Empreendedor, inventor, construtor. Apaixonado por submarinos e naves espaciais. Conhecido na Dinamarca como “Foguetão Madsen”, Peter Madsen apareceu esta semana nos jornais de todo o mundo por ser o principal suspeito da morte da jornalista sueca Kim Wall, que a 10 de agosto embarcou num submarino desenhado e construído por ele e nunca mais foi vista. O corpo da repórter, sem cabeça nem membros, foi encontrado esta segunda-feira por um ciclista numa praia a sul de Copenhaga, depois de ter estado dez dias desaparecido. A história é mórbida e misteriosa, e ainda há muito por explicar.

Dinamarquês de 46 anos, Peter Madsen orgulhava-se de ter construído, com recurso a donativos e angariação de fundos, aquele que o próprio garante ser o maior submarino do mundo de construção artesanal, com quase 18 metros de comprimento e 40 toneladas: o UC3 Nautilus, que naufragou e está no centro da morte de Kim Wall. Trata-se de um submarino privado, construído por uma equipa de 10 voluntários durante três anos, e lançado a 3 de maio de 2008 em Copenhaga.

[Veja um vídeo sobre o submarino e o seu construtor colocado no YouTube por uma empresa de que Peter Madsen foi co-fundador, a Copenhagen Suborbitals]

https://www.youtube.com/watch?v=Oysz1S4do-g

Em 2015, a Associação Submarino UC3 Nautilus, que era composta por Madsen e pelos dez voluntários responsáveis pela sua manutenção, entrou num conflito sobre a propriedade da embarcação, acabando por transferi-la formalmente para as mãos do dinamarquês, segundo se lê num comunicado (em dinamarquês) datado de 5 de março de 2015. Durante essa disputa tensa, Madsen viria, de acordo com o comunicado, a deixar mensagens insólitas aos restantes membros da referida associação que geria o submarino: “Podem pensar que a maldição está no Nautilus, mas a maldição sou eu. Não haverá paz no Nautilus enquanto eu existir”, dizia, citado pela BBC.

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Depois do processo legal, o navio voltou a operar no início deste ano. A lei dinamarquesa proíbe um submarino particular como aquele de transportar passageiros, mas o UC3 Nautilus oferecia visitas guiadas ao navio atracado para “proporcionar a verdadeira experiência de estar a bordo de um submarino verdadeiro”.

“Podem pensar que a maldição está no Nautilus, mas a maldição sou eu. Não haverá paz no Nautilus enquanto eu existir”, escreveu Peter Madsen numa mensagem em 2015 (BAX LINDHARDT/AFP/Getty Images)

A paixão de Madsen por submarinos era conhecida na Dinamarca. Mas depressa escalou para outro ramo: a exploração espacial. Na sua página da Wikipedia, é descrito como um engenheiro aeroespacial autodidata, empreendedor, artista e e construtor de submarinos. Não é claro qual é a sua formação e onde aprendeu o ramo, pelo que é habitualmente identificado como “engenheiro por hobby” ou “fabricante amador”.

Um hobby que, no entanto, exerce como profissão. Começou por financiar todos os seus projetos — incluindo a construção dos submarinos — com recurso a sistemas de angariação de fundos pela Internet, como o crowdfunding. É co-fundador da Copenhagen Suborbitals, uma empresa privada sem fins lucrativos relacionada com o lançamento de naves tripuladas no espaço. Lançada em 2008, Madsen acabaria por sair da empresa em 2014, depois de se ter desentendido com o sócio, o arquiteto Kristian Bengtson.

Nessa altura, criou uma outra empresa, a Rocket Madsen Space Lab, com o objetivo de desenvolver e construir uma nave espacial tripulada. Em 2016, esta empresa começou a desenvolver um veículo para o lançamento de nanosatélites com recurso a capital de risco. Sempre a sonhar com naves tripuladas, a Copenhagen Suborbitals chegou a lançar vários foguetões experimentais sem pessoas a bordo.

“Fazemos isto por amor aos foguetões espaciais, porque gostamos de ver a nave lançar-se em direção ao céu azul e a dirigir-se ao espaço”, disse uma vez à BBC, em 2012, quando liderava a Copenhagen Suborbitals.

O crime e o corpo

O último capítulo da vida de Madsen começou assim: Kim Wall tinha 30 anos, era uma jornalista freelancer que escrevia pontualmente para o The Guardian, para o The New York Times ou para o South China Morning Post e preparava-se para escrever uma reportagem sobre o submarino e o seu inventor. Mas a reportagem nunca chegou a ser feita. Kim Wall encontrou-se com o proprietário do navio no porto de Copenhaga no dia 10 de agosto, altura em que os dois iniciaram viagem; foram avistados pela última vez no submarino por volta da meia-noite, antes de o navio submergir. No dia 11, de manhã, o submarino ainda foi avistado através do farol, mas por volta das 11h dessa manhã acabaria por naufragar.

Só ao final do dia 11 é que a polícia dinamarquesa foi notificada do desaparecimento de Kim Wall — depois de o namorado ter dado o alerta por de a jovem não ter regressado a casa conforme estava previsto. Peter Madsen foi resgatado do navio, tendo inclusive sido noticiado o seu salvamento. Mas a história estava longe de acabar. Perante o desaparecimento da jovem de 30 anos, o homem de 46 anos foi logo detido. E em tribunal contou versões contraditórias.

Kim Wall era jornalista freelancer e trabalhava para vários jornais internacionais

Primeiro, começou por dizer que tinha deixado a jornalista em segurança em Copenhaga e que tinha prosseguido a navegação até ter sido confrontado com problemas técnicos, que levariam ao naufrágio. Depois, acabaria por admitir em tribunal que Kim Wall tinha sofrido um “acidente” e que tinha atirado o corpo ao mar, na baía de Koge, na Dinamarca. O corpo apareceu, dez dias depois, em condições desumanas: apenas o torso, sem membros nem cabeça. A polícia dinamarquesa confirmou esta quarta-feira de manhã que o ADN correspondia mesmo à jovem jornalista sueca.

Corpo sem cabeça e membros corresponde à jornalista sueca desaparecida após naufrágio de submarino

De acordo com o investigador chefe Jens Moller Jensen, citado pela BBC, o corpo desmembrado tinha sido ligado a pedaços de metal, para que fosse ao fundo. Mais: foram encontrados vestígios de sangue dentro do navio, que corresponde à jornalista; a polícia ainda está à procura das restantes partes do corpo, que acredita terem sido mutiladas para tornar o corpo menos propício à flutuação.

A advogada de defesa de Peter Madsen, que começou por ser acusado de homicídio por negligência, contudo, mantém a história: o facto de o corpo ter sido encontrado, desmembrado, não muda a tese de que morreu num acidente, diz. Peter Madsen declarou-se inocente numa audição judicial esta manhã à porta fechada.