: os bebés do sexo feminino “têm mais inclinação para bonecas e para caras”, enquanto os do sexo masculino têm uma maior tendência para “objetos mais utilitários”. A neurocientista refere ainda que as raparigas “têm mais facilidade em inferir estados emocionais através de expressões faciais e na linguagem em geral” enquanto os rapazes mais facilmente conseguem “imaginar um objeto a rodar no espaço”.

Ainda assim, Diana Prata não acredita que o livro tenha sido desenhado com o “propósito de fazer tarefas mais difíceis para os rapazes”, uma vez que, em mais de 60 atividades, não há uma diferença “significativa” para se tirar esta ilação. “Penso que se o desenhador/editora tivessem essa intenção, usariam essa diferença de dificuldade em muitas mais tarefas do livro.”