“Como Cães Selvagens”

Paul Schrader tem a sua quota parte de queixas de estúdios e produtores que lhe tiraram filmes das mãos e os remontaram, mutilaram e descaracterizaram. Em “Como Cães Selvagens”, que rodou em 25 dias, com base num livro do escritor e antigo delinquente e presidiário Edward Bunker, e servindo-se de uma equipa composta em grande parte por gente recém-saída de cursos de cinema, o argumentista de “Taxi Driver” e “O Touro Enraivecido”, e realizador de “American Gigolo” e “Mishima”, teve as mãos livres e direito a montagem final. Só que o resultado dessa liberdade é decepcionante. A fita centra-se em três delinquentes (Nicolas Cage, Willem Dafoe e Christopher Matthew Cook) que querem dar um golpe grande o suficiente que lhes garanta a saída da vida de crime, e que lhes é proposto sob a forma do rapto de um bebé, filho de um bandido que deve dinheiro a outro bandido. Como seria previsível, as coisas dão para o torto

Quem perde a cabeça em “Como Cães Selvagens” não é, como seria de esperar, Nicolas Cage mais a sua personagem, mas sim o próprio Schrader, que atira com a carne toda para o assador, como se costuma dizer no futebol: violência gráfica e diálogos “offbeat” à Quentin Tarantino, efeitos visuais arrevezados à Oliver Stone do tempo de “Assassinos Natos”, sequências gratuitas em câmara lenta. Junte-se a isto a amoralidade postiça da história e do comportamento das personagens, e um argumento muito desengonçado e que deixa pontas do enredo soltas, e temos que Paul Schrader, que também aparece no papel de um mafioso, desperdiçou aqui uma boa oportunidade para mostrar o que (ainda) vale. O seu último bom filme continua a ser “O Acompanhante”, de 2007. Veremos agora como será “First Reformed”, que vai competir no Festival de Veneza.

“O Guarda-Costas e o Assassino”

Um filme de acção inverosímil até á última casa e absurdo de babar na gravata, que mete batalhas campais entre milícias de Leste e forças especiais inglesas nas ruas de Manchester e Coventry, perseguições bondianas de moto, carro e barco nas ruelas e nos canais de Amesterdão e um atentado à bomba com um camião pesado mesmo à porta do Tribunal Penal Internacional de Haia. Ryan Reynolds faz um antigo agente da CIA e ex-“segurança” topo de gama, que tem que assegurar que o assassino profissional interpretado por Samuel L. Jackson não seja morto antes de ir testemunhar em tribunal contra um tirano genocida bielorusso (Gary Oldman, a ganhar para a reforma), e a conversa fiada entre os dois é tão constante, intensa e cacofónica como a fuzilaria em seu redor. Quem brilha neste filme de Patrick Hughes são os “duplos”, que fazem um magnífico trabalho, em especial na alucinante perseguição envolvendo três meios de transporte diferentes na capital holandesa.

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“Os Desastres de Sofia”

Depois de uma incursão para esquecer pela poesia de Ovídio em “Metamorfoses” (2014), o francês Christophe Honoré mantém-se do lado dos clássicos em “Os Desastres de Sofia”, só que com um público mais novo e menos crescido em mente. Que aliás conhece bem, porque além de realizador, também é autor de livros para os mais pequenos. Eis uma adaptação e uma combinação livre, inteligente, sensível, cheia de poesia e nem bota-de-elástico, nem a armar ao modernaço, de dois livros de uma trilogia da Condessa de Ségur (nascida Sofia Rostopchine na Rússia) o dito “Os Desastres de Sofia” e a sua continuação, “As Meninas Exemplares”. O realizador acertou em cheio na escolha de Caroline Grant para o papel principal. Ela interpreta o pequeno furacão de traquinices da Condessa de Ségur com toda a naturalidade, alegria, energia e espontaneidade dos seus cinco anos. “Os Desastres de Sofia” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.