O presidente da câmara municipal de Sobral de Monte Agraço terá levado um grupo de amigos e respetivas famílias num autocarro da autarquia para um passeio durante um fim-de-semana de março à Serra da Estrela. O caso, que envolve o autarca comunista José Alberto Quintino, terá ocorrido a 29 e 30 de março de 2014 e agora — em ano eleitoral, como acontece em várias autarquias do país — foi denunciado e está a ser alvo de uma investigação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da comarca de Lisboa Norte, em Loures. A Procuradoria-Geral da República confirmou ao Observador a existência do inquérito (processo 1308/17.1T9LRS), explicando que, neste caso, “investigam-se factos suscetíveis de integrarem o crime de peculato de uso“.

O principal suspeito do caso é o presidente da câmara municipal de Sobral de Monte Agraço, José Alberto Quintino, mas também envolve o funcionário da autarquia e presidente da junta de freguesia de Santo Quintino, Pedro Baeta. Como tem carta para o efeito, terá sido Pedro Baeta, aliás, que conduziu um autocarro (matrícula 28-GL-27) de 26 lugares, que ia quase lotado com amigos do presidente de câmara, as mulheres e namoradas dos amigos, e ainda filhos dos mesmos. O presidente da câmara confirma a existência da viagem, mas define-a como “missão empresarial”.

Questionado sobre o âmbito da viagem, José Alberto Quintino explica ao Observador que, “nos dias 29 e 30 de março de 2014, deslocou-se uma comitiva de empresários do concelho e alguns autarcas numa missão empresarial à região centro. Nesta deslocação, o município assumiu, unicamente, o custo da Via Verde, sendo as demais despesas assumidas diretamente pelos participantes.” A justificação levanta duas dúvidas: se a deslocação é de trabalho não se percebe porque a autarquia não assumiu todas as despesas, nem porque foram as mulheres e os filhos do presidente de junta e de um dos fornecedores da autarquia, ambos próximos do presidente.

O presidente da câmara diz desconhecer “em absoluto” o inquérito judicial que decorre sobre o caso por suspeitas de peculato, mas escuda-se nele para não dar mais justificações: “Por forma a não prejudicar o normal desenrolar da alegada investigação, o presidente da Câmara Municipal não prestará quaisquer outros esclarecimentos relativamente às questões vertidas no e-mail.”

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José Alberto Quintino garante ainda que o município e os “seus eleitos locais e trabalhadores pautam toda a sua atividade pelo cumprimento escrupuloso da lei e dos princípios gerais que norteiam o exercício de funções públicas.” E deixa uma ameaça no email de resposta enviado ao Observador: “A publicação de qualquer notícia/reportagem que afete, direta ou indiretamente, a honra e o bom nome dos eleitos ou trabalhadores da autarquia, será imediatamente objeto de competente ação judicial.”

O caso terá sido denunciado às autoridades por funcionários autárquicos. Através da Via Verde — cujo registos de passagem da frota autárquica estão no município — estará a indicação de que o autocarro em causa entrou na A8, em Torres Vedras Norte, a 29 de março de 2014, às 09h07. O mesmo autocarro regressou no dia 30, tendo entrado na A23 às 16h49 e saído na A8, em Torres Vedras Norte, às 22h36. Os gastos em portagens, suportados pelo município, terão ficado nos 60,65 euros.

“Baixa política”

Há ainda outras informações que constam do inquérito, como o facto de o grupo de amigos do presidente de câmara ter ficado a dormir na noite de 29 de março no estabelecimento Albertino, em Folgosinho, um local conhecido de quem frequenta a Serra da Estrela. Também consta do processo que a então mulher de Pedro Baeta — o funcionário que conduziu o autocarro e é presidente da maior junta do concelho –, bem como a filha de ambos, seguia no autocarro. O Observador confirmou essa informação junto de fontes da autarquia e de um dos elementos que seguiu na viagem.

Contactado pelo Observador, Pedro Baeta começou por dizer que vai “esperar ser notificado” antes de se pronunciar sobre o assunto e atribuiu a revelação deste caso à “baixa política” dos adversários. Após insistência para esclarecer (confirmar ou desmentir a viagem e que tinha conduzido o autocarro), Pedro Baeta limitou-se a dizer que já foi “muitas vezes à Serra da Estrela”, e que, como tem “carta de transportes públicos” e é “funcionário da autarquia”, já conduziu “várias vezes os autocarros da câmara e do clube.” Perante a insistência do Observador para esclarecer o que se passou com a viagem, o presidente da junta limitou-se a seguir o exemplo do presidente da câmara e ameaçou o Observador com um processo judicial.

Na mesma, viagem terá participado um dos fornecedores da autarquia que será próximo do presidente: Rui Sequeira. A mulher e a filha deste fornecedor também seguiriam para a Serra da Estrela no autocarro da autarquia. Rui Sequeira presta serviços de reboque e reparação de viaturas através da empresa Auto 7 ofícios. De acordo com o portal Base.gov, são cinco os contratos por ajuste direto entre a autarquia e a empresa de Rui Sequeira e totalizam (com IVA) 151.240 euros.

Como confirmou a PGR, em causa no inquérito está o artigo 376.º do Código Penal, referente ao “peculato de uso“, que estabelece que:

O funcionário que fizer uso ou permitir que outra pessoa faça uso, para fins alheios àqueles a que se destinem, de coisa imóvel, de veículos, de outras coisas móveis ou de animais de valor apreciável, públicos ou particulares, que lhe forem entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”

José Alberto Quintino é recandidato, pela CDU, a presidente da câmara municipal de Sobral de Monte Agraço nas próximas autárquicas de 1 de outubro. Pedro Baeta, igualmente da CDU, é recandidato a presidente da junta de freguesia de Santo Quintino.

O slogan escolhido por José Alberto Quintino e Pedro Baeta para as autárquicas foi: “Provas dadas. Trabalho a continuar!”