Durante uma das quatro conferências de promoção ao ‘Combate do Século’ com Conor McGregor a viajar por cidades e continentes diferentes, Floyd Mayweather repetiu uma frase que tem há anos e que vai apenas atualizando com o passar dos seus combates. “Deus não faz nada por acaso: ele quis que o meu registo fosse perfeito e ele vai continuar a ser perfeito.” Aos 41 anos, o americano conta com uns históricos 49-0 em combates como profissional, o que lhe valeu tudo aquilo que sempre quis na vida: prestígio, mulheres e dinheiro. Mas nem sempre foi assim e, enquanto amador, sofreu oito derrotas, a última das quais nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta.

“Se houve influências para ganhar aquele combate? É possível, claro”, admite hoje à Fox Sports, 21 anos depois, o búlgaro Serafim Todorov, antigo pugilista que tem no seu currículo essa medalha de ter infligido a última derrota a Mayweather. Mas foi só mesmo essa medalha de prata (viria a perder na final com o tailandês Somluck Kamsing) que ganhou: enquanto o americano passou para o profissionalismo e se tornou milionário, sendo agora conhecido como ‘Money’, Todorov, que tinha a alcunha de ‘Sarafa’ (pessoa que troca dinheiro, numa tradução literal), vive com menos de 400 euros por mês em Pazardzhik (435 dólares, cerca de 370 euros no atual câmbio).

O búlgaro bateu o americano nesse combate aos pontos por 10-9, numa das decisões mais controversas nos Jogos Olímpicos, à qual não foi alheio o dedo de Emil Jetchev, que era na altura presidente da comissão internacional de árbitro e juízes e já tinha sido muito criticado nos Jogos de Seul, em 1988. No entanto, a glória de Todorov e a desilusão de Mayweather foram efémeras: o americano fartou-se do boxe amador e ganhou nessa decisão a força para fazer uma das mais brilhantes carreiras de sempre do desporto mundial; o búlgaro entrou daí para cá numa espiral de insucessos que o remeteram para o anonimato.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Logo após o combate, Sarafa recusou uma proposta de um grupo de promotores americanos para se tornar profissional. Esperava que, depois daquele sucesso, a Bulgária lhe desse mais apoios para progredir. Não deu. Mas pior: quando quis competir no Campeonato do Mundo pela Turquia, a Federação da Bulgária de Boxe fechou-lhe a porta. Todorov recusou-se a representar mais o país onde nasceu e acabou a carreira em 2003, com mais alguns combates sem o mínimo de mediatismo e apenas para ir conseguindo pagar as contas.

Nascido em Peshtera, Serafim Todorov começou no boxe com apenas oito anos e não demorou a dar nas vistas. Estava ali um prodígio, com um único calcanhar de Aquiles na capacidade de concentração. Como o próprio admite, havia duas coisas que lhe tiravam o foco: as mulheres e o rakia, bebida tradicional dos países balcânicos. Por isso, o treinador de sempre, Georgi Stoimenov, tinha de dormir no quarto do pugilista para garantir que se mantinha bem para os combates.

Mesmo treinando mais a sério apenas três semanas antes das grandes competições, foi três vezes campeão mundial (1991, Sidney; 1993, Tampere; 1995, Berlim) e europeu (1989, Atenas; 1991, Gotemburgo; 1993, Bursa). Após essa vitória sobre Mayweather, quando esperavam junto à sala de controlo anti-doping, surgiu o tal grupo de promotores americanos. Explicaram-lhe que dificilmente haveria outro pugilista branco com aquele estilo. Ofereceram-lhe um chorudo prémio de assinatura, casa, carro e uma nova vida entre multidões. Recusou. Hoje, arrepende-se. Até porque, logo depois da nega, Mayweather aceitou esse convite para a glória.

“Fui estúpido. Quis acreditar que as coisas iam mudar para melhor, mas encontrei o inferno. Era muito esperto, um pugilista bonito e atraente para quem via. Temos de ser artistas no ringue e eu era um artista. Tinha muita experiência, já tinha batido todos os russos, cubanos, alguns americanos, alemães, campeões olímpicos. Gozava com eles todos… Britânicos, franceses, ganhava a todos. Fui estúpido e depois não conseguia parar de beber, beber para esquecer”, admitiu ao The New York Times em 2015.

“Depois daquele combate, tudo se desmoronou na minha vida. Dou os parabéns ao Floyd por tudo o que conseguiu atingir na vida com muito trabalho. Não tenho inveja dele porque fez o que estava certo, trabalhou para conseguir tudo o que atingiu. Por isso, merece tudo”, reforçou à CNN nesse mesmo ano.

“No combate pela medalha de ouro, senti que os juízes tinham sido corrompidos e que estavam envolvidos num esquema. Já tinha vencido aquele adversário vezes sem conta com apenas cinco dias de treino. Se tivesse ganho, iria considerar-me o pugilista perfeito. Depois de perder, fiquei em Atlanta mais dois dias à espera de avião, afoguei as mágoas em álcool e queria reformar-me mal cheguei à Bulgária”, acrescentou.

”A vida agora é a minha família, já não costumo falar com as pessoas. Sofri com depressões vezes sem conta na minha vida e ainda agora estou deprimido. Tenho uma vida mundana com a minha família”, explicou.

Todorov vive hoje, aos 48 anos, com 370 euros por mês. Mayweather, de 41 anos, poderá receber cerca de 300 milhões de euros apenas pelo combate com McGregor. E tudo podia ter sido tão diferente…